7
Ele
olhou para o relógio assim que me viu aparecer… sorria enquanto me aproximava,
mas o seu sorriso esmoreceu consoante fui avançando para ele. Eu achava que
estava bem, mas a sua expressão provou-mo. Os seus olhos percorreram-me de cima
abaixo, avidamente e tive de fazer um grande esforço para mão sorrir demais…
-
Nuno! – exclamou – tu estás…
Calou-se
e eu tive vontade de bater palmas.
-
Estou bem? – acho que consegui dar um tom modesto à minha pergunta, pelo menos
tentei porque ter um gajo daqueles a olhar para mim com aquela cara pôs-me o
ego em órbita
-
Estás, Nuno, estás muito bem.
-
A sério? – escancarei a cara num sorriso de orelha a orelha
-
Porquê o espanto? – ele sorriu também, recuperado – deves saber bem que és
muito atraente…
-
Eu?!
Sobressaltei-me.
Aquilo estaria mesmo a acontecer? O tipo mais giro que eu vira na vida, e que
me deixava abismado, estava mesmo a dizer que eu era muito atraente?
-
Será possível? – questionou-se com uma expressão de surpresa no rosto
-
O quê? – perguntei sem perceber
Ele
pareceu confuso e hesitou um momento antes de responder.
-
Que não tenhas consciência que, além de seres um miúdo lindo, és também
extremamente atraente.
-
Eu?! – repeti tão espantado que nem consegui reagir bem ao elogio… o senhor
‘toda a gente cai aos meus pés’ estava dizer que eu era extremamente atraente? Um
de nós devia estar a alucinar… ou ele, ou eu.
-
Não tens mesmo consciência disso, pois não!? – parecia incrédulo
Nem
consegui perceber bem se aquilo era mesmo uma pergunta ou se ele estava a
pensar alto. Senti-me repentinamente ansioso, parecia tudo bom demais para ser
verdade.
-
Tu achas mesmo isso?
-
Acho! – foi a resposta simples – acho mesmo… vamos jantar?
Levantou-se.
-
Eu não tenho dinheiro. – tornei a avisar
-
Outra vez? – exclamou com os olhos a dançar de riso – tens algum restaurante
favorito?
-
Não! – respondi estremecendo ao vê-lo aproximar-se de mim
-
Então posso eu escolher. – senti o seu hálito doce na minha cara – eu prefiro
assim… vamos? – apontou para o carro, fazendo sinal para eu avançar à sua
frente
-
Eu achei que preferisses. – sorri fazendo o que ele mandara… és o Sr. ‘Mandão, sou eu que decido e
controlo todos os momentos do teu dia’, já te estou a tirar a pinta…
Dei
apenas alguns passos até perceber que ele não me seguira. Olhei para trás,
espantado e percebi o seu olhar fixo nas minhas calças. Agora virara-me e ele
já não o podia ver, mas percebi que o seu olhar estivera fixado no rasgão da
perna ao pé do traseiro… senti imediatamente o coração aos pulos. Bingo!
-
Que foi? – perguntei
-
Nada! – sacudiu a cabeça avançando para me alcançar – és muito perturbador, só
isso…
-
Eu? – estremeci de excitação
-
Sim, Nuno, tu… só preciso descobrir se tens plena consciência disso e estás a
fazer teatro, ou se é uma coisa natural em ti…
Ele
entrou no carro e sentou-se com imenso estilo e uma confiança de quem estava
habituado. Por mim fiquei com a mão na porta, sem a abrir, olhando-o por cima
dos vidros fechados.
-
Vais entrar no carro ou estás à espera que eu te vá abrir a porta? – perguntou
de sobrolho franzido – eu costumo fazer isso a algumas senhoras, mas confesso
que nunca o fiz com homens…
-
Porque é que achas que eu estou a fazer teatro? – aquilo estava-me a martelar
no cérebro – o que é que isso quer dizer?
-
Entra no carro, Nuno! – ordenou impaciente – se me fizeres sair, garanto-te que
não vais gostar…
Habitualmente
aquilo tinha-me feito decidir a entrar, principalmente depois de tudo o que
tinha lido, mas não sei o que me passou pela cabeça, em vez do fazer, larguei a
porta e cruzei os braços, desafiador.
-
Eu já não estou a gostar agora… o que queres dizer com eu estar a fazer teatro?
– perguntei de sobrolho franzido – achas que te estou a enganar?
-
Porque é que tens de ser tão difícil? – olhou-me frustrado
-
Eu não sou difícil! – resmunguei na defensiva – agora também não sou assim tão
fácil… diz-me porque é que achas que eu te estou a enganar?
Ele
suspirou, derrotado.
-
Eu não disse que me estavas a enganar, Nuno. – explicou tornando a encarar-me –
o que eu disse foi que tu és extremamente atraente, que és extremamente
perturbador e que eu não percebo se estás a fazer de propósito ou se o estás a
fazer inconscientemente… seja o que for está a resultar!
-
Oh! – foi a única coisa que consegui pronunciar… acho que nem percebi inteiramente
o que me disse, mas soou-me tudo muito bem
-
Portanto não estou a desconfiar de ti, não estou a achar que me estás a
enganar, estou simplesmente surpreendido com o efeito que estás a ter em mim…
agora entra no raio do carro, ou juro por Deus que não sei o que te faço!
Agora
abri a boca e desta vez nem o ‘oh’ consegui pronunciar. Aquilo estava muito
para lá do que eu estava habituado… muuuiiito para lá.
Abri
a porta do carro e sentei-me ao seu lado, apertando o cinto.
-
Eu não estou a fazer teatro. – disse baixinho
-
Também me parece que não. – o seu tom de voz tornou-se doce uma vez mais – o
que ainda é mais desconcertante.
Disse
mais qualquer coisa ao ligar o carro, mas muito baixinho também, o rugido do
motor abafou completamente. Eu não tive coragem de perguntar o que ele dissera,
principalmente porque me pareceu um palavrão.
Levou-me
para a praia. Deu uma volta infernal, pelo centro do Meco, via-se logo que só
conhecia aquele caminho, mas eu nem comentei nada. Tinha a cabeça a andar à
roda, aquilo era tudo muito mais excitante do que eu pudera imaginar… eu devia
ser doido, mas a verdade é que gostava quando o Pedro exercia aquele tipo de autoridade
sobre mim… habituara-me a isso e, decididamente, ao pé deste tipo o Pedro era
um saloio horroroso como homem e um amador como… intimidador-possessivo. Este
era fogo a sério e a questão agora era se eu ia acabar por me queimar? Era
quase certo…
-
Dois cêntimos pelos teus pensamentos. – ouvi
A
maior parte do caminho fora feita em silêncio, ele entregue aos seus
pensamentos, eu entregue aos meus… pelos vistos ele despachara-se primeiro que
eu.
-
Tanto? – foi a minha primeira reação antes de conseguir pensar
Ele
riu-se.
-
Abusador… – acusou a sorrir – quanto queres?
-
Quero que me respondas a uma pergunta.
-
Ah, é pago com informação?
Olhei-o
sério e o seu sorriso desapareceu, vi-o franzir o sobrolho.
-
Pergunta!
-
Há bocado estavas a dizer “a minha dúvida…”
-
Não me lembro. – disse pensativo – eu tenho uma série de dúvidas, não estou a
ver qual possa ser…
-
Antes de receberes a mensagem deles para jantar… eu perguntei-te se também eras
controlador e possessivo e tu disseste que eu nem fazia ideia, mas que a tua
dúvida era…
Ele
hesitou por um momento.
-
Já sei, mas não te vou responder a isso agora… respondo-te durante o jantar,
pode ser?
Qual é o teu problema, meu?... mas decidi não me fazer difícil outra
vez.
-
Pode. – acabei por dizer – mas não me vou esquecer…
-
Acredito que não… prometo que te explico essa minha dúvida.
Demos
uma volta na rotunda da praia, mas não havia lugar para o carro, tivemos de o
deixar no parque.
Ele
parou para pagar e a mulher que estava na cabina a receber o dinheiro abriu os
olhos de espanto quando o viu… até recuou quando bateu os olhos nele e precisou
de um segundo para recuperar e a sua boca se abrir num enorme sorriso. Tive
vontade de rir… sabia muito bem o que ela tinha sentido, muito bem mesmo.
-
Que foi? – perguntou desconfiado quando arrancou novamente depois de pagar –
estás a rir de quê?
-
Nada… a mulher ia tendo um colapso quando bateu com os olhos em ti.
Ele
encolheu os ombros, começando a sorrir também.
-
Costumo ter esse efeito em algumas pessoas. – disse com uma expressão matreira
de falsa modéstia que me fez rir mais – mas sabes que o embrulho nem sempre
corresponde à qualidade do produto… é também por isso que eu te quero conhecer
melhor… quero saber se és mais que um menino bonito…
Fiquei
a olhá-lo sem saber o que dizer enquanto ele premia um botão. Ouviu-se um
estalo e a mala do carro começou a abrir-se para deixar a capota sair e
cobrir-nos.
-
Achas-me bonito?
-
Muito! – admitiu – e muito francamente choca-me pensar que tu não tens
verdadeira consciência do quão bonito e perturbador és…
Fiquei
perplexo por um momento… como é que ele dizia estas coisas assim tão
descontraidamente?
-
Comparado contigo? – lancei quando consegui recuperar
-
Por exemplo… – mordeu o lábio para não rir – eu tenho perfeitamente consciência
que sou atraente para a maior parte das pessoas… fisicamente, pelo menos, a
personalidade depois limita um pouco… estou demasiado habituado a reações como
a daquela mulher para saber que o primeiro impacto é sempre positivo, mas
também estou preparado para que fujam de mim como fizeste hoje… embora, como te
disse, nunca tenha acontecido até hoje.
-
Eu não fugi de ti!
-
Ah não? – encolheu os ombros – talvez não…
-
E porque havia de fugir de ti, por seres controlador e possessivo?
-
Sim!
-
E mandão? – acrescentei a sorrir
-
Também! – ele olhou-me, mas não sorriu – pensei que te pudesse ter assustado…
-
Devia ter-me assustado? – franzi o sobrolho também
-
Não. – foi a sua resposta curta, ele começara a falar por monossílabos e
surgira-lhe uma sombra no rosto… ficara algo por dizer, mas ele esforçou-se e tornou
a sorrir – vamos?
Ele
estava com medo que me assustasse? Parecia…
Eu
não estava à espera que ele quisesse àquele restaurante. Podia ser dos melhores
restaurantes do Meco, mas era também dos mais caros. Não era para a bolsa de
todos. Eu parei, quando percebi para onde ele queria ir.
-
Que foi?
-
Queres jantar aí?
-
Não presta?
-
Não sei, nunca comi aí… é caro!
Os
seus olhos brilharam.
-
Mas afinal és tu que vais pagar o jantar? – perguntou mordendo o lábio, esforçando-se
por não se rir
-
Achas? – exclamei – nem sei se tenho dinheiro para uma caipirinha aí!
-
Então se sou eu que pago, sou eu que decido… parece-te justo?
-
Sim, mas…
-
Há outra coisa que tens de perceber sobre mim, Nuno… – aproximou-se de mim – eu
não sei como era o teu ex, para além de ser controlador e possessivo… e mandão.
– acabou por sorrir – mas eu já te disse que não gosto muito de ser
contrariado… não disse?
-
Já vi que não! – respondi com um suspiro
-
Ou estás com medo que te atire à cara que te paguei o jantar?
-
Tu prometeste que nunca mais fazias isso…
-
Então vou perguntar uma última vez… tens alguma coisa contra o restaurante?
-
Para além de ser caro?
-
Sim, para além disso…
-
Não!
-
Então acabou a conversa! – desviou-se e apontou para a porta – à minha frente, se
faz favor!
Comecei
a andar e passei por ele sentindo-me a corar.
-
És sempre assim? – perguntei sem olhar para trás
-
Não… – ouvi sentindo que ele estava a sorrir – algumas vezes sou um bocadinho
pior…
-
Acredito! – respondi sem parar
-
Não te assusta saber isso?
-
Não sei bem…
Continuei
sem o olhar… abri a porta e entrei na zona do bar. Quando ele parou ao meu
lado, foi quando finalmente o fixei… os seus olhos brilhavam como de costume,
tentando adivinhar o que eu estava a pensar.
-
Lá fora? – perguntou sem qualquer comentário à minha resposta – e vemos o por
do sol?
-
Pode ser…
Estava
algum vento, mas ele tirara dois casacos polares da mala do carro e dera-me um…
ainda não era altura para os vestir, mas de certeza que iria acabar por ser
necessário.
Ficou
a olhar-me uns minutos em silêncio quando nos sentámos.
-
Que foi? – acabei por perguntar sem aguentar mais
-
És surpreendente! – acabou por dizer – acho que és realmente mais que um menino
bonito…
-
Eu sou normalíssimo! – argumentei sem perceber o porquê daquilo vindo do senhor
‘eu tenho milhares de gajos atrás de mim’
-
Não, não és Nuno! – afirmou categórico – isso eu te garanto que não és…
-
Não? Então sou anormal?
-
Anormal também não… – mordeu o lábio para não rir abertamente e eu fiquei
vidrado na sua expressão – és extra ordinário!
Fez
a separação das palavras com cuidado.
-
Extra ordinário?
-
Sim… queres que te explique…
Calou-se
quando apareceu o empregado para saber o que nós queríamos.
-
Caipirinha? – perguntou-me e como eu assenti, virou-se novamente para o
empregado – duas caipirinhas e depois podemos jantar aqui, ou temos de mudar lá
para dentro?
Eu
fiquei simplesmente a olha-lo enquanto ele falava com o empregado, explicando o
que queria, quando queria e como queria… lá autoritário era ele, mas era tão
lindo e tinha tanta pinta… e aquele polo ficava-lhe a matar… e eu gostava de
homens assim como ele era, estava visto… ele ser deslumbrante fisicamente era
um bónus.
-
Estás com o mesmo olhar da mulher do parque. – sorriu provocador
Corei
imediatamente.
-
Surpreende-te?
-
Não! – respondeu com um sorriso – estou habituado e sei que atraio muitas
pessoas… vi o teu olhar quando me cruzei contigo no pinhal e vi o teu olhar
quando te beijei!
-
A sério?
-
Porque é que achas que te pisquei o olho?
-
Não sei… porquê?
-
Foi um ‘obrigado… tu também és muito giro’. E porque é que achas que te quis
beijar?
-
Porquê?
-
Foi um ‘obrigado’ por me teres levado ao teu sítio secreto.
Gostei…
gostei mesmo, mas senti-me um bocado embaraçado. Não estava mesmo nada habituado
a que me dissessem aquelas coisas.
-
Tu estavas para me explicar porque é que eu era extra ordinário. – disse
sentindo-me a ferver de satisfação
-
Mas vou-te explicar porque te quero conhecer melhor…
-
Também serve. – respondi fazendo o seu sorriso abrir-se mais
-
Para além de seres um miúdo muito giro?
-
Achas-me giro?
-
Acho… acho mesmo… mas isso não é tão importante como possas pensar… o Ricardo
também é giro e não me atrai minimamente… aliás, até acho que é por isso que
ele te está a provocar, às vezes parece-me que ele gostava de estar no teu
lugar…
-
Qual lugar?
-
Gostava de ter despertado o meu interesse como tu fizeste… de me atrair…
Por
um momento quis-lhe perguntar porque é que dizia aquilo do Ricardo, se ele
percebera alguma coisa mais… mas a minha cabeça estava limitada e havia uma
pergunta mais urgente…
-
Eu atraio-te? – fiquei sem respirar à espera da sua resposta
-
Pensei que já o tivesses percebido… atrais e muito… as minhas duas facetas…
-
As duas?
-
O meu lado bom e o meu lado mais… perverso…
Disse
aquilo com um ar perfeitamente sério, de olhos fixos nos meus para tentar ver a
minha reação, foi a vez de ele ficar suspenso à espera do que eu iria dizer ou
fazer.
-
Sim… acho que já vi um bocadinho das duas. – disse calmamente
Ele
agitou-se na cadeira, parecendo momentaneamente desconfortável naquela posição.
-
Já. – confirmou
-
E eu atraio as duas? – sei que fiz um enorme sorriso, nem queria acreditar no
que estava a ouvir
Pareceu
descontrair-se um pouco… aquela pergunta devia estar entre as reações
positivas.
-
Atrais, muito… gosto do teu estilo, da tua forma de estar…
-
Do meu estilo? – disse eu pensativo – isso é um bocadinho vago…
Ele
sorriu outra vez… eu tinha o seu sorriso lindo outra vez. Nem queria acreditar
que ele estivera a stressar por minha causa, nunca ninguém tinha stressado por
minha causa.
-
Queres que eu seja mais específico? – o seu sorriso tornou-se mais provocador
quando eu acenei com a cabeça – deixa-me ver se consigo… eu gosto muito que
sejas um doce, como o Paulo diz… e como geralmente és, simpático, delicado, cheio
de humor, mas que tem um lado selvagem que responde quando provocado… um cavalo
bravo, que é dócil quando é bem tratado, mas que se empina e dá luta quando o
provocam…
Dasss… um cavalo?... eu juro que estava a adorar cada uma
das suas palavras até à parte do cavalo.
-
Já me chamaram muita coisa… cavalo foi a primeira vez! – lancei um bocado
abespinhado
Ele
soltou uma enorme gargalhada.
-
É uma metáfora, Nuno! Não me passou pela cabeça ofender-te, que nem penses
nisso, sequer… eu não gosto de humilhação! Já te disse isso.
-
Um cavalo bravo, hã?
Eu
não conseguia ofender-me com ele, a sua gargalhada era fantástica e adorava
aquela sua expressão de riso mal contido… acabei a sorrir também, acho até que
gostei da metáfora.
-
Selvagem! – continuou a sorrir
-
Achas que sou selvagem?
-
Acho que sim… às vezes pareces… é isso que quero descobrir, se és mesmo um doce
com um lado selvagem. – ele mordia o lábio para não rir abertamente
O
empregado chegou com as caipirinhas e eu tive tempo de pensar numa resposta à
altura… eu também sabia provocar quando me concentrava, o problema era ser
muito difícil concentrar-me com ele à minha frente, a olhar-me assim.
Quando
o empregado se afastou ainda brinquei um pouco com as palhinhas, mas depois
debrucei-me sobre a mesa para o fixar nos olhos.
-
Isso quer dizer que me queres domesticar?
Os
seus olhos abriram-se mais e as suas sobrancelhas ergueram-se numa surpresa
flagrante. O meu comentário fora inesperado e apanhara-o desprevenido. Os seus
olhos brilharam por um segundo antes do seu sorriso se tornar a abrir, desta
vez enigmático.
-
Sou capaz de gostar de tentar, sim… – foi a sua resposta
-
E achas que consegues?
Tinha
o coração a querer saltar-me do peito.
-
Acho! – foi a resposta dele acompanhando o brilho divertido dos seus olhos –
principalmente se gostares mesmo de levar umas palmadas…
O
sorriso desapareceu-me imediatamente dos lábios e a minha boca abriu-se.
Wow!… aquele comentário não estava
previsto.
Subitamente
senti a garganta seca e o único consolo que tive foi que o sorriso dele lhe
desapareceu também. A história do ‘spanking’ que lera na net.
-
Agora assustei-te mesmo… – comentou com uma expressão estranha
Ficámos
mais de um minuto a olhar-nos mutuamente em silêncio. Eu não sabia bem o que
dizer. Não eram as palmadas, era o que poderia vir a seguir. Havia o levar umas
palmadas e o levar umas palmadas… mas não queria perguntar-lhe mais. Por outro
lado o seu olhar intenso sobre mim estava a deixar-me outra vez com a cabeça a
andar à roda e a tristeza nos seus olhos estava a deixar-me… triste também.
-
É uma pena. – acabou por dizer
-
O quê?
-
Que te tenhas assustado.
Não me assustaste!... pensei logo… acho eu…
Eu
olhei-o mais um momento, mas voltei a fixar o horizonte. O sol estava a pôr-se
e eu fiquei à espera que desaparecesse. O DJ, acho que em homenagem ao por do
sol, colocou um das minhas músicas favoritas… ‘If I loose myself’, dos ‘One
Republic’… reconheci-a aos primeiros acordes.
-
Ouve esta música! – disse-lhe
Não
olhei para ele, mas mantive-me atento e percebi que estava a ouvir com cuidado,
vi-o endireitar-se no refrão… ‘If I loose myself tonight, it will be by your side’.
As pessoas na praia
estavam todas a dançar aos pulos, acenando ao sol, despedindo-se, o final da
música a tocar alto, a batida era fantástica, o sol a desaparecer… o ambiente tornou-se
eletrizante, contagiante… toda a gente a vibrar com o momento, só nós dois
estávamos sentados quietos, ambos com as cadeiras de lado a olhar para o mar,
sem dizer uma palavra, sem mover um dedo, em absoluto silêncio. Eu tive tempo
para pensar e tive tempo para decidir o que fazer. Posso não ser inteligente,
não ser culto, mas tenho alguma experiência e sabia o que fazer para lutar por
um homem, fazia-o todos os dias há anos com o Pedro… tinha perdido, mas sabia
marcar posição. Sentia o olhar do Duarte sobre mim, quis tanto que ele percebesse
a mensagem.
Quando
a música acabou olhei-o nos olhos… achei que ele tinha percebido a canção, os
seus olhos brilhavam. Parecia ansioso, curioso, estava expectante. A caipirinha
bem abaixo da metade ajudou-me a tomar uma decisão… eu sabia que o queria,
desejava-o desde que lhe pusera a vista em cima e ele já o sabia perfeitamente,
estava habituado a isso… já percebera o efeito que tinha em mim, estava farto
de o perceber, por isso o que é que eu tinha a perder? Que se fodesse isto
tudo… até agora não me fizera nada, nem me prometera nada que eu não conhecesse
já… seria mais do mesmo, mas eu pelo menos saberia com o que contar, eu até
gostava, estava mais que habituado… o resto aprenderia como aprendera até
agora.
-
Eu não tenho medo de ti… – disse-lhe com toda a calma – e não me assusto
facilmente.
Ele
recuou na cadeira, inspirando profundamente… quase pareceu que estava a sorver
as minhas palavras. Tive impacto nele, percebi perfeitamente que tive, os seus
olhos faiscaram e pareceram devorar-me durante segundos, estavam em chamas.
-
Decididamente não tens nada de normal, Nuno! – disse num tom que parecia que
estava a falar mais para si próprio que para mim
-
Sou extra ordinário! – sorri-lhe
-
És surpreendente!
Senti-me
super bem. Tive vontade de bater palmas com a expressão que lhe via no rosto.
-
Surpreendi-te?
-
O que te parece?
-
Continuas interessado em conhecer-me?
-
Mais do que nunca… o dia de hoje foi o mais surpreendente e inesperado que eu
tive nos últimos meses!
-
Por minha causa? – ri deliciado
-
Sim, por tua causa… e posso dizer-te outra coisa, não sei o que se passou com o
teu ex, mas neste momento estou perfeitamente convencido que ele cometeu um
erro enorme e que foi ele que saiu a perder com o fim da vossa relação.
Foi
a minha vez de inspirar as suas palavras… caramba, ele dizia cada coisa, e
dizia-as de uma maneira…
-
Porque é que achas isso?
-
Porque estou mesmo convencido que és um miúdo muito especial e acho muito
estranho que ele te tenha trocado por quem quer que seja! – foi categórico nas
suas palavras
-
Ele não gosta de homens… quer dizer, gosta de estar com homens, mas não era o
que ele queria mesmo a sério, isto tudo já estava condenado à partida, acho eu…
custou-me muito, mas eu já sabia que isto ia acabar por acontecer.
-
Sempre soubeste?
-
Acho que sim, só não queria acreditar…
-
Estás apaixonado por ele? – o seu olhar gelou por um momento
-
Não sei. – respondi sinceramente – não sei mesmo, nem sei se alguma vez estive.
– encolhi os ombros – simplesmente foi o único homem que tive, ele nunca me
deixou… quer dizer, a única outra experiência que tive foi com o Chico e quando
ele descobriu foi o inferno…
-
Bom, nisso consigo compreende-lo perfeitamente, o sentimento de posse é uma
coisa que eu conheço bem.
-
Já percebi. – sorri acabando a caipirinha – controlador, possessivo, mandão…
sei muito bem o que isso é, não é nada novo, nem estranho, nem surpreendente…
nem mete medo…
-
Eu percebi isso nalgumas reações tuas…
-
A sério?
-
Reações automáticas que tens, apesar de dar para ver que não tiveste treino
formal…
Vi
perfeitamente que ele se arrependera imediatamente do que dissera.
-
Treino formal?
-
Tens fome? – perguntou voltando-se para trás à procura do empregado para lhe
acenar – vamos jantar!
Fiquei
a olhá-lo em silêncio. Ele estava a fugir ao assunto, estava a disfarçar,
estava a mudar de tema. Não sei se foi do álcool, se do que foi, mas aquilo
magoou-me… eu não estou habituado a beber muito e nunca fui muito de aguentar a
bebida, mas fiquei triste, fiquei mesmo… era a segunda vez que ele não me
respondia e desviava o assunto, porque é que ele não dizia as coisas
frontalmente quando era este assunto?
-
Não precisas fazer isso.
-
O quê? – retraiu-se
-
Se não me queres responder, não respondas, mas não desvies o assunto porque não
me consegues enganar, nem distrair, diz-me simplesmente que não queres falar
nisso… eu estive demasiado tempo com um homem assim para aguentar bem sem
explicações… a isso estou habituado…
-
Certo. – respondeu pensativo
-
Eu sei o que é ser controlado! – continuei – sei bem o que é ser considerado
uma espécie de propriedade, não poder sair com ninguém ou falar com ninguém…
sei também calar-me e aguentar a frustração de não saber das coisas… sei muito
bem o que é comer e calar! – foi a primeira vez que o vi perder a confiança e
engolir em seco
-
Entendo. – os seus olhos brilhavam – mas tu não paras de me surpreender?
-
Não sei… agora sei bem o que tu és, Duarte, podes não querer dizer porque… não
sei porquê, mas sei usar o Google… eu sei bem o que é treino formal e sei ainda
melhor o que é ser dominado! – calei-me finalmente, dissera a palavra como deve
ser e no contexto certo, a sério… vira a sua reação e não sabia o que dizer
mais… pelo menos tinha cuspido tudo, agora só sabia que tinha de sair dali e
rapidamente, levantei-me – vou lavar as mãos para o jantar.
Ele
estava de cara à banda, estava mesmo.
-
Nuno…
-
Não senhor, não vou fugir! – interrompi-o usando a expressão que vira na net e
de que ele gostava – vou só lavar as mãos…
Afastei-me
deixando-o literalmente de boca aberta.
Eu
não conseguia perceber porque é que estava triste, devia ser por não estar
habituado a ser tratado como uma criança, era mais ou menos isso. Nisso o Pedro
podia ter muitos defeitos, e eu podia enumera-los a todos, mas sempre fora
perfeitamente franco comigo, com ele sempre fora tudo ‘preto no branco’, nunca
desviara assuntos, nunca deixara nada por dizer a não ser que me respondesse
‘não tens nada com isso, acabou o assunto’. Eu podia espernear, suplicar, mas
nunca me tratara como uma criança que não aguenta, ou um ‘atrasadinho’ que não
conseguia compreender nada… nunca desviara o assunto, nunca disfarçara e nunca
me passara um atestado de estupidez… acho que foi isso que me magoou.
Tive
de sorrir ao lembrar-me do Duarte de olhos esbugalhados a olhar para mim quando
eu dissera ‘não senhor’. Sabia que ele gostava, o Pedro não era bem assim, era
simplesmente bruto e abusador, não passava disso, acho que nem sabia que aquela
forma de tratamento existia. O Duarte sabia, tinha-mo dito ontem, tinha-mo
pedido hoje, era assim que ele era e surpreendera-o ao dizer-lhe aquilo… não o
facto de o ouvir, mas eu tê-lo dito assim, sem problemas; não tinha duvida
nenhuma que fora isso.
O
que eu não percebia era porque é que ele não me queria dizer as coisas como
deve ser, o porquê daquilo tudo, de tanta renitência, eu estava careca de
perceber… as ordens, o ser possessivo, o ser controlador, a história das
palmadas e agora a história do treino… eu tinha acabado de ler sobre isso… e ele
tinha-o dito, porra. Se calhar pensava que eu não sabia as verdadeiras
implicações disso, ou então tinha realmente medo que eu me assustasse.
Mas
também… a ideia ocorreu-me de repente… conhecêramo-nos há pouco mais de 24
horas… seria isso? Estaria a querer levar as coisas com calma? Se calhar achava
que eu era algum inocente que… tive de me rir, eu já não era inocente há tanto
tempo. Se calhar a paranoia dele com o assustar-me… ele podia estar com medo de
estar a andar depressa demais. Ele tinha dito que estava interessado em mim,
que eu o atraía, que me queria conhecer melhor, que me queria só para ele…
tinha dito isso tudo… e até me tinha beijado… era isso, era eu que estava a
andar depressa demais, a ser impaciente… mas foda-se, eu queria-o tanto… oh, merda!
Eu
era capaz de ter calma, de ser paciente e de ser submisso… o dominador era ele,
portanto ele mandava e eu obedecia, aprenderia as coisas ao ritmo que ele
determinasse.
A
ideia dele estar com medo de ir depressa demais e me assustar tranquilizou-me…
achei que era isso… senti-me mais calmo e menos stressado porque percebi que o
problema não estava a ser ele, estava a ser eu… eu é que estava a ser
impaciente e a pressiona-lo… a net dissera que não podia haver pressões neste
tipo de relação. Eu já lhe dera todas as indicações que ele precisava ter, já
lhe dissera que estava habituado a um controlador possessivo, estava habituado
a ser dominado, a… tudo… agora iria mostrar-lhe que também sabia manter a boca
calada e só falar quando me dirigissem a palavra como lera… era verdade que já
o enfrentara mais que uma vez, mas isso eu sempre fizera com o Pedro e iria
fazer com todos… ele dissera que gostava desse meu lado selvagem, agora iria
mostrar que era capaz de ser mesmo obediente e dócil… e queria mesmo sê-lo com
ele.
Está decidido!
Parte 8
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