4 – Domingo, 9/6
Assim
que abri os olhos precisei apenas de um segundo para me lembrar da noite
anterior… olhei para o despertador em pânico… 7h11… estava atrasadíssimo.
Saltei
da cama e corri para a casa de banho acenando ao meu avô que me olhou como se
tivesse visto um fantasma. Ao fim de semana não me costumava levantar tão cedo.
Duche a correr, escovar os dentes, passar a escova no cabelo e corri novamente
para o quarto. Desta vez deparei também com a minha avó…
-
Vais esperar o Pedro? A tua tia só sai daqui às oito e meia…
-
Quem? – juro que a minha cabeça estava longe dali, por um momento emburreci –
oh não, ‘vó! Vou correr. – dei-lhe um beijo e contornei-a, a rir por a ter
deixado de boca aberta…
-
Vais onde? – ela seguiu-me para o quarto
-
Vou correr com um amigo do Chico que está aqui a passar o fim de semana e
combinámos às sete e meia por isso estou atrasado… queres ver-me nu?
-
Correr! – bufou virando as costas e saindo a barafustar – era só o que faltava
agora, tu dares em corredor… ouviste isto, Henrique? O teu neto vai correr…
Vesti-me
a rir e saí de casa… sempre a correr… nada nas mãos a não ser 1.20€ para os
cafés.
Ele
já lá estava, sentado na esplanada à minha espera. Deslumbrante, mas isso não é
novidade. Os mesmos calções, mas uma t-shirt lavada, tal como eu. E adorei a
forma como me olhou, adorei mesmo; os seus olhos subiram e desceram por mim
enquanto me aproximava pondo-me a cara a ferver. Acenei-lhe timidamente, um
bocado desconcertado com a sua expressão atenta a mirar-me.
-
Olá… chegaste há muito tempo?
-
Bom dia, Nuno! – ele sorriu-me também, aquele sorriso que quase me tirava a
capacidade de pensar – cheguei há uns minutos… dormiste bem?
-
Muito… já tomaste café? – perguntei não vendo nenhuma chávena
-
Não trouxe dinheiro! – ergueu as mãos e adorei ver a sua face tomar uma
expressão provocadora, pareceu um garoto, ainda não tinha visto aquela cara –
prometeste que mo pagavas. – acrescentou
-
E cumpro… espera… – levantei-me satisfeito e fui pedir os cafés ao Sr. Roberto
De
regresso novamente o seu olhar de análise, fixado principalmente nas minhas
pernas.
-
Não fazes depilação? – comentou – gosto disso.
-
A sério? – olhei para as dele, grossas, másculas e sem um único pelo visível –
mas tu fazes.
-
Gosto de pelos nos outros, não em mim. – disse encostando-se na cadeira a observar-me
– gosto das tuas pernas…
Estremeci
de prazer e corei outra vez, mas consegui sorrir-lhe tentando disfarçar que
estava atrapalhado. Ele estava-se a atirar a mim? Ou aquilo era um comentário
inconsequente?
-
Costumas correr todos os dias? – perguntei sem saber bem o que dizer, sentia-me
intimidado por ele e pela forma como me olhava… dali a pouco estava a falar do
tempo… que nunca mais vinha o calor e não sei quê…
-
Todos os dias! – confirmou fixando os olhos nos meus – geralmente na
passadeira, mas quando tenho hipótese gosto de correr ao ar livre… e tu?
-
Eu só corro quando estou com a neura.
-
Não é o caso de hoje, pois não? – fingiu-se desconfiado
-
Não. – ri estendendo as moedas ao homem que pousava os cafés à nossa frente –
aqui tem, Sr. Roberto, obrigado!
-
Já vais para a praia, Nuno?
-
Acha? – ri-me – é muito cedo, vamos correr.
O
homem olhou-nos como se fossemos doidos, mas não disse mais nada senão um ‘fazem
muito bem’.
-
Não ficou muito impressionado. – comentou o Duarte com um sorriso cúmplice,
piscando-me o olho
-
Não! – ri-me outra vez gostando da sua expressão – fez a mesma cara da minha
avó quando lhe disse.
-
Tens um sorriso muito bonito, Nuno… ilumina-te o rosto!
Estremeci
desconcentrado e sentindo-me logo a ficar vermelho, não estava à espera daquela
mudança brusca de assunto.
-
Oh… obrigado! – balbuciei assarapantado
-
Não reages muito bem a elogios, pois não? – perguntou intrigado
-
Não estou muito habituado. – confessei sentindo a cara a ferver… era verdade
-
Estranho. – pareceu surpreendido – nem o teu ex? Pensei que…
-
Não, nem ele! – abanei a cabeça – ele menos que toda a gente…
-
A sério? – o espanto agora era flagrante – porquê, posso saber? Tu sabes?
-
Não sei bem, não era o estilo dele…
-
Mas nem um carinho, um miminho?
-
Às vezes, mas não muito… ele não é gay… quer dizer, não sei bem, ele diz que
não é… e casou… era tudo às escondidas e… pronto, um bocado à pressa.
Senti-me
atrapalhado, não estava à espera daquelas perguntas.
-
Compreendo. – disse pensativo – é estranho…
-
É um bocado… – encolhi os ombros
-
Por um lado é estranho que ele fosse assim contigo, que não te fizesse mimos,
não acho natural gostar de alguém e não lhos querer fazer… ainda a mais a ti
que… – vi o seu maxilar pulsar na sua cara por uns momentos, estava a cerrar os
dentes consecutivamente – mas também acho estranho que tu te tenhas apaixonado
por um homem assim!
-
Assim como?
-
Frio!
O
seu olhar estava a sugar-me o cérebro… porra, estava mesmo e eu quase que o
sentia… juro que nunca tinha visto uns olhos fazerem aquilo, pelo menos a mim
não… ele ainda era pior que a minha avó.
-
Ele não era sempre assim…
-
Claro que não, de certeza que tinha momentos em que compensava, toda a gente os
tem, por muito má que seja…
-
Tinha. – sorri, sentindo-me um bocado constrangido por ter a certeza que ele
percebia muito bem que me perturbava, que me intimidava, que me estava a deixar
doido
-
Mas surpreende-me que, parecendo tão rebelde, tu permitisses uma coisa dessas… –
ele sorriu também, mudando de assunto, tentando desanuviar o ambiente
-
Eu não sou rebelde.
-
Não? Tens a certeza?
Ele
estava a brincar com a chávena do café e olhou-me de lado, sem me encarar
frontalmente… oh, meu… tinha um sorriso provocador, que era super sensual…
fiquei sem saber o que dizer uns segundos, até não aguentar e ter de olhar para
a minha própria chávena.
-
Tenho! – disse baixinho tentando parecer mais confiante do que me sentia…
aquele tipo perturbava-me e por incrível que parecesse, eu não queria estar em
mais lado nenhum
-
Eu ainda não consegui decidir… mas não acredito que suportasses ser maltratado,
por isso imagino que ele não te tratasse mal…
-
Não… desde que eu fizesse o que ele queria. – encolhi os ombros
-
Como assim? – vi-o arquear as sobrancelhas surpreendido
-
É um bocado mandão… também não gosta muito que lhe digam que não…
-
Também? – a sua expressão desaparecera, não se via nada, não se percebia o que
estava a pensar, só os seus olhos é que brilhavam de uma maneira que pareciam
estar a perfurar-me a cabeça
-
Como a minha amiga Elsa ontem… – disfarcei, mas depois enchi-me de coragem e
completei o raciocínio – e tu também disseste que não gostavas que te dissessem
que não!
Comprimiu
os lábios numa espécie de sorriso.
-
Não gosto muito, é verdade… mas de que amiga estás a falar? Da que andou contigo
ao colo, ou da outra?
-
Da Elsa, a outra é uma namorada recente, ainda não a conheço bem!
-
A que disse que estavas cada vez mais giro…
-
Sim… conhece-me há muitos anos, viveu com uma outra namorada numa casa que os
meus avós alugam e eu gostava de ir ter com elas porque a Elsa tinha muita
paciência para mim… e pagava-me gelados…
-
Ah, claro… com ela não tens problema que te pague coisas…
-
Não. – ri-me sem dizer mais nada… ainda pensei mandar a boca que ela nunca me
tinha atirado à cara os gelados que me pagava, mas achei melhor não o fazer
-
Compreendo… vou ter de me concentrar para ver se consigo chegar a esse nível…
queres ir andando, é?
Ele
vira-me a olhar para o seu relógio. Eram oito horas e dali a pouco os meus tios
deviam sair para ir buscar o meu primo ao aeroporto… eu não queria estar ali
quando isso acontecesse.
- Sim, vamos.
Ele
levantou-se imediatamente. Apontou para a chávena…
-
Obrigado pelo café, Nuno!
Sorri-lhe
atrapalhado, mas fiquei satisfeito com o que disse… com as suas palavras e com
o seu olhar.
Caiu-me
tudo quando vi o meu tio em frente de casa a fumar um cigarro. Já? Eu já devia
ter imaginado que eles já estavam em polvorosa bem antes das oito e meia… já
estava o carro à porta, já estava tudo pronto para irem para o aeroporto. Ele
estava à espera que a minha tia se despachasse. Bem o vi olhar-me de boca
aberta.
-
Bom dia, tio! – cumprimentei de dentes cerrados quando passámos, consegui
olhá-lo mas foi com grande esforço e sentindo a cara a ferver… era aquilo que
eu devia ter evitado
Pus-me
logo a imaginar os comentários… deviam ir a viagem toda até Lisboa a debater o
sobrinho a correr com um homem desconhecido… mas que porra. E depois se calhar
ainda comentavam com o Pedro… mas não, deviam ter outras coisas de que falar
para além de mim.
-
Estás bem, Nuno?
Assustei-me.
-
Sim. – respondi esforçando-me para sorrir normalmente
-
Não pareces nada… que foi? Não querias que o teu tio nos visse?
-
Não. – confessei muito francamente
-
Tiveste vergonha de ser visto comigo? – a sua expressão era de surpresa
-
Não. – respondi percebendo bem que não estava a conseguir ser muito convincente
– ele daqui a pouco já nem se lembra… vão buscar o meu primo ao aeroporto…
-
Ah sim, foi de férias?
-
Chega hoje de lua-de-mel.
-
Que bom! – fez-se silêncio um minuto – como o teu ex?
Senti-me
a corar imediatamente, mas a corar mesmo… porra, ele ia perceber, de certeza
que ia… cerrei os dentes com mais força e fechei os olhos por um segundo quando
ele parou de repente… foda-se!
Quando
parei também e olhei para trás ele estava de sobrancelhas arqueadas em absoluto
assombro.
-
O teu primo e o teu ex são a mesma pessoa, ou é coincidência?
-
Não quero falar nisso! – disse sem o conseguir encarar – por favor…
Fez-se
um silêncio que me obrigou a olha-lo outra vez… só nessa altura tornou a falar…
-
Muito bem… respeito isso. – recomeçou a correr e eu segui-o ao mesmo passo –
isso quer dizer que vais ter uma manhã ocupada na receção do casal feliz… ou
pelo contrário queres desaparecer dali e ir para a praia connosco?
-
Nem sei bem… ainda não tinha pensado nisso. – confessei com o coração a bater
rapidamente
-
Não tens problema em vir para a praia connosco ou tens?
-
Não… mais ou menos… eu não gosto do Ricardo.
-
Claro que não, isso percebi logo ontem! – riu-se – ninguém gosta muito do
Ricardo!
-
É um bocado parvo!
-
O Paulo gosta dele e é quem tem de gostar… os amigos são forçados a fazer um
esforço e tentar tolerá-lo…
-
Pois, mas eu não sou amigo do Paulo… conheço-o por causa do Chico, mais nada…
-
Ah sim? Eu pensei que… como ele fala sempre muito bem de ti e pela maneira como
se mete contigo, pensei que fossem mais… próximos!
Olhei-o
percebendo a sua hesitação, mas ele manteve-se concentrado no caminho e não retribuiu
o olhar. Estaria a pensar que nós?
-
O Chico é que foi para a cama com ele, eu conheci-o depois disso e agora que…
pronto, que estou sozinho, ele tem um namorado e eu não me meto no meio de
gente comprometida…
Foi
impossível perceber a sua expressão, mas ele falou naturalmente.
-
Muito bem, concordo com isso… – começou, mas calou-se estancando de boca aberta
quando chegámos à beira da falésia e ficámos com a praia e o mar à nossa frente
– oh, caramba!
Eu
tinha feito de propósito, controlando a volta para que aquela vista surgisse de
repente e de forma inesperada. Teve o impacto que eu queria e ele ficou a
olha-la durante uns segundos, siderado… a praia aos nossos pés, a imensidão do
mar à nossa frente…
-
Gostas? – sorri deliciado
-
Muito! – respondeu imediatamente
-
É um dos sítios para onde venho pensar… quando corro depois fico sempre aqui um
bocado. – expliquei sentando-me na minha rocha
-
Um bom sítio para meditar, realmente. – ele sentou-se ao meu lado a olhar o mar
– é o teu sítio secreto?
Encolhi
os ombros a rir.
-
Mais ou menos… eu gosto de vir para aqui para estar sozinho…
-
Mas trouxeste-me cá! – os seus olhos brilhavam de prazer
-
Já que íamos passar aqui perto… quis mostrar-te…
Ele
virou-se para mim, observando-me atentamente. Senti-me a corar outra vez.
-
Sabes, Nuno, tu não és nada daquilo que eu estava à espera…
-
Não? – tentei perceber se era melhor ou pior, mas o seu rosto não me mostrava
nada… odiava que ele fizesse aquilo
-
És confuso… às vezes és provocador, rebelde e respondes muito duro, mas outras
pareces realmente o doce que o Paulo diz que és…
Sorri.
-
Sou agridoce, como a sopa do chinês!
Ele
riu-se.
-
Se calhar é isso, mas confundes-me…
-
Eu? – tive vontade de rir também
-
Sim, tu… por um lado ouvi o Paulo e o teu amigo Chico comentarem que eras um
doce, muito simpático e agradável… até um bocado submisso para com o teu ex, fazendo
tudo o que ele queria… tu próprio confirmaste isso agora… mas por outro lado, quando
chegaste ao pé de nós disparaste farpas em todas as direções…
-
Não me estavam a provocar? – defendi-me
-
Estávamos. – mordeu o lábio para não se rir… adorava que ele fizesse isso,
ficava super sexy – portanto pensei que eras mesmo um doce com o recheio
amargo, rebelde e provocador… mas depois foste aos arames quando aumentei a
parada e não te aguentaste… vi muito bem que ficaste chateado e magoado comigo.
-
Não foi justo! – franzi o sobrolho
-
Eu sei que não, mas não estava à espera de fazer tanta mossa…
-
Ah não?
-
Não… estava à espera que te aguentasses…
-
Fogo… atirares-me à cara que me pagaste um café? Eu não sou como o Ricardo, se
é isso que estavas a pensar… se não tenho dinheiro não bebo, temos pena, mas
não estou à espera que me paguem…
-
Eu percebi isso tarde demais… mas já resolvemos isso, não já? – ele fixou-me
com a cabeça de lado, atento, inquiridor
-
Já. – acabei por responder quase sem hesitar… claro que já tínhamos resolvido
aquilo, eu estava apanhadinho por ele…
-
Ótimo! – sorriu novamente – eu gosto das coisas assim…
A
minha cabeça só pensava numa coisa… ele estaria mesmo interessado em mim?
-
Eu não sei mesmo o que hei de pensar sobre ti… por um lado és um doce, mas nem
por isso e eu já provei o teu recheio amargo, mas por outro também não és
exatamente um rebelde durão como eu pensei inicialmente, porque te magoei
quando fui mais duro contigo… e à noite a tua amiga tomou conta de ti e tu
parecias um cordeirinho atrás dela…
-
Não conheces a Elsa! – voltei a sorrir – não é do tipo a quem se possa dizer
que não…
-
Percebi isso e agora disseste o mesmo do teu ex… que te tratava bem desde que
fizesses o que ele queria… isso não é exatamente a postura de um miúdo rebelde
e independente, pois não? Se fosses realmente rebelde não te interessavas por
um gajo que mal te tocava e que era frio contigo…
-
Não… eu sei… mas também nunca disse que era rebelde, pois não?
-
Não, pelo contrário… mas tens momentos de rebeldia que eu bem os vi, tal como
também vi a tua expressão ontem quando a tua amiga estava a falar contigo de
dedo espetado na tua cara.
-
Quando ela está assim é melhor fazer o que ela quer. – sorri
-
Portanto és um rapaz de contrastes, não és? Por um lado és forte, rebelde,
provocador… por outro és doce, pareces frágil e até tens momentos em que podes
ser considerado um bocado submisso.
-
Submisso? – outra vez aquela palavra… eu já a tinha ouvido, mas não sabia bem…
– o que é que isso quer dizer?
Os
seus olhos relampearam, eu vi-o bem…
-
Submisso é alguém que se submete à vontade de outra pessoa… faz o que lhe mandam
e esforça-se por agradar… enfim, que é um doce…
Pensando
bem no assunto, eu talvez fosse um bocado assim, era verdade…
-
Depende das pessoas, não é? – olhei-o, mas não consegui aguentar, os seus olhos
estavam atentos à minha reação e estavam a querer sugar-me os pensamentos – a
minha avó sempre foi um bocado assim… depois a Elsa também, mas duma maneira
diferente, era brincalhona e sei que gosta muito de mim, mas saltava-lhe logo a
tampa se eu me esticasse mais um bocado… e o Pedro também é assim… não gostava
que eu fizesse certas coisa e passava-se logo comigo…
Ele
estava a sorrir com a minha atrapalhação… desta vez não achei muita piada.
-
Foste habituado a andar em pezinhos de lã, como se diz, não é?
Ele
sorria simpaticamente e eu acabei por me rir com a sua expressão. Ele conseguia
acalmar-me com o seu olhar.
-
É um bocado, sim… eu queria que gostassem de mim e habituei-me a ter cuidado…
acontece com toda a gente, não é?
-
Suponho que sim… mas falas sempre dos teus avós… e os teus pais?
Há
muito tempo que isto não me acontecia… e tanto tempo depois continuava a
engolir em seco, mesmo não sentindo realmente a sua falta.
-
Já não existem. – respondi baixinho, fixando os olhos no oceano
-
Oh Nuno, desculpa! – consegui encará-lo e percebi bem que ele estava tão
constrangido como eu – sinto muito, não fazia ideia…
Encolhi
os ombros tentando parecer indiferente, mas sabia que era impossível, tive
perfeita consciência que o meu sorriso saiu amarelo. Era sempre assim.
-
Nunca os conheci, por isso não sinto muito a falta, não é? – olhava o mar e
arrepiei-me todo quando senti a sua mão na minha nuca… o meu corpo reagiu
imediatamente e a minha cabeça inclinou-se sobre o seu braço em busca da
carícia, ou do apoio, não sei bem, mas aconteceu antes de eu ter percebido que
o estava a fazer
-
Desculpa ter trazido esse assunto à conversa, não fazia ideia… estás bem?
-
Sim. – olhei-o e ele sorria-me… aquele sorriso que lhe iluminava os olhos de
uma forma que os tornava doces
-
Sabes que eu gosto deste Nuno? – fez-me uma carícia no queixo – e até o prefiro
ao Nuno de ontem…
-
Não me provoquem! – resmunguei esforçando-me por parecer mais forte do que me
sentia… senti que ele percebera bem, mas não disse nada nesse sentido
-
Mas eu gosto de te provocar… eu também gosto de ver o Nuno feroz e gosto de
correr o risco de sentir o recheio amargo.
-
Tu é que sabes. – ri-me outra vez dscontraindo um pouco… nunca me tinham dito
nada assim… dois Nunos, onde é que já se ouviu isso?
-
Mas agora que somos amigos… se eu te voltar a magoar diz-me e acredita que, se
peço desculpa é porque sinto vontade disso, não quero que fiques zangado
comigo.
-
Está bem.
-
Agora tinha sido uma boa altura para dizer ‘sim senhor’… gostei quando o
disseste ontem de manhã.
-
Sim senhor! – disse-lhe com o meu melhor sorriso
Ele
ficou a olhar-me por um momento e aquela expressão na sua cara era nova,
parecia encantado e os seus olhos brilhavam intensamente.
-
Gostei que o dissesses assim, Nuno, obrigado…
O
meu sorriso aumentou… és tão lindo, meu…
digo o que quiseres…
-
Gostas mesmo que te digam isso, não gostas? – perguntei curioso – que te digam
‘sim senhor’?
-
É verdade. – admitiu apesar da sua expressão facial não demonstrar o que estava
a pensar – achas estranho?
-
Não sei bem…
-
E gostei da maneira como o disseste… quero fazer uma coisa, Nuno, fecha os
olhos. – curvou-se na minha direção, apoiando os cotovelos nos joelhos –
fecha-os!
Eu
fiz o que ele pediu e o meu coração disparou na expetativa do que iria acontecer…
senti-o aproximar-se e senti o seu hálito na minha cara, senti os seus lábios
nos meus por um segundo e senti a pressão no meu lábio inferior, puxando-o
quando se tornou a afastar… eu fiquei suspenso no momento, sem respirar, até
automaticamente passar a língua para sentir melhor o seu sabor.
Wow, meu…
Abri
os olhos e encontrei os dele. Pareciam o farol do Cabo Espichel.
-
Porque é que fizeste isso? – senti a voz falhar-me
-
Porque me apeteceu muito…
-
Porque é que me pediste para fechar os olhos?
-
Porque não queria que visses, queria só que sentisses… e não queria correr o
risco de me recusares…
-
Achas que eu fazia isso?
-
Não sei… fazias?
Foi
impossível aguentar aqueles olhos, mesmo de dia quase que me cegavam…
-
Não. – respondi baixinho
-
Ainda bem que não… sabes que não consigo formar uma opinião sobre ti?
-
Sou misterioso! – gozei
O
seu sorriso tornou-se trocista por um momento.
-
Não nesse sentido, mas a verdade é que penso que sei como vais reagir e tu não
fazes nada do que eu estava à espera… surpreendes-me.
Encolhi
os ombros em saber o que dizer… aquilo era bom ou mau?
-
Vamos para cima? – perguntou-me, erguendo-se com um sorriso nos lábios
Fiquei
vidrado por um segundo nas suas pernas, vendo os músculos fletirem-se quando ele
se levantou, mas segui-o logo, levantando-me também e correndo lentamente ao
seu lado de regresso à civilização. Eu não sabia bem o que pensar daquilo tudo,
principalmente do beijo, mas conseguia pensar muito bem numa coisa muito
simples, por mim tinha ficado a manhã toda ali no pinhal só com ele, por mim
ele podia ter feito bem mais do que dar-me um beijinho mínimo… que soube bem,
mas soube a pouco… soube a muito pouco.
Fizemos
o caminho de regresso em silêncio. Não sei bem porquê, mas ele devia estar a
pensar e eu achei melhor não dizer nada, até porque a minha cabeça começou a
vaguear também. Ele beijara-me. Podia não ser nada, mal se podia considerar um
beijo, mas era sim, era um beijo carinhoso… nada de extraordinário, nada de
muito excitante, não fiquei a ferver, mas fora um beijo e eu adorara que o
tivesse feito, que mo tivesse dado. E depois a sua conversa. Tinha dito que
gostava mais de mim assim… submisso… tinha de ir ao Google ver o que é que
aquilo queria mesmo dizer… um tipo que se submete à vontade do outro? Eu à
vontade dele? Porra, onde é que assino? Fizera isso toda a minha vida, com a
minha avó, com o Pedro, porque é que não havia de o fazer com um gajo daqueles,
deslumbrante e podre de bom?
Descontrolei-me
e a minha mente concentrou-se na imagem das suas pernas a correr à minha frente,
grossas, bronzeadas, rapadas… o Pedro tinha muitos pelos… eu até gosto, mas
também gosto assim… e os músculos duros quando ele fez força para se levantar,
viram-se todos… porra, adorava ter-lhes tocado… o que eu não dava só para ter
passado a mão…
Sacudi
a cabeça… orienta-te, meu… já estás a
alucinar.
-
Foda-se! – exclamei sem me conter e sem conseguir pensar no que quer que fosse
senão na visão do carro do meu tio a aparecer…
Que
pontaria, meu!
-
Que foi? – perguntou logo o Duarte surpreendido, mas depois também reconheceu o
carro – ah, já entendi…
Nós
parámos à frente da porta de minha casa quando o carro parou do outro lado da
rua. Grande azar, meu… dasss!
-
Tens de ir cumprimentar não é?
Eu
estava de costas e a sentir-me muito mal…
-
Não sei… eu não quero! – sentia-me aflito
-
Oh Nuno, parece mal o teu primo chegar de lua-de-mel e tu não ires dizer olá
quando estás do outro lado da rua, não achas?
-
Acho. – respondi desanimado – mas eu não quero vê-lo!
-
Tem de ser, não é? – sorriu-me docemente – não tem mau ar…
-
Eu sei.
-
O que é que sentes por ele?
Encarei-o
surpreendido, aquilo fora inesperado… mas já estava a fazer-me perguntas
daquelas? Eu sentia-me bem com ele e até estava consciente que estávamos a ter
uma relação fixe, mas…
-
Não sei…acho que nada… ódio, acho eu…
-
Sabes que o ódio e o amor são sentimentos bastante próximos…
Bufei…
não estava com pachorra para aquelas lições.
-
Eu no teu lugar ia lá já… cumprimentava e dizia que tinha de ir tomar duche… é
melhor do que teres de ir mais tarde e teres de demorar mais tempo a fazer sala,
não achas?
-
Acho. – acenei com a cabeça, agradecido – é uma boa ideia… vou agora!
Ele
estendeu-me a mão a sorrir.
-
Até logo, Nuno… obrigado pela corrida e pelo café… espero ver-te mais tarde.
Virou-me
as costas e afastou-se rapidamente sem olhar uma única vez para trás. Fui eu
que fiquei a olhá-lo por um minuto, enquanto ele entrava no café… aquele homem
era super sexy.
Fechei
os olhos por um momento, inspirei fundo e atravessei a rua.
-
Venho só dizer olá… fizeram boa viagem?
Apresentei-me
com o meu melhor sorriso…
-
Nuno! – a mulher dele veio ter comigo de braços abertos
-
Estou todo transpirado, Sílvia! – preveni – estive a correr…
-
Só dois beijinhos, então…
Apertei
a mão ao Pedro sem o encarar, mas senti o seu olhar atento.
-
Quem é aquele? – perguntou-me logo
-
É um amigo meu. – respondi sem mais nada – fomos correr…
-
Ah agora corres?
-
Sim…
-
Trouxemos-te um presente do Brasil! – a Sílvia agarrou-me na mão a sorrir – mas
era tudo muito caro, é só uma lembrança…
-
Não era preciso…
-
Era sim… tu agora és o meu primo e não tenho mais nenhum, és só tu, foi das
melhores prendas, digo-te já…
-
Obrigado! Divertiram-se muito? – sorri-lhe… ela nem era má… se não fosse pelo
que aconteceu, eu até era capaz de gostar dela
-
Muito… foi maravilhoso, nunca tinha ido assim para o estrangeiro…
Os
meus avós entretanto apareceram também para cumprimentar o neto e a sua nova
mulher. Eu aproveitei para me desculpar com o duche e ir-me embora. O Duarte
tinha razão, assim foi muito melhor… muito mais rápido e muito mais eficiente,
tinha feito o que tinha de fazer sem parecer que estava chateado ou qualquer
coisa do género e já estava livre, agora podia fugir deles sem dar nas vistas.
É
claro que foi perturbador, foi mesmo. Foi perturbador vê-lo bronzeado, bem
disposto; foi perturbador ver a maneira como ele olhava a mulher, como lhe pôs
o braço pelos ombros descontraidamente, num gesto de intimidade; e foi
perturbador ver a sua expressão quando me perguntou quem era o Duarte, a
maneira como olhou na direção dele quando estava a desaparecer dentro do café
do Sr. Roberto. Perturbou-me sim, perturbou-me tudo e quando entrei no duche
sentia-me triste, sentia-me estranho… que olhar tinha sido aquele? De certeza
que ele não estava à espera que eu ficasse a chorar pelos cantos o resto da
vida, de certeza que tinha pensado que eu ia começar a sair sozinho e que ia
acabar por haver outras pessoas a interessarem-se por mim… que fosse para o
inferno… ele e a mulherzinha, eu agora tinha outras coisas em que pensar... e
pensei mesmo.
Porque
é que o Duarte me tinha beijado? Eu podia compreender que quisesse fazer as
pazes comigo depois daquele começo atribulado, também podia compreender que
quisesse companhia para correr, era muito mais agradável correr com outras
pessoas, mesmo sendo alguém que mal se conhece… mas porquê o beijo? ‘Porque me
apeteceu muito’, fora a resposta… apetecera-lhe muito beijar-me? Porquê? Queria
companhia para o fim de semana? Queria alguém que o acompanhasse para não estar
sozinho com dois casais? Eu estava prontíssimo para isso, principalmente se ele
não tinha mesmo ninguém.
Senti-me
a ficar excitado e abri a água fria por um momento, tinha de me controlar…
veríamos o que aconteceria…
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