2
O
Chico viu-me logo e acenou-me. Estavam na esplanada. Reconheci o Paulo ao seu
lado, de frente para mim. O Paulo é um enfermeiro de Lisboa que alugou casa ali.
Muito giro, muito simpático e eu sei que tem tudo no sítio porque já o vi na
praia em fato de banho… e sei também que tem um sexo enorme e sabe usa-lo porque
o Chico já esteve na cama com ele e fizera o relatório completo… o Chico tem o
grande defeito de ser desbocado e contar tudo a toda a gente. O meu amigo trata
do jardim do Paulo e quando ainda estavam os dois sozinhos tinham acabado…
enfim, enrolados.
À
frente deles estavam dois tipos, um devia ser o novo namorado do Paulo. Só o
tinha visto uma vez e não gostara muito dele. É pouco mais velho que eu e muito
giro, mas muito convencido também, nada simpático mesmo. O outro percebi que
não era o Álvaro, mas não consegui ver bem, estava de cabeça baixa, concentrado
numa revista que lia atentamente. Podia ser alguém interessante… visto daquele
ângulo parecia ter bom aspeto.
-
Nunooo! – exclamou logo o Chico, acenando – bom dia, amigo!
-
Olá! – respondi com o coração subitamente na garganta
Nem
dei a resposta habitual que era gritar também o nome do Chico como ele fizera. Estava
em choque, largara a bicicleta e vira finalmente quem estava com o meu amigo. Passei-me.
Um era mesmo o namorado novo do Paulo, mas o outro era o tipo do pinhal… o tipo
do pinhal, porra, o corredor podre de bom… oh, meu… ele estava ali…
Vi-o
levantar os olhos da revista para ver quem tinha chegado e percebi que me
reconheceu. Ao menos isso, reconheceu-me, isso queria dizer que eu não lhe
passara completamente ao lado, não me olhara e apagara-me da sua mente logo a
seguir. Pareceu surpreendido por me ver.
-
Olá Nuno! – o Paulo sorriu-me como sempre, apertando-me a mão quando lha
estendi – estás bom?
-
Sim. – respondi vagamente, sentindo-me um bocado constrangido
Era
para aí a quarta ou quinta vez que o via e usava sempre aquele tom para me
cumprimentar, parecia que estava felicíssimo por me ver e cheio de saudades
minhas. Ele é atraente, tem boa pinta mas quer dizer, não é? Há limites… eu sei
que ele gosta de putos e deve gostar de mim porque é sempre muito simpático
comigo; mas se já me deixava atrapalhado sempre que falava comigo quando estava
sozinho, muito mais agora que tem um namorado… e ainda por cima à frente de
desconhecidos. Concentrei-me a tentar decidir se devia apertar a mão ao bonzão do
pinhal ou apenas acenar-lhe. Tinha de lhe apertar a mão, não era? Até porque
queria mesmo tocar-lhe.
Controla-te, meu!… gritou o meu cérebro
lá do fundo… é só um gajo!
-
Já conheces o Ricardo? – apontou para o namorado à sua frente
Fogo… este primeiro…
Apertei
também a mão ao Ricardo, que me fez um sorriso amarelo como se estivesse
aborrecido por ter de falar com os saloios da terra. Aquilo irritou-me logo. O
seu ar convencido, a expressão com que me olhou…
Arrogante
de merda!
Ele achava-se o máximo e
parecia que me estava a fazer um favor ao cumprimentar-me. Aliás, ele não me
cumprimentou, deu-me a mão para apertar, só isso, fui eu que apertei uma coisa
mole que… detestava gente assim, que não apertava a mão… uma pessoa já está em
stress e ainda tem de levar com isto…
-
Não me lembro. – respondi encolhendo os ombros indiferente – mas acho que sim… já
nos conhecemos, não já?
Encarei-o
a sorrir e os seus olhos traíram-no. Não gostou da minha indiferença, devia
achar que eu tinha obrigação de me lembrar dele. É claro que me lembrava, mas
não estava com paciência para aquelas merdas… agora ia ficar a pensar que não era
tão inesquecível como achava…
Vai
buscar, abelha!…
Agora
sim, agora era o corredor bonzão… este já custava um bocadinho mais a
cumprimentar. Pelo canto do olho vira-o levantar os olhos da revista outra vez quando
eu cumprimentara o Ricardo, achei que ele parecia surpreendido com a minha
saída com o outro; também não devia gostar dele. Agora notei uma expressão de
curiosidade nos seus olhos e corei quando o fixei…
Porra,
que olhos…
-
O Duarte não conheces mesmo, é o primeiro fim de semana que ele vem ao Meco. –
continuou o Paulo… eu senti que a sua voz endurecera um pouco, não devia ter gostado
da forma como eu falara com o seu ‘mais que tudo’
-
Mas estás enganado. – lançou o Duarte a sorrir – já nos vimos no pinhal há um
bocado, não foi?
-
Sim, foi. – balbuciei sentindo a cara a ferver enquanto lhe apertava a mão… e apertou-ma
com bastante força, este sim era um homem
Foda-se, Nuno… gritou o meu cérebro, mas
não havia nada a fazer. Não me consegui controlar. O tipo tinha mesmo um
sorriso espantoso… era lindo, lindo… os seus olhos negros brilhavam fixos em
mim e eu senti-me a ficar da cor da t-shirt que ele vestia…
Senti-me
perfeitamente a estremecer com o seu toque e só não corei mais porque era
impossível, já devia estar no máximo de cor. O seu olhar faiscou de satisfação
e o seu sorriso abriu-se mais…
-
Tenho muito gosto, Nuno. – a sua voz era doce e o seu sorriso de dar a volta à
cabeça… aliás, foi justamente o que me fez
-
Também eu! – respondi com a maior das sinceridades
Claro
que percebeu logo que me tinha deixado com a cabeça a andar à roda, claro que
eu não conseguira disfarçar bem e claro que estava habituado a isso, devia ser
normal para ele. Pareceu achar piada à minha reação e eu engoli em seco, preocupado…
tinha o coração entalado na garganta e até achei que me estava a asfixiar. Mas que
grande merda...
-
Ah já se encontraram? – o Paulo não conseguiu disfarçar a sua surpresa e o seu
desapontamento – e o que fizeram os dois sozinhos no pinhal de madrugada, pode
saber-se?
Tornei
a engolir em seco com o meu cérebro a gritar… nada! Ele mal olhou para mim!
-
Cruzámo-nos a correr. – esclareceu o Duarte secamente, olhando o amigo com uma
expressão dura nos olhos… achei incrível como a sua expressão mudou num segundo,
muito simpático para mim num momento e um olhar ‘matador’ para o Paulo no momento
seguinte
-
Ah tu gostas de correr? – o Paulo concentrou-se em mim, ignorando o amigo – não
sabia…
O
tom duro que o Duarte usara acordara-me e senti-me a recuperar.
-
Precisava extravasar. – respondi vagamente…
-
Não te queres sentar, Nuno? – o Duarte sorriu-me simpaticamente e eu acho que
tremi outra vez com aquele seu sorriso
-
Sim, obrigado. – acho que corei novamente, o tipo estava a mexer comigo e já o
percebera bem… percebera ele, percebera eu e acho que tinha percebido toda a
gente
-
Queres café?
Eu
voltei a olha-lo e claro que só consegui aguentar um segundo, os seus olhos
brilhavam fixos em mim… parecia divertido com o efeito que estava a ter. Por
mim não estava a achar piada nenhuma àquilo, queria conseguir encará-lo, mas
era impossível, aguentava apenas um momento e tinha de desviar os olhos… aquilo
era horrível.
-
Esqueci-me de trazer dinheiro. – encolhi os ombros tentando agir normalmente… concentra-te, meu, ele é um tipo como os
outros.
-
Não foi isso que te perguntei. – o sorriso diminuiu e a sua voz endureceu um
pouco – eu perguntei-te se querias café…
O
meu coração deu um salto e desta vez encarei-o mesmo, espantado, mas o que era
aquilo?
-
E eu respondi que não tinha dinheiro. – encolhi os ombros
Tipo…
Daaaa!!!
Ele
semicerrou os olhos por um momento, como se estivesse a tentar compreender o
que eu tinha dito ou… não sei explicar, pareceu surpreendido com a minha
resposta, mas depois cintilaram e vi a sua boca tremer, não devia ter gostado
muito da resposta, embora eu não conseguisse mesmo perceber porquê, o que eu
tinha dito era compreensível para qualquer um, não era? Se calhar tinha sido o
meu tom.
-
Isso quer dizer que mesmo querendo café, não aceitas que um de nós te ofereça
um? – perguntou calmamente…
Parecia
perplexo e portanto estava como eu… ele queria-me oferecer o café? O seu olhar
era hiper perturbador, intenso, era um olhar que me deixava literalmente com a
cabeça a andar à roda… que olhos, meu…
-
Se me quiseres oferecer um café, eu não vou dizer que não. – respondi sem o
conseguir encarar mais, sentindo-me super atrapalhado… o que é que me estava a
acontecer?
-
Ótimo! Essa é a resposta certa, Nuno, era isso que eu queria ouvir. – vi os
seus lábios voltaram a tremer, agora numa amostra de sorriso – é que eu não
gosto muito que me digam que não…
Virou-se
para trás com uma chávena na mão, deixando-me de boca aberta enquanto a
mostrava ao empregado para pedir uma nova bica.
-
Eu depois dou-te o dinheiro.
Ele
encarou-me outra vez, inclinando um bocado a cabeça, agora parecia desapontado
comigo.
-
Não aceitas que te pague um café? Como camarada das corridas?
Engoli
em seco. Aqueles olhos… o seu sorriso insinuante…
-
Aceito sim, obrigado.
O
que é que eu podia dizer a este gajo? Desviei os olhos para o Chico que me
sorria. Depois vi o Paulo, que me observava atento… não consegui perceber o que
estava a pensar, mas achei que tinha percebido claramente que o seu amigo me
estava a perturbar… muito…
-
Mas conta lá, Nuno… precisavas extravasar o quê?
A
pergunta do Paulo e o seu olhar surpreenderam-me, tanto mais que senti o
Ricardo ao meu lado a agitar-se na cadeira
Fogo, meu, tens o teu namorado à tua
frente!!
Eu
devia estar a fazer algum tipo de filme, mas achei que aquilo não estava a
correr mesmo nada bem. Eu até gostava dele, mas não gostava nada daquele tipo
de conversa, nem daquele tipo de olhares. Achava-o giro, mas comparado com o Duarte…
é que não tinha nada a ver. Além disso…
-
A paixão do Nuno casou-se e está em lua-de-mel! – lançou o Chico
Fiquei
sem fôlego.
Porra, Chico!... foi a minha vez de
olhar o meu amigo com o olhar ‘matador’… e
se fechasses a matraca, meu? Dasss!!
-
Ai sim? – o olhar do Paulo tornou-se quase tão intenso como o do Duarte tinha
sido antes
Mordi
o lábio com força. Aquilo deixava-me desconfortável. Primeiro eu não queria
falar do Pedro, fora ter com eles justamente para o esquecer, não para estar a
contar detalhes da minha intimidade… e por outro lado o Chico tinha-me dito que
o Paulo gostara de mim, que dissera uma vez que gostava de me saltar para cima…
assim mesmo, portanto não achava normal aquela conversa e aqueles olhares,
muito menos à frente do seu namorado…
-
Não quero falar sobre isso! – tentei dar um ar decidido e final às minhas
palavras, mas sabia bem que devia estar vermelho que nem um tomate e que isso me
cortava um bocado a credibilidade….
-
Porque não? – agora foi o Duarte que falou e quando o olhei vi-o à espera da
minha resposta, atento às minhas palavras
-
Porque não! – encarei-o de sobrolho franzido, sabendo perfeitamente que estava
com má cara… depois fulminei o Chico com o olhar novamente… Porra para isto.
-
Ok, não se fala mais no assunto! – o Paulo sorriu-me – mas só para esclarecer
as coisas… agora estás livre, é isso?
-
Sim. – confirmei revirando os olhos… assim nunca mais ia parar de corar
-
Durou muito tempo? – o olhar do Duarte fixo em mim era penetrante, os seus
olhos negros pareciam invadir-me o cérebro a querer adivinhar-me os
pensamentos.
Foda-se… também tu? Qual é a parte
do ‘não quero falar nisso’ que ainda não percebeste?
Olhámo-nos
mutuamente por uns segundos, mas eu não aguentei. Porra!
-
Tempo demais! – respondi finalmente tentando ser brusco, mas não me saiu bem,
aquele tipo intimidava-me… os seus olhos agitaram-se por um momento, parecendo
divertidos e eu devo ter ficado púrpura – então e o Álvaro? – perguntei ao meu
amigo… tinha de mudar de conversa
-
Não pode vir! – respondeu o Chico – acho que…
-
Está-te a por os cornos, Chico? – o tom do Ricardo era provocador
Encarei
o tipo, irritado… aquele gajo era um perfeito anormal, meu… dasss… sempre a…
nem sei, podia ser muito giro e parecia ter bom corpo, mas era um perfeito
anormal e cada vez que abria a boca era para o provar… era azedo, negativo e
muito desagradável, muito mesmo. O Chico já me tinha dito que ele o costumava
gozar por ser um saloio da terra.
-
Não está nada! – respondi imediatamente… não estava a gostar mesmo nada dele e
estava demasiado stressado com o andar da conversa para ter paciência para
aquele tipo de coisas
-
Como é que podes saber? – o Ricardo olhou-me diretamente
-
Não posso. – respondi logo – mas sei que ele gosta do Chico porque isso vê-se
quando estão os dois…
-
Parece-me que isso não quer dizer nada…
-
Talvez para algumas pessoas… há umas que merecem confiança e outras que não.
Olhei
de relance para o Duarte porque senti que me observava. Recostara-se na cadeira
a ouvir, parecendo analisar-me. Sorriu-me e eu desviei logo o olhar… o tipo mexia
mesmo comigo… e era ainda pior porque eu não conseguia perceber o que ele estava
a pensar… seria algum tipo de interesse? Não sei bem… o que sei é que me olhava
diretamente, atento, que me olhava intensamente e isso atrapalhava-me. É claro
que tornei a corar, o tipo era deslumbrante.
-
Se tu o dizes…
Cerrei
os dentes para não abrir mais a boca.
Bebes o café e basas, manténs o bico
calado e não fazes merda que isto não é nada contigo…
Olhei
ansioso para o velhote que finalmente aparecia com o raio do café.
-
Parece-me que o Nuno já está farto de estar connosco. – lançou o Duarte
assustando-me
Olhei-o
estupidificado… como é que ele adivinhara o que eu estava a pensar?
-
Porque é que dizes isso? – perguntei aturdido
-
Porque se eu estivesse no teu lugar já me tinha ido embora.
Recomeçara
a sorrir e eu sorri também… pelo menos ele compreendia-me. Achei-o muito
simpático, mesmo não gostando quando ele franzia o sobrolho e era um bocado
bruto… parecia a minha avó.
-
Como vai a tua escolinha, Nuno? – o Paulo decidira mudar de assunto, mas só fez
com que eu me sobressaltasse outra vez.
Olhei-o
surpreendido com a pergunta… como diabo é que ele sabia da escola se só
estivera com ele meia dúzia de vezes e nunca tínhamos falado no assunto? Tinha
de ser o Chico… raios parta o homem que é
um desbocado de primeira!
-
Vai bem. – respondi vagamente, sem saber bem o que mais dizer
-
Portas-te bem nas aulas?
Foda-se… vou fazer 18 anos, meu, não sou um
garoto!
Estava
toda a gente a olhar para mim. O Chico sorria, encolhendo-me os ombros como que
para se desculpar, o Ricardo estava com aquele ar de estupor que tinha sempre,
tipo… “ainda andas na escolinha?”. O Paulo parecia estar divertido com aquelas
perguntas, devia gostar de me deixar atrapalhado. O Duarte… esse olhava-me concentrado,
continuava a fixar-me com aquele olhar que parecia entrar-me no cérebro… senti
o calor na cara a aumentar… quando é que eu iria deixar de corar?
-
Tenho os meus dias… – respondi ao Paulo depois de olhar o Duarte apenas por um
segundo
-
Não acredito que te portes mal. – o Paulo sorria simpaticamente, mas tinha uma
expressão provocadora – não parece nada teu…
-
Porquê? – exclamei indignado… de onde é
que tu me conheces?
-
Não sei. – encolheu os ombros parecendo estar a gostar da minha reação – criei
a imagem que eras um doce?
-
Um quê? – abri a boca de espanto e senti que estava franzir o sobrolho outra
vez… eu nem queria acreditar naquilo, aquilo não estava a correr nada bem; nada
bem mesmo…
Estás muito enganado, oh abelha… e ainda
estás mais enganado se pensas que vais comer o doce!!
-
Desculpa, não te quis ofender. – o Paulo levantou logo as mãos, num gesto de
desculpas, mas o seu sorriso mostrou perfeitamente que não estava minimamente
arrependido – o Chico comentou que eras um bocado assim…
-
Assim como? – perguntei bruscamente lançando novo olhar ‘matador’ ao meu amigo
– o Chico comenta coisas demais!
-
Desculpa Nuno, calhou em conversa…
-
Não fiques chateado, Nuno! – o Paulo sorria – mas falámos de ti no outro dia e
o Chico explicou-nos que foste o primeiro homem com ele teve… depois surgiu a
conversa do teu namorado… do teu ex…
-
E?... – perguntei desafiador, não estava a gostar nada daquilo
-
E foi isso…
-
Traíste o teu namorado? – o Ricardo foi acutilante – então por isso é que
sabias que o Álvaro era de confiança…
-
Não traí coisa nenhuma! – respondi-lhe consciente que estava a ser agressivo –
foi ele que me traiu a mim! Andava com uma namorada na altura e eu fui à minha
vida como faria qualquer outra pessoa… eu não traio, mas também não papo tudo o
que me fazem e não sou do tipo de aguentar calado e dizer ‘sim senhor’ a tudo…
quem me sustenta são os meus avós, não era ele, portanto…
O
Ricardo sentiu a estocada… eu sabia bem que vivia à conta do namorado… ia para
abrir a boca mas o Duarte falou entretanto.
-
E qual é o problema de dizer ‘sim senhor’ a tudo?
Olhei-o,
desconcertado com a pergunta… vi-o perfeitamente sério, mas os seus olhos
pareciam faróis em máximos fixos em mim.
-
Nenhum! – encolhi os ombros – eu digo ‘sim senhor’ a quem quero e se quiser…
digo a quem merece…
-
Rebelde… gosto disso! – a sua resposta, novamente a sorrir, fez-me descontrair
um bocado apesar de não estar bem certo daquilo ser um elogio
-
Eu gostava mais da ideia de seres um docinho… tipo bombom. – o Paulo abanou a
cabeça parecendo desapontado
Abri
a boca, pasmado.
Tipo bombom? Mas que porra?... eu nem
queria acreditar naquilo
Fiz
um esforço, mas consegui controlar-me sem lhe responder torto.
-
Até sou… às vezes… – admiti um bocado despeitado – outras vezes tenho um
recheio amargo.
Soltaram
todos uma gargalhada… até o Ricardo sorriu, o que me deixou ainda mais
aborrecido… mas que merda era esta? Estavam a rir-se às minhas custas? Senti-me
outra vez a ficar irritado… era isso, estavam todos a gozar comigo como faziam
com o Chico.
-
Isso quer dizer que às vezes te portas mal… sabes o que acontece aos meninos
que se portam mal?
Olha-me este… quer música.
-
Sei. – fixei o Paulo com toda a confiança – essa informação circula no Facebook
há muito tempo… os meninos bons vão para o céu, os maus vão para todo o lado.
Nova
gargalhada, mas agora gostei que se tivessem rido. Gostei em particular da
expressão do Duarte, parecia estar divertido, os seus olhos brilhavam de
satisfação e gostei da maneira como me olhou desta vez, tive a sensação que
estava a gostar de mim… senti-me super bem…
Será
que ele gosta de gajos?
-
Ah, mas não é só isso, Nuno… os meninos maus também acabam por levar umas
palmadas! – o Paulo não parecia disposto a desistir de me provocar… já o tinha
feito mais vezes, mas não tão ostensivamente como agora, devia estar a
exibir-se para o amigo
Eh lá… já te estás a esticar, meu… franzi o sobrolho… abranda lá um bocadinho, pode ser?
-
Há uma lei qualquer que proíbe isso, sabias? – disse-lhe com o ar sério de quem
estava muito bem informado – bater nos filhos, nas mulheres e isso, agora é
crime público ou uma coisa parecida. Aprendi isso na escolinha…
Ele
franziu o sobrolho por um momento perante a minha resposta… o Chico olhava-me
de boca aberta e o Duarte tinha realmente os olhos a cintilar de gozo.
-
Não se for de mútuo acordo e com consentimento… até há quem goste, sabias? – o
Paulo conseguiu recuperar o sorriso
Dei
um último golo no café antes de responder.
-
Que goste de levar palmadas? – fingi-me pensativo por um momento, sabia muito
bem o que ele queria – Ah, tipo… quando as coisas estão animadas na cama? Sei…
assim até eu gosto…
O
Chico escancarou os olhos e tanto o Paulo como o Duarte ergueram as sobrancelhas
de surpresa… encolhi os ombros e foi a minha vez de sorrir.
-
Que foi? Tenho ar de menino de coro?
-
Não, Nuno, não tens! – o Duarte foi o primeiro a responder e foi categórico…
adorei vê-lo a morder o lábio para não rir abertamente, ficava super sexy assim
-
Isso é mais que certo! – disse o Paulo – então tu gostas de levar umas palmadas
a fazer sexo?
-
Talvez… – encolhi os ombros… se ele estava a pensar que eu lhe ia dizer o que
gostava e o que não gostava, estava muito enganado
-
Mas eu não estou a falar dessas palmadas, estou a falar de um castigo a sério, quando
se portam mal…
Foi
impossível evitar olhar para o Ricardo…
-
Eu não sou desses, se é isso que estás a pensar! – respondeu o outro
bruscamente
Encolhi
os ombros outra vez, fazendo o meu melhor sorriso.
-
Eu não estou a pensar nada… não sei nada dessas coisas. – lancei com o ar mais
inocente que consegui fazer – se calhar até és tu que perdes, não sei mesmo…
O
Ricardo cerrou os dentes, vi o Duarte atrás dele arquear as sobrancelhas outra
vez, o Paulo fez justamente o oposto franzindo o sobrolho e o Chico, esse
estava literalmente de boca aberta… parecia finalmente ter perdido a capacidade
de falar.
-
Tens umas respostas, Nuno… quase que mereces! – disse o Duarte, fazendo-me
engolir em seco com a maneira como me olhou
-
Eu? – fiz o meu ar mais inocente – já disse que não percebo nada disso.
-
Tens de arranjar um explicador!
-
Um explicador de palmadas? Isso existe? – ri nervoso – e porque é que eu havia
de arranjar um desses?
-
Perguntas-me a mim porquê? – continuava a morder o lábio
-
Sei lá! Vocês é que parecem ser os especialistas nessas coisas… eu já disse que
não sei nada do assunto!
-
Não? Como disseste que até gostavas…
-
Eu disse que gostava quando as coisas se animavam… pronto, na cama, só isso. –
agora enfrentei-o diretamente… és muito
giro e estás-me a dar a volta à cabeça, meu, mas vai lá com calma tu também
-
Portanto, gostas dumas palmadinhas de amor, não gostas de ser castigado. – o
sorriso do Duarte tornou-se enigmático
-
Quem é que gosta? – encolhi os ombros
-
Até te surpreendias se eu te dissesse…
-
Tu gostas, é? – lancei imediatamente
Ele
soltou uma gargalhada. Tinha um riso muito agradável.
-
Não, Nuno, não gosto… e agora tu merecias mesmo…
O
tom de voz do Duarte era brincalhão e parecia ter uma espécie de sorriso nos
lábios, mas não dava para entender bem a sua expressão.
-
O que é que eu fiz?
O
meu sorriso sumiu-se quando vi o seu desaparecer também. A sua expressão mudou
completamente num segundo, o seu olhar tornou-se cortante fixo no meu e a sua
voz endureceu.
-
Acho que estás a dar umas respostas demasiado duras e não estás a mostrar-te
suficientemente grato pelo café que te ofereci!
Recuei
na cadeira, abismado, aquilo atingiu-me em cheio e o meu coração acabara de
parar... fiquei sem fala por um momento… foda-se,
meu, porque é que estás a fazer isso?
-
Eu avisei que não tinha dinheiro… tu é que disseste que me querias oferecer o
café, eu não te pedi nada! – defendi-me bruscamente, vendo que a minha reação o
surpreendeu – isso é injusto!
-
Tens razão, Nuno! – ele retraiu-se imediatamente, tal como eu tinha feito – peço
desculpa.
-
E lembro-me de ter agradecido, mas posso ir a casa buscar o dinheiro!
-
Eia, Nuno… estamos a brincar contigo! – o Paulo riu-se
-
Eu não gosto de certas brincadeiras! – disse-lhe azedo, antes de tornar a fixar
o Duarte – eu não te pedi para me pagares o café, foste tu que mo ofereceste… –
disse-lhe frontalmente
Sei
perfeitamente que fui agressivo com ele também, mas estava a ferver de nervos
pelo que me tinha dito e também por perceber como ele era realmente bonito,
mesmo irritando-me daquela maneira, eu continuava a acha-lo super atraente e a
querer que ele gostasse de mim.
-
Eu já pedi desculpa, Nuno. – disse com a sua voz doce – não és capaz de me
desculpar? – insistiu comigo, esperando a minha resposta… e como não a obteve,
fez uma amostra de um sorriso – caramba que és um miúdo difícil!
Percebi
finalmente o que estava a acontecer, estavam mesmo a gozar comigo, a divertir-se
às minhas custas… a gozar com os indígenas…
-
Não sou difícil, mas não gosto de ser gozado! – fui duro na resposta
-
Ninguém estava a gozar contigo, Nuno! Agora és tu que estás a ser injusto! – o
seu tom mudou completamente outra vez… num segundo completamente envolvente,
agora seco e cortante
- Não sei nada disso. –
respondi calmamente – o que eu sei é que gostei muito de vos ver a todos, mas
tenho de ir andando…
-
Oh Nuno… eles estavam a brincar! – exclamou o Chico
-
Claro que estavam. – respondi perfeitamente consciente do meu sorriso amarelo e
sem me esforçar muito por disfarçar o que estava a pensar deles – são uns
brincalhões… mas é que eu tenho umas coisas para fazer.
Consegui
olhar o Duarte e achei que ele não estava satisfeito comigo…
-
Eu estava a provocar-te, Nuno, não estava a gozar contigo…
Falou
calmamente salientando todas as palavras para ser perfeitamente claro. O seu
olhar era impositivo, parecia exigir-me que acreditasse no que me dizia. Mas
quem é que ele pensava que era?
-
Se calhar precisas de um explicador de provocação! – disse-lhe ainda
abespinhado
-
Achas que sim? – os seus olhos relampearam de surpresa e depois tornaram a
brilhar de gozo… ninguém lhe devia ter dito aquilo antes
-
Acho! – respondi categórico
-
Tens a certeza que não podes ficar mais um pouco? Bebe mais um café…
Olhei-o
como se ele fosse doido e vi surgir-lhe um sorriso… fogo… era um sorriso
brincalhão… estonteante…
-
Tenho! – respondi ainda tentando mostrar-me decidido, mas tenho de confessar
que vacilei – e tu tens a certeza que não queres o dinheiro do café?
O
seu sorriso desapareceu imediatamente e a voz gelou outra vez.
-
Tenho! – disse por seu lado voltando a olhar para a revista…
Acenei
com a cabeça, sem dizer mais nada, mas senti-me mal por ele ter deixado de me
dar atenção… que coisa, meu, nunca tinha sentido aquilo.
Que
fossem para o Inferno, eu já tinha porcaria suficiente na minha vida para
precisar de gajos assim e já tinha coisas suficientes para me chatearem, não
precisava deles a picarem-me a cabeça para se divertirem às minhas custas… que
se divertissem muito uns com os outros.
-
Vens ter com a gente à praia? – perguntou o Chico
-
Não! – respondi decidido – tenho coisas para fazer…
-
Devem ser muitas coisas. – lançou o Ricardo com o seu ar de gozo
Burro… outra vez a mesma desculpa?
-
Sabes que há quem esteja de perna aberta e tenha as coisas a cair-lhe do céu, e
há quem tenha de fazer pela vida! – respondi-lhe, novamente com o meu melhor
sorriso… fiquei deliciado por ver o dele sumir-se
O
Duarte congelava-me o cérebro por ser lindo de morrer, o Paulo era simpático e
agradável… agora este… um gajo que vive à conta…
Novo
momento de grande prazer quando, olhando o Duarte, o vi de boca aberta a olhar
para mim. Esse momento foi quebrado quando vi o Paulo de sobrolho franzido, mas
que se fornicassem os dois…
Eu não sou um betinho da cidade, mas
não se metam com os saloios… vejam lá se não se esquecem!... pensei absolutamente decidido
-
Vem lá à praia, Nuno… – foi o Chico que falou
-
Gostava muito que viesses, Nuno. – disse o Duarte surpreendendo-me
completamente
Engoli
em seco. Perturbador… muito perturbador…
-
Se me despachar… e levo-te o dinheiro do café, até logo!
-
Nuno! – estanquei com o tom firme que usou para me chamar, quando o encarei os
seus olhos brilhavam de uma forma que parecia que parecia que me estava a
fuzilar – se me tentares pagar esse café… gostes ou não gostes, queiras ou não
queiras, crime público ou não, vais levar um palmadão de que não te vais esquecer
o resto da tua vida!
-
Ah preferes dar, é? – lancei tentando disfarçar o facto de estar com o coração
aos saltos com a sua expressão
-
Ele é dos que gosta que lhe digam ‘sim senhor’. – provocou o Paulo
-
O que interessa é que entendas o que te disse! – o Duarte ignorou o comentário
do amigo, de olhos fixos nos meus – o assunto do café está arrumado.
Porra…
que homem… por um momento pensei mandá-lo à merda, mas depois tive uma ideia e
respondi-lhe no tom mais doce que consegui fazer…
-
Sim senhor! – respondi-lhe, deixando-o de olhos esbugalhados
Virei-lhe
as costas e afastei-me com as pernas a tremer, mas tinha um sorriso nos lábios
provocado pela sua reação… estava armado aos cucos, estava mesmo para me provocar,
mas eu também sabia jogar esse jogo e deixara-o de boca aberta. Saíra a ganhar
daquilo, deixara-o desorientado. Bem feito! Saloios da aldeia 1- betinhos da
cidade 0.
A
minha cabeça trabalhava a toda a velocidade. Quem seria ele? O que faria? Teria
namorado? Ou melhor… seria gay? Isso devia ser, para estar naquele grupo… mas
não tinha tiques nenhuns, podia não ser… há muita gente que tem amigos gays e
não tem nada a ver com… mas se não era… era sim, era de certeza… teria
namorado? Um tipo daqueles devia ter quem quisesse, era dos que bastava estalar
os dedos para terem quem quisesse aos seus pés… contra mim falo que era um
deles… foda-se que ele era mesmo giro… e além de lindo de morrer, era fino e
sofisticado, era sério e confiante, um homem maduro… tinha era um feitio de
merda, livra… que idade teria? 30 anos, talvez nem isso… e era podre de bom,
mas podre de bom mesmo… era intimidante, pelo menos para mim, mas era o que eu
gostava, era ao que eu estava habituado, há anos que era controlado pelo Pedro,
intimidado e usado… e a verdade é que agora me sentia desorientado sozinho, por
não ter quem me… controlasse?
Tens a cabeça toda fodida, meu… pensei
pedalando furiosamente
Entrei
em casa a ferver, mas a ferver mesmo… uma coisa era certa, aquilo conseguiu
fazer com que me esquecesse do Pedro e da mulher… livra, porque é que a minha
vida era um inferno, meu? Mas eu merecia uma coisa daquelas? Se calhar sim…
fogo…
Sentei-me
à porta sem saber bem o que fazer. O que é que tinha acontecido? Aquilo fora
estranho, constrangedor, mas fora intenso, lá isso fora.
Perdi
apenas um minuto a pensar no estupor do Ricardo, mas o Paulo… o que fora
aquilo? Estava-se a atirar a mim ou quê? E com o namorado na mesma mesa? Não
era possível, não fazia sentido nenhum… ou fazia? Não me admirava nada se ele
quisesse outro gajo, o namorado dele era um trambolho insuportável… podia ser
giro mas era uma besta irritante como eu não me lembrava de ter conhecido ninguém.
E o Duarte? O que acontecera ao Duarte? O que é que lhe dera? O que lhe passara
pela cabeça? Porra… ele começara tão bem, tão simpático comigo, parecia estar a
gostar de mim e a… e depois dera-lhe uma macacoa… livra. Se calhar não estava à
espera que lhe respondessem, deviam estar todos habituados ao Chico que ouvia e
calava-se, que aguentava tudo… só podia ser isso, deviam estar habituados a
gozar sem que lhe respondessem… que fossem para o inferno todos eles… e o Chico
também por lhes ter falado sobre mim… aliás, tinha de ter uma conversa muito
séria com ele a propósito disso, mas por alma de quem é que ele falava sobre
mim aos amigos dele? Ainda por cima gajos que eu não conhecia de lado nenhum…
ao Ricardo de quem eu nem gostava?
Dasss.
Mas
o que dera ao Duarte para se atirar a mim assim? Atirar-me à cara que me pagara
o café? Que porra… já nem me lembrava como é que aquilo começara… mas estava a
brincar? Quem é que brinca com uma pessoa atirando-lhe à cara aquilo que lhe
pagou cinco minutos antes… será que era assim que ele brincava? A provocar as
pessoas daquela maneira? Pago-te uma merda qualquer e depois passo a hora
seguinte a enxovalhar-te e a envergonhar-te a cara… puta que o pariu! Podia ser
lindo, isso era mesmo, mas preferia morrer à sede e à fome antes de o deixar
voltar a pagar-me o que quer que fosse… isso era garantido.
Fechei
os olhos a lembrar-me do seu rosto. O cabrão era mesmo bonito. Mas nem era só o
ser bonito ou ter um corpo de fazer crescer água na boca, era a sua pinta… o
seu estilo contido, superior, o ser simpático e delicado, o ter aquele sorriso
lindo que fazia uma pessoa derreter… que me fazia derreter. E os olhos que
sorriam também, às vezes… ele falava tanto com os olhos como com a boca ou com
o rosto, acho que até era mais expressivo com os olhos, a brilharem sorrindo,
ora divertidos, ora brincalhões, ou então… sim, a chisparem de fúria, até metia
medo. E a voz, doce às vezes e depois dura como aço, fria como gelo… porra… o
gajo devia era ser tarado, tipo… esquizofrénico ou isso. Ninguém era assim e
mudanças repentinas de humor são um traço de esquizofrenia, eu sabia porque
tinha uma tia que era assim… até tomava medicamentos para isso e tudo… era um
desperdício num homem daqueles ser assim.
Sacudi
a cabeça e resolvi ir jogar computador, pelo menos isso ia-me chupar o cérebro
até à noite… a jogar computador não iria pensar em nada, nem no Pedro e a
mulher, nem no Paulo e o estupor do namorado, nem no Chico e a sua
língua-de-trapos… nem no Duarte… depois iria tomar um copo à noite, com um
bocado de sorte ia arranjar um gajo normal que se interessasse por mim...
normal e são da cabeça.
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