quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Tu és meu - 7 (conto gay)

 Para ver início - cap1

7


            Ele olhou para o relógio assim que me viu aparecer… sorria enquanto me aproximava, mas o seu sorriso esmoreceu consoante fui avançando para ele. Eu achava que estava bem, mas a sua expressão provou-mo. Os seus olhos percorreram-me de cima abaixo, avidamente e tive de fazer um grande esforço para mão sorrir demais…

            - Nuno! – exclamou – tu estás…

            Calou-se e eu tive vontade de bater palmas.

            - Estou bem? – acho que consegui dar um tom modesto à minha pergunta, pelo menos tentei porque ter um gajo daqueles a olhar para mim com aquela cara pôs-me o ego em órbita

            - Estás, Nuno, estás muito bem.

            - A sério? – escancarei a cara num sorriso de orelha a orelha

            - Porquê o espanto? – ele sorriu também, recuperado – deves saber bem que és muito atraente…

            - Eu?!

            Sobressaltei-me. Aquilo estaria mesmo a acontecer? O tipo mais giro que eu vira na vida, e que me deixava abismado, estava mesmo a dizer que eu era muito atraente?

            - Será possível? – questionou-se com uma expressão de surpresa no rosto

            - O quê? – perguntei sem perceber

            Ele pareceu confuso e hesitou um momento antes de responder.

            - Que não tenhas consciência que, além de seres um miúdo lindo, és também extremamente atraente.

            - Eu?! – repeti tão espantado que nem consegui reagir bem ao elogio… o senhor ‘toda a gente cai aos meus pés’ estava dizer que eu era extremamente atraente? Um de nós devia estar a alucinar… ou ele, ou eu.

            - Não tens mesmo consciência disso, pois não!? – parecia incrédulo

            Nem consegui perceber bem se aquilo era mesmo uma pergunta ou se ele estava a pensar alto. Senti-me repentinamente ansioso, parecia tudo bom demais para ser verdade.

            - Tu achas mesmo isso?

            - Acho! – foi a resposta simples – acho mesmo… vamos jantar?

            Levantou-se.

            - Eu não tenho dinheiro. – tornei a avisar

            - Outra vez? – exclamou com os olhos a dançar de riso – tens algum restaurante favorito?

            - Não! – respondi estremecendo ao vê-lo aproximar-se de mim

            - Então posso eu escolher. – senti o seu hálito doce na minha cara – eu prefiro assim… vamos? – apontou para o carro, fazendo sinal para eu avançar à sua frente

            - Eu achei que preferisses. – sorri fazendo o que ele mandara… és o Sr. ‘Mandão, sou eu que decido e controlo todos os momentos do teu dia’, já te estou a tirar a pinta…

            Dei apenas alguns passos até perceber que ele não me seguira. Olhei para trás, espantado e percebi o seu olhar fixo nas minhas calças. Agora virara-me e ele já não o podia ver, mas percebi que o seu olhar estivera fixado no rasgão da perna ao pé do traseiro… senti imediatamente o coração aos pulos. Bingo!

            - Que foi? – perguntei

            - Nada! – sacudiu a cabeça avançando para me alcançar – és muito perturbador, só isso…

            - Eu? – estremeci de excitação

            - Sim, Nuno, tu… só preciso descobrir se tens plena consciência disso e estás a fazer teatro, ou se é uma coisa natural em ti…

            Ele entrou no carro e sentou-se com imenso estilo e uma confiança de quem estava habituado. Por mim fiquei com a mão na porta, sem a abrir, olhando-o por cima dos vidros fechados.

            - Vais entrar no carro ou estás à espera que eu te vá abrir a porta? – perguntou de sobrolho franzido – eu costumo fazer isso a algumas senhoras, mas confesso que nunca o fiz com homens…

            - Porque é que achas que eu estou a fazer teatro? – aquilo estava-me a martelar no cérebro – o que é que isso quer dizer?

            - Entra no carro, Nuno! – ordenou impaciente – se me fizeres sair, garanto-te que não vais gostar…

            Habitualmente aquilo tinha-me feito decidir a entrar, principalmente depois de tudo o que tinha lido, mas não sei o que me passou pela cabeça, em vez do fazer, larguei a porta e cruzei os braços, desafiador.

            - Eu já não estou a gostar agora… o que queres dizer com eu estar a fazer teatro? – perguntei de sobrolho franzido – achas que te estou a enganar?

            - Porque é que tens de ser tão difícil? – olhou-me frustrado

            - Eu não sou difícil! – resmunguei na defensiva – agora também não sou assim tão fácil… diz-me porque é que achas que eu te estou a enganar?

            Ele suspirou, derrotado.

            - Eu não disse que me estavas a enganar, Nuno. – explicou tornando a encarar-me – o que eu disse foi que tu és extremamente atraente, que és extremamente perturbador e que eu não percebo se estás a fazer de propósito ou se o estás a fazer inconscientemente… seja o que for está a resultar!

            - Oh! – foi a única coisa que consegui pronunciar… acho que nem percebi inteiramente o que me disse, mas soou-me tudo muito bem

            - Portanto não estou a desconfiar de ti, não estou a achar que me estás a enganar, estou simplesmente surpreendido com o efeito que estás a ter em mim… agora entra no raio do carro, ou juro por Deus que não sei o que te faço!

            Agora abri a boca e desta vez nem o ‘oh’ consegui pronunciar. Aquilo estava muito para lá do que eu estava habituado… muuuiiito para lá.

            Abri a porta do carro e sentei-me ao seu lado, apertando o cinto.

            - Eu não estou a fazer teatro. – disse baixinho

            - Também me parece que não. – o seu tom de voz tornou-se doce uma vez mais – o que ainda é mais desconcertante.

            Disse mais qualquer coisa ao ligar o carro, mas muito baixinho também, o rugido do motor abafou completamente. Eu não tive coragem de perguntar o que ele dissera, principalmente porque me pareceu um palavrão.

 

            Levou-me para a praia. Deu uma volta infernal, pelo centro do Meco, via-se logo que só conhecia aquele caminho, mas eu nem comentei nada. Tinha a cabeça a andar à roda, aquilo era tudo muito mais excitante do que eu pudera imaginar… eu devia ser doido, mas a verdade é que gostava quando o Pedro exercia aquele tipo de autoridade sobre mim… habituara-me a isso e, decididamente, ao pé deste tipo o Pedro era um saloio horroroso como homem e um amador como… intimidador-possessivo. Este era fogo a sério e a questão agora era se eu ia acabar por me queimar? Era quase certo…

            - Dois cêntimos pelos teus pensamentos. – ouvi

            A maior parte do caminho fora feita em silêncio, ele entregue aos seus pensamentos, eu entregue aos meus… pelos vistos ele despachara-se primeiro que eu.

            - Tanto? – foi a minha primeira reação antes de conseguir pensar

            Ele riu-se.

            - Abusador… – acusou a sorrir – quanto queres?

            - Quero que me respondas a uma pergunta.

            - Ah, é pago com informação?

            Olhei-o sério e o seu sorriso desapareceu, vi-o franzir o sobrolho.

            - Pergunta!

            - Há bocado estavas a dizer “a minha dúvida…”

            - Não me lembro. – disse pensativo – eu tenho uma série de dúvidas, não estou a ver qual possa ser…

            - Antes de receberes a mensagem deles para jantar… eu perguntei-te se também eras controlador e possessivo e tu disseste que eu nem fazia ideia, mas que a tua dúvida era…

            Ele hesitou por um momento.

            - Já sei, mas não te vou responder a isso agora… respondo-te durante o jantar, pode ser?

            Qual é o teu problema, meu?... mas decidi não me fazer difícil outra vez.

            - Pode. – acabei por dizer – mas não me vou esquecer…

            - Acredito que não… prometo que te explico essa minha dúvida.

            Demos uma volta na rotunda da praia, mas não havia lugar para o carro, tivemos de o deixar no parque.

            Ele parou para pagar e a mulher que estava na cabina a receber o dinheiro abriu os olhos de espanto quando o viu… até recuou quando bateu os olhos nele e precisou de um segundo para recuperar e a sua boca se abrir num enorme sorriso. Tive vontade de rir… sabia muito bem o que ela tinha sentido, muito bem mesmo.

            - Que foi? – perguntou desconfiado quando arrancou novamente depois de pagar – estás a rir de quê?

            - Nada… a mulher ia tendo um colapso quando bateu com os olhos em ti.

            Ele encolheu os ombros, começando a sorrir também.

            - Costumo ter esse efeito em algumas pessoas. – disse com uma expressão matreira de falsa modéstia que me fez rir mais – mas sabes que o embrulho nem sempre corresponde à qualidade do produto… é também por isso que eu te quero conhecer melhor… quero saber se és mais que um menino bonito…

            Fiquei a olhá-lo sem saber o que dizer enquanto ele premia um botão. Ouviu-se um estalo e a mala do carro começou a abrir-se para deixar a capota sair e cobrir-nos.

            - Achas-me bonito?

            - Muito! – admitiu – e muito francamente choca-me pensar que tu não tens verdadeira consciência do quão bonito e perturbador és…

            Fiquei perplexo por um momento… como é que ele dizia estas coisas assim tão descontraidamente?

            - Comparado contigo? – lancei quando consegui recuperar

            - Por exemplo… – mordeu o lábio para não rir – eu tenho perfeitamente consciência que sou atraente para a maior parte das pessoas… fisicamente, pelo menos, a personalidade depois limita um pouco… estou demasiado habituado a reações como a daquela mulher para saber que o primeiro impacto é sempre positivo, mas também estou preparado para que fujam de mim como fizeste hoje… embora, como te disse, nunca tenha acontecido até hoje.

            - Eu não fugi de ti!

            - Ah não? – encolheu os ombros – talvez não…

            - E porque havia de fugir de ti, por seres controlador e possessivo?

            - Sim!

            - E mandão? – acrescentei a sorrir

            - Também! – ele olhou-me, mas não sorriu – pensei que te pudesse ter assustado…

            - Devia ter-me assustado? – franzi o sobrolho também

            - Não. – foi a sua resposta curta, ele começara a falar por monossílabos e surgira-lhe uma sombra no rosto… ficara algo por dizer, mas ele esforçou-se e tornou a sorrir – vamos?

            Ele estava com medo que me assustasse? Parecia…

 

            Eu não estava à espera que ele quisesse àquele restaurante. Podia ser dos melhores restaurantes do Meco, mas era também dos mais caros. Não era para a bolsa de todos. Eu parei, quando percebi para onde ele queria ir.

            - Que foi?

            - Queres jantar aí?

            - Não presta?

            - Não sei, nunca comi aí… é caro!

            Os seus olhos brilharam.

            - Mas afinal és tu que vais pagar o jantar? – perguntou mordendo o lábio, esforçando-se por não se rir

            - Achas? – exclamei – nem sei se tenho dinheiro para uma caipirinha aí!

            - Então se sou eu que pago, sou eu que decido… parece-te justo?

            - Sim, mas…

            - Há outra coisa que tens de perceber sobre mim, Nuno… – aproximou-se de mim – eu não sei como era o teu ex, para além de ser controlador e possessivo… e mandão. – acabou por sorrir – mas eu já te disse que não gosto muito de ser contrariado… não disse?

            - Já vi que não! – respondi com um suspiro

            - Ou estás com medo que te atire à cara que te paguei o jantar?

            - Tu prometeste que nunca mais fazias isso…

            - Então vou perguntar uma última vez… tens alguma coisa contra o restaurante?

            - Para além de ser caro?

            - Sim, para além disso…

            - Não!

            - Então acabou a conversa! – desviou-se e apontou para a porta – à minha frente, se faz favor!

            Comecei a andar e passei por ele sentindo-me a corar.

            - És sempre assim? – perguntei sem olhar para trás

            - Não… – ouvi sentindo que ele estava a sorrir – algumas vezes sou um bocadinho pior…

            - Acredito! – respondi sem parar

            - Não te assusta saber isso?

            - Não sei bem…

            Continuei sem o olhar… abri a porta e entrei na zona do bar. Quando ele parou ao meu lado, foi quando finalmente o fixei… os seus olhos brilhavam como de costume, tentando adivinhar o que eu estava a pensar.

            - Lá fora? – perguntou sem qualquer comentário à minha resposta – e vemos o por do sol?

            - Pode ser…

            Estava algum vento, mas ele tirara dois casacos polares da mala do carro e dera-me um… ainda não era altura para os vestir, mas de certeza que iria acabar por ser necessário.

 

            Ficou a olhar-me uns minutos em silêncio quando nos sentámos.

            - Que foi? – acabei por perguntar sem aguentar mais

            - És surpreendente! – acabou por dizer – acho que és realmente mais que um menino bonito…

            - Eu sou normalíssimo! – argumentei sem perceber o porquê daquilo vindo do senhor ‘eu tenho milhares de gajos atrás de mim’

            - Não, não és Nuno! – afirmou categórico – isso eu te garanto que não és…

            - Não? Então sou anormal?

            - Anormal também não… – mordeu o lábio para não rir abertamente e eu fiquei vidrado na sua expressão – és extra ordinário!

            Fez a separação das palavras com cuidado.

            - Extra ordinário?

            - Sim… queres que te explique…

            Calou-se quando apareceu o empregado para saber o que nós queríamos.

            - Caipirinha? – perguntou-me e como eu assenti, virou-se novamente para o empregado – duas caipirinhas e depois podemos jantar aqui, ou temos de mudar lá para dentro?

            Eu fiquei simplesmente a olha-lo enquanto ele falava com o empregado, explicando o que queria, quando queria e como queria… lá autoritário era ele, mas era tão lindo e tinha tanta pinta… e aquele polo ficava-lhe a matar… e eu gostava de homens assim como ele era, estava visto… ele ser deslumbrante fisicamente era um bónus.

            - Estás com o mesmo olhar da mulher do parque. – sorriu provocador

            Corei imediatamente.

            - Surpreende-te?

            - Não! – respondeu com um sorriso – estou habituado e sei que atraio muitas pessoas… vi o teu olhar quando me cruzei contigo no pinhal e vi o teu olhar quando te beijei!

            - A sério?

            - Porque é que achas que te pisquei o olho?

            - Não sei… porquê?

            - Foi um ‘obrigado… tu também és muito giro’. E porque é que achas que te quis beijar?

            - Porquê?

            - Foi um ‘obrigado’ por me teres levado ao teu sítio secreto.

            Gostei… gostei mesmo, mas senti-me um bocado embaraçado. Não estava mesmo nada habituado a que me dissessem aquelas coisas.

            - Tu estavas para me explicar porque é que eu era extra ordinário. – disse sentindo-me a ferver de satisfação

            - Mas vou-te explicar porque te quero conhecer melhor…

            - Também serve. – respondi fazendo o seu sorriso abrir-se mais

            - Para além de seres um miúdo muito giro?

            - Achas-me giro?

            - Acho… acho mesmo… mas isso não é tão importante como possas pensar… o Ricardo também é giro e não me atrai minimamente… aliás, até acho que é por isso que ele te está a provocar, às vezes parece-me que ele gostava de estar no teu lugar…

            - Qual lugar?

            - Gostava de ter despertado o meu interesse como tu fizeste… de me atrair…

            Por um momento quis-lhe perguntar porque é que dizia aquilo do Ricardo, se ele percebera alguma coisa mais… mas a minha cabeça estava limitada e havia uma pergunta mais urgente…

            - Eu atraio-te? – fiquei sem respirar à espera da sua resposta

            - Pensei que já o tivesses percebido… atrais e muito… as minhas duas facetas…

            - As duas?

            - O meu lado bom e o meu lado mais… perverso…

            Disse aquilo com um ar perfeitamente sério, de olhos fixos nos meus para tentar ver a minha reação, foi a vez de ele ficar suspenso à espera do que eu iria dizer ou fazer.

            - Sim… acho que já vi um bocadinho das duas. – disse calmamente

            Ele agitou-se na cadeira, parecendo momentaneamente desconfortável naquela posição.

            - Já. – confirmou

            - E eu atraio as duas? – sei que fiz um enorme sorriso, nem queria acreditar no que estava a ouvir

            Pareceu descontrair-se um pouco… aquela pergunta devia estar entre as reações positivas.

            - Atrais, muito… gosto do teu estilo, da tua forma de estar…

            - Do meu estilo? – disse eu pensativo – isso é um bocadinho vago…

            Ele sorriu outra vez… eu tinha o seu sorriso lindo outra vez. Nem queria acreditar que ele estivera a stressar por minha causa, nunca ninguém tinha stressado por minha causa.

            - Queres que eu seja mais específico? – o seu sorriso tornou-se mais provocador quando eu acenei com a cabeça – deixa-me ver se consigo… eu gosto muito que sejas um doce, como o Paulo diz… e como geralmente és, simpático, delicado, cheio de humor, mas que tem um lado selvagem que responde quando provocado… um cavalo bravo, que é dócil quando é bem tratado, mas que se empina e dá luta quando o provocam…

            Dasss… um cavalo?... eu juro que estava a adorar cada uma das suas palavras até à parte do cavalo.

            - Já me chamaram muita coisa… cavalo foi a primeira vez! – lancei um bocado abespinhado

            Ele soltou uma enorme gargalhada.

            - É uma metáfora, Nuno! Não me passou pela cabeça ofender-te, que nem penses nisso, sequer… eu não gosto de humilhação! Já te disse isso.

            - Um cavalo bravo, hã?

            Eu não conseguia ofender-me com ele, a sua gargalhada era fantástica e adorava aquela sua expressão de riso mal contido… acabei a sorrir também, acho até que gostei da metáfora.

            - Selvagem! – continuou a sorrir

            - Achas que sou selvagem?

            - Acho que sim… às vezes pareces… é isso que quero descobrir, se és mesmo um doce com um lado selvagem. – ele mordia o lábio para não rir abertamente

            O empregado chegou com as caipirinhas e eu tive tempo de pensar numa resposta à altura… eu também sabia provocar quando me concentrava, o problema era ser muito difícil concentrar-me com ele à minha frente, a olhar-me assim.

            Quando o empregado se afastou ainda brinquei um pouco com as palhinhas, mas depois debrucei-me sobre a mesa para o fixar nos olhos.

            - Isso quer dizer que me queres domesticar?

            Os seus olhos abriram-se mais e as suas sobrancelhas ergueram-se numa surpresa flagrante. O meu comentário fora inesperado e apanhara-o desprevenido. Os seus olhos brilharam por um segundo antes do seu sorriso se tornar a abrir, desta vez enigmático.

            - Sou capaz de gostar de tentar, sim… – foi a sua resposta

            - E achas que consegues?

            Tinha o coração a querer saltar-me do peito.

            - Acho! – foi a resposta dele acompanhando o brilho divertido dos seus olhos – principalmente se gostares mesmo de levar umas palmadas…

            O sorriso desapareceu-me imediatamente dos lábios e a minha boca abriu-se.

            Wow!… aquele comentário não estava previsto.

            Subitamente senti a garganta seca e o único consolo que tive foi que o sorriso dele lhe desapareceu também. A história do ‘spanking’ que lera na net.

            - Agora assustei-te mesmo… – comentou com uma expressão estranha

            Ficámos mais de um minuto a olhar-nos mutuamente em silêncio. Eu não sabia bem o que dizer. Não eram as palmadas, era o que poderia vir a seguir. Havia o levar umas palmadas e o levar umas palmadas… mas não queria perguntar-lhe mais. Por outro lado o seu olhar intenso sobre mim estava a deixar-me outra vez com a cabeça a andar à roda e a tristeza nos seus olhos estava a deixar-me… triste também.

            - É uma pena. – acabou por dizer

            - O quê?

            - Que te tenhas assustado.

            Não me assustaste!... pensei logo… acho eu…

            Eu olhei-o mais um momento, mas voltei a fixar o horizonte. O sol estava a pôr-se e eu fiquei à espera que desaparecesse. O DJ, acho que em homenagem ao por do sol, colocou um das minhas músicas favoritas… ‘If I loose myself’, dos ‘One Republic’… reconheci-a aos primeiros acordes.

            - Ouve esta música! – disse-lhe

            Não olhei para ele, mas mantive-me atento e percebi que estava a ouvir com cuidado, vi-o endireitar-se no refrão… ‘If I loose myself tonight, it will be by your side’.

As pessoas na praia estavam todas a dançar aos pulos, acenando ao sol, despedindo-se, o final da música a tocar alto, a batida era fantástica, o sol a desaparecer… o ambiente tornou-se eletrizante, contagiante… toda a gente a vibrar com o momento, só nós dois estávamos sentados quietos, ambos com as cadeiras de lado a olhar para o mar, sem dizer uma palavra, sem mover um dedo, em absoluto silêncio. Eu tive tempo para pensar e tive tempo para decidir o que fazer. Posso não ser inteligente, não ser culto, mas tenho alguma experiência e sabia o que fazer para lutar por um homem, fazia-o todos os dias há anos com o Pedro… tinha perdido, mas sabia marcar posição. Sentia o olhar do Duarte sobre mim, quis tanto que ele percebesse a mensagem.

            Quando a música acabou olhei-o nos olhos… achei que ele tinha percebido a canção, os seus olhos brilhavam. Parecia ansioso, curioso, estava expectante. A caipirinha bem abaixo da metade ajudou-me a tomar uma decisão… eu sabia que o queria, desejava-o desde que lhe pusera a vista em cima e ele já o sabia perfeitamente, estava habituado a isso… já percebera o efeito que tinha em mim, estava farto de o perceber, por isso o que é que eu tinha a perder? Que se fodesse isto tudo… até agora não me fizera nada, nem me prometera nada que eu não conhecesse já… seria mais do mesmo, mas eu pelo menos saberia com o que contar, eu até gostava, estava mais que habituado… o resto aprenderia como aprendera até agora.

            - Eu não tenho medo de ti… – disse-lhe com toda a calma – e não me assusto facilmente.

            Ele recuou na cadeira, inspirando profundamente… quase pareceu que estava a sorver as minhas palavras. Tive impacto nele, percebi perfeitamente que tive, os seus olhos faiscaram e pareceram devorar-me durante segundos, estavam em chamas.

            - Decididamente não tens nada de normal, Nuno! – disse num tom que parecia que estava a falar mais para si próprio que para mim

            - Sou extra ordinário! – sorri-lhe

            - És surpreendente!

            Senti-me super bem. Tive vontade de bater palmas com a expressão que lhe via no rosto.

            - Surpreendi-te?

            - O que te parece?

            - Continuas interessado em conhecer-me?

            - Mais do que nunca… o dia de hoje foi o mais surpreendente e inesperado que eu tive nos últimos meses!

            - Por minha causa? – ri deliciado

            - Sim, por tua causa… e posso dizer-te outra coisa, não sei o que se passou com o teu ex, mas neste momento estou perfeitamente convencido que ele cometeu um erro enorme e que foi ele que saiu a perder com o fim da vossa relação.

            Foi a minha vez de inspirar as suas palavras… caramba, ele dizia cada coisa, e dizia-as de uma maneira…

            - Porque é que achas isso?

            - Porque estou mesmo convencido que és um miúdo muito especial e acho muito estranho que ele te tenha trocado por quem quer que seja! – foi categórico nas suas palavras

            - Ele não gosta de homens… quer dizer, gosta de estar com homens, mas não era o que ele queria mesmo a sério, isto tudo já estava condenado à partida, acho eu… custou-me muito, mas eu já sabia que isto ia acabar por acontecer.

            - Sempre soubeste?

            - Acho que sim, só não queria acreditar…

            - Estás apaixonado por ele? – o seu olhar gelou por um momento

            - Não sei. – respondi sinceramente – não sei mesmo, nem sei se alguma vez estive. – encolhi os ombros – simplesmente foi o único homem que tive, ele nunca me deixou… quer dizer, a única outra experiência que tive foi com o Chico e quando ele descobriu foi o inferno…

            - Bom, nisso consigo compreende-lo perfeitamente, o sentimento de posse é uma coisa que eu conheço bem.

            - Já percebi. – sorri acabando a caipirinha – controlador, possessivo, mandão… sei muito bem o que isso é, não é nada novo, nem estranho, nem surpreendente… nem mete medo…

            - Eu percebi isso nalgumas reações tuas…

            - A sério?

            - Reações automáticas que tens, apesar de dar para ver que não tiveste treino formal…

            Vi perfeitamente que ele se arrependera imediatamente do que dissera.

            - Treino formal?

            - Tens fome? – perguntou voltando-se para trás à procura do empregado para lhe acenar – vamos jantar!

            Fiquei a olhá-lo em silêncio. Ele estava a fugir ao assunto, estava a disfarçar, estava a mudar de tema. Não sei se foi do álcool, se do que foi, mas aquilo magoou-me… eu não estou habituado a beber muito e nunca fui muito de aguentar a bebida, mas fiquei triste, fiquei mesmo… era a segunda vez que ele não me respondia e desviava o assunto, porque é que ele não dizia as coisas frontalmente quando era este assunto?

            - Não precisas fazer isso.

            - O quê? – retraiu-se

            - Se não me queres responder, não respondas, mas não desvies o assunto porque não me consegues enganar, nem distrair, diz-me simplesmente que não queres falar nisso… eu estive demasiado tempo com um homem assim para aguentar bem sem explicações… a isso estou habituado…

            - Certo. – respondeu pensativo

            - Eu sei o que é ser controlado! – continuei – sei bem o que é ser considerado uma espécie de propriedade, não poder sair com ninguém ou falar com ninguém… sei também calar-me e aguentar a frustração de não saber das coisas… sei muito bem o que é comer e calar! – foi a primeira vez que o vi perder a confiança e engolir em seco

            - Entendo. – os seus olhos brilhavam – mas tu não paras de me surpreender?

            - Não sei… agora sei bem o que tu és, Duarte, podes não querer dizer porque… não sei porquê, mas sei usar o Google… eu sei bem o que é treino formal e sei ainda melhor o que é ser dominado! – calei-me finalmente, dissera a palavra como deve ser e no contexto certo, a sério… vira a sua reação e não sabia o que dizer mais… pelo menos tinha cuspido tudo, agora só sabia que tinha de sair dali e rapidamente, levantei-me – vou lavar as mãos para o jantar.

            Ele estava de cara à banda, estava mesmo.

            - Nuno…

            - Não senhor, não vou fugir! – interrompi-o usando a expressão que vira na net e de que ele gostava – vou só lavar as mãos…

            Afastei-me deixando-o literalmente de boca aberta.

 

            Eu não conseguia perceber porque é que estava triste, devia ser por não estar habituado a ser tratado como uma criança, era mais ou menos isso. Nisso o Pedro podia ter muitos defeitos, e eu podia enumera-los a todos, mas sempre fora perfeitamente franco comigo, com ele sempre fora tudo ‘preto no branco’, nunca desviara assuntos, nunca deixara nada por dizer a não ser que me respondesse ‘não tens nada com isso, acabou o assunto’. Eu podia espernear, suplicar, mas nunca me tratara como uma criança que não aguenta, ou um ‘atrasadinho’ que não conseguia compreender nada… nunca desviara o assunto, nunca disfarçara e nunca me passara um atestado de estupidez… acho que foi isso que me magoou.

            Tive de sorrir ao lembrar-me do Duarte de olhos esbugalhados a olhar para mim quando eu dissera ‘não senhor’. Sabia que ele gostava, o Pedro não era bem assim, era simplesmente bruto e abusador, não passava disso, acho que nem sabia que aquela forma de tratamento existia. O Duarte sabia, tinha-mo dito ontem, tinha-mo pedido hoje, era assim que ele era e surpreendera-o ao dizer-lhe aquilo… não o facto de o ouvir, mas eu tê-lo dito assim, sem problemas; não tinha duvida nenhuma que fora isso.

            O que eu não percebia era porque é que ele não me queria dizer as coisas como deve ser, o porquê daquilo tudo, de tanta renitência, eu estava careca de perceber… as ordens, o ser possessivo, o ser controlador, a história das palmadas e agora a história do treino… eu tinha acabado de ler sobre isso… e ele tinha-o dito, porra. Se calhar pensava que eu não sabia as verdadeiras implicações disso, ou então tinha realmente medo que eu me assustasse.

            Mas também… a ideia ocorreu-me de repente… conhecêramo-nos há pouco mais de 24 horas… seria isso? Estaria a querer levar as coisas com calma? Se calhar achava que eu era algum inocente que… tive de me rir, eu já não era inocente há tanto tempo. Se calhar a paranoia dele com o assustar-me… ele podia estar com medo de estar a andar depressa demais. Ele tinha dito que estava interessado em mim, que eu o atraía, que me queria conhecer melhor, que me queria só para ele… tinha dito isso tudo… e até me tinha beijado… era isso, era eu que estava a andar depressa demais, a ser impaciente… mas foda-se, eu queria-o tanto… oh, merda!

            Eu era capaz de ter calma, de ser paciente e de ser submisso… o dominador era ele, portanto ele mandava e eu obedecia, aprenderia as coisas ao ritmo que ele determinasse.

            A ideia dele estar com medo de ir depressa demais e me assustar tranquilizou-me… achei que era isso… senti-me mais calmo e menos stressado porque percebi que o problema não estava a ser ele, estava a ser eu… eu é que estava a ser impaciente e a pressiona-lo… a net dissera que não podia haver pressões neste tipo de relação. Eu já lhe dera todas as indicações que ele precisava ter, já lhe dissera que estava habituado a um controlador possessivo, estava habituado a ser dominado, a… tudo… agora iria mostrar-lhe que também sabia manter a boca calada e só falar quando me dirigissem a palavra como lera… era verdade que já o enfrentara mais que uma vez, mas isso eu sempre fizera com o Pedro e iria fazer com todos… ele dissera que gostava desse meu lado selvagem, agora iria mostrar que era capaz de ser mesmo obediente e dócil… e queria mesmo sê-lo com ele.

            Está decidido!

Parte 8

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