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Estava
sem saber o que fazer, tinha-me recusado a ir almoçar com a família e isso
motivara uma discussão com o meu avô… estava a sentir-me mal, detestava que o
meu avô se zangasse comigo, mas não queria mesmo ir almoçar com eles. Não os
queria ouvir a contar as histórias do Brasil, não queria ouvir como se tinham
divertido, como tinha sido maravilhoso. Eu não queria ver o Pedro e não podia
explicar porquê, simplesmente não queria estar na mesma sala que ele… assim
fariam um almoço de família só deles, filho, pais e avós, sem o primo a
estorvar.
Fui
ver a massa do pão, no dia seguinte iria ajudar a minha avó a cozer. Costumava
ser ao domingo, mas com a chegada deles, a minha avó tinha decidido adiar, até
porque no dia seguinte era feriado, o 10 de Junho, o dia de Portugal, de Camões
e doutra cena qualquer que eu não me lembrava o que era… das comunidades, acho
que era isso…
Eu
sempre adorei cozer pão, sempre adorei ajudar a minha avó a faze-lo e foi
sempre uma birra porque eu queria fazer tudo, desde o amassar, a por a lenha no
forno… tudo. O resultado foi que agora tinha sido o melhor do meu curso nessa
tarefa; acho que o meu pão cozido estava tão bom como o do formador… a minha
colega Helena até me disse que estava melhor, mas ela não era exatamente
credível porque gostava de mim e tudo o que eu fazia era melhor do que o dos
outros, mesmo as coisas que me saíam uma merda. Tive de sorrir… coitada, eu
gostava dela, mas não como ela queria, não era capaz de estar com uma miúda,
não me atraiam minimamente… já percebera há muito tempo que gostava de homens,
mesmo vendo que os homens não gostavam de mim.
Repentinamente
veio-me à ideia o homem na praia a bater uma a olhar para mim… arrepiei-me… desses dispenso!
Sacudi
a cabeça para afastar a ideia… a massa do pão estava boa e eu estava a precisar
desesperadamente de uma coisa que me ocupasse o cérebro e não me deixasse
pensar.
Fui
buscar os fones do telemóvel e fui-me deitar na rede a ouvir música… rádio
orbital em altos berros era o que eu mais precisava naquele momento, sempre
gostara de música e sempre adorara este posto de rádio. E agora estava mesmo numa
fase em que a música era o único prazer que eu tinha na vida e aquele posto era
definitivamente o meu favorito, a música que lá passava era exatamente o que eu
gostava… ‘house music’… música de carros de choque, como o Pedro lhe chamava…
parolo.
Sorri
ao ligar o rádio… este ano estava a ter novamente um verão com músicas
fantásticas. O verão de 2011 tinha sido extraordinário, já 2012 tivera algumas
músicas fixes, mas nada que desse grande pica… este ano estava a ser
absolutamente ‘super’ outra vez… ritmo, batidas fantásticas e letras super
fixes, estava a ser um bom ano… dava prazer ouvir música.
Sempre
gostei de estar ali na rede, só ouvir os pássaros nas árvores, o som do mar ao
longe, ou a ouvir música com o sol a morder-me o corpo… mas agora aquilo porque
eu ansiava quando me deitava ali não voltaria a acontecer, estava sempre à
espera que o Pedro aparecesse e ele agora tinha mulher, deviam estar de mão
dada a comer e a explicar como estavam deprimidos por ter de regressar do
paraíso…
Oh não!
Como
se não bastassem os meus pensamentos para me deprimir, a rádio passa a minha
música com ele… foda-se… ‘Got 2 luv you’. Já era velha, já tinha saído do
circuito, o que é que fez este tipo pô-la a tocar?… aguentei-a muito pouco,
assim que chegou ao refrão não aguentei mais… «I… I would do anything I could
for you… boy, you’re my only»… foda-se… levantei-me num salto e desliguei o rádio…
assim não, assim era demais.
O
problema estava na minha cabeça, ele nem nunca tinha percebido o que eu queria
dizer… tinha gostado da ideia, mas não tinha ouvido a letra, não a tinha
entendido, não se tinha esforçado para perceber porque é que eu tinha dito que
era a nossa música, não tivera nenhum significado para ele… eu fiz tudo o que
pude por ele, dei o meu máximo para o satisfazer, fiz tudo o que ele quis,
deixei-o fazer comigo tudo o que lhe apeteceu, dei o meu melhor para lhe
agradar e no final… não fora suficiente.
Meti
o telefone no bolso e fui até à minha bicicleta. Pedalei furiosamente pelo Meco
em direção ao parque de campismo da falésia. Não queria ir lá, não queria tomar
café, queria apenas estafar-me, estafar-me até o meu cérebro ficar incapaz de
pensar no que quer que fosse.
Acabei
à beira da falésia, do lado esquerdo do parque de campismo, uma zona deserta,
de difícil acesso, onde poucos veículos conseguiam ir se não fossem todo o
terreno. No final da descida ficava uma pequena praia rodeada de rochas, aí
estavam parados bastantes carros… de veraneantes e de pescadores, mas eu não
desci muito, saí da estrada e avancei pelo terreno até chegar à ponta do
penhasco e ficar a olhar o mar. Estava calor e àquela hora não havia ninguém
por ali, os carros com os namorados para… esses apareciam mais tarde. Eu já
estivera ali com o Pedro, nus em frente ao mar, de corpos colados a ver o por
do sol, cansados depois de… foder… nós nunca fizemos amor, eu sim mas ele não,
portanto não era possível, pois não?
O
telefone tocou… mensagem.
«Eles
estão-te a convidar para almoçar» dizia o SMS do Chico
Ah, sim! Tenho mesmo dinheiro para
isso!… bufei
«Sem
cheta. Não dá» respondi logo
«O
Paulo está a convidar. Ele paga»
Aposto que o namoradinho vai adorar!
Tive
de sorrir. Não sabia bem o que estava a acontecer com o Paulo, nem percebia bem
o que ele queria de mim. Que ele gostava de putos, isso era certo, mas porquê
eu? Eu não sou bonito como o namorado, não gosto de ser sustentado, não sou
culto, não…
Mas tenho pinta, foda-se… e gosto de
agradar, simplesmente não sou do tipo ‘sim amor’, nunca fui nem nunca hei de
ser.
«Estou
a andar de bicicleta. Longe, todo transpirado. Obrigado, mas hoje não dá»
escrevi e enviei…
Tive
de me rir, o Duarte nem se atrevera a convidar-me depois da cena de ontem, ou
então não estava com eles. Sobressaltei-me… se não estava com eles, estaria
onde? Franzi o sobrolho… oh que porra, era mesmo o que me faltava agora…
«O
Paulo diz que vai ficar chateado contigo»
Mas
o que é que estes gajos queriam? Irra, meu… nem respondi.
Se fosse o Duarte ainda
era capaz de hesitar, mesmo não gostando da ideia dele me pagar o almoço, agora
o Paulo? Era giro e tudo isso, mas não era o Duarte… além disso tinha namorado.
O Duarte já era de outra categoria, não era giro, era lindo, não tinha bom
corpo, era podre de bom… tinha um ar fino e sofisticado, era muito simpático e
tinha aquele seu sorriso que fazia um santo perder a cabeça… mas era de um
nível muito acima do meu. Dera-me um beijo e tudo, mas aquilo nem fora bem um
beijo, porra, fora quase um beijo de irmão ou isso…
Seria possível que não
houvesse um homem que me quisesse?
Atirei
a bicicleta ao chão e fui-me sentar numa rocha na ponta da falésia, amuado.
Claro que aquilo não era bem verdade… eu sabia bem que o Pedro tivera prazer
comigo, tantos anos a procurar-me provavam-no; o não resistir-me quando era eu
a procura-lo também o provava. Depois o Chico gostava de mim e só se envolvera
e se apaixonara pelo Álvaro porque eu estava com o Pedro e ele era muito
ciumento. O próprio Álvaro, apesar de andar com o meu melhor amigo, só não me
saltou para cima porque eu nunca lhe dei espaço para isso. Agora o Paulo
parecia estar a… nem sei bem o que ele estava a fazer, mas não era bem normal
ter-se um namorado e ser-se tão simpático com outro gajo, pelo menos para mim
não era normal; se calhar gostavam de números a três, mas não tinham hipótese
nenhuma… nem eu gostava do Ricardo, nem ele gostava de mim, portanto… um número
a três com o Álvaro e o Chico já podia ser um caso a pensar…
O
telefone tocou… o número era identificado, mas não o conhecia, nem estava na
minha lista. Atendi.
-
Porque não vens almoçar? – o tom de voz era brusco… dasss…
Era
o Paulo… devia ser outro que não estava muito habituado a receber recusas, acredito
nisso com facilidade; com aquele namorado que vivia às suas custas, devia estar
habituado a ser tratado nas palminhas… fosse como fosse, não estava na lista
das pessoas que me podiam falar assim.
-
Quem fala? – perguntei igualmente brusco
-
É o prior de Freixo de Espada à Cinta! – o tom tornou-se sarcástico e eu soltei
uma gargalhada, não foi possível resistir
-
Como está, senhor prior? – lembrei-me duma fala qualquer, de um livro qualquer
que tivera de ler quando andava na escola normal… ele às vezes era engraçado,
era o tipo de homem que me podia dar a volta se não tivesse um namorado
-
Porque não vens almoçar? – repetiu num tom de voz mais doce, senti que estava a
sorrir como eu – estou muito dececionado…
-
Eu juro que não percebo qual é a tua… já me dou suficientemente mal com o teu
namorado para tu ainda provocares mais, não achas?
-
Coitadinho… isso é injusto… e tu prometeste que ias ser um doce comigo!
-
Eu? Quando é que eu te prometi isso?
-
Hoje de manhã.
O
meu coração deu um pulo e deve ter ficado outra vez entalado na minha garganta
porque eu fiquei novamente sem conseguir respirar.
-
Estás aí Nuno? – pareceu-me sentir alguma ansiedade na sua voz, mas não devia
ser maior que a minha naquele momento
-
Duarte? – perguntei a medo, sem saber bem o que pensar
-
Mais conhecido por senhor prior. – o tom de voz tornou-se brincalhão, devia
estar a rir-se de mim
Foda-se.
-
Porque é que me ligaste?
-
Porque quero saber porque não vens almoçar… já te perguntei duas vezes e
continuas sem responder!
Porra.
No
seu tom notava-se alguma impaciência. Era outro que também não devia estar
muito habituado a ser contrariado.
-
É que eu não estou em casa, estou a andar de bicicleta, estou todo transpirado
e… pronto… é isso…
Calei-me
subitamente, corando por aquilo me ter saído tudo em rajada e atabalhoadamente…
ele punha-me nervoso.
Já
não sabia se queria, ou não, que ele percebesse o que me passava pela cabeça,
aliás, nem devia ser preciso ser-se muito inteligente para perceber… mas o tipo
intimidava-me e eu queria tanto que… eu estava a gostar daquilo… não era só
lindo e podre de bom, era diferente dos outros, era diferente do Pedro, tinha o
mesmo estilo… austero e distante, mas não ao estilo machão parolo como o Pedro,
era mais ao estilo educado e confiante; superior e dominante, mas não ao estilo
bruto, era mais ao estilo sofisticado e misterioso… não sei explicar bem…
-
Ouviste o que te disse?
Estremeci.
-
Não. – confessei hesitante
-
Pode saber-se porquê?
A
sua voz tornou-se distante, um bocado fria.
-
Porque estava a pensar noutras coisas. – confessei fechando os olhos com toda a
força… por favor, não fiques chateado!
Fez-se
silêncio por alguns segundos.
-
Estás bem?
-
Sim… correu tudo bem, fiz como disseste e depois fui tomar duche e disse que
não queria almoçar com eles…
Calei-me
outra vez… mas que porra, porque é que ele me punha tão nervoso?
-
Então vem almoçar connosco…
-
Não, Duarte, obrigado, por favor não insistas…
-
Eu tenho ideia de te ter dito que não gostava de ouvir a palavra ‘não’…
-
Desculpa! – tive de me rir – mas não me apetece comer e estou longe de casa e
todo transpirado…
-
E desatento porque não me estavas a ouvir! – o seu tom endureceu outra vez
-
Isso também.
-
Então vou-me repetir… – ele não parecia nada satisfeito – e vou tornar a
dizer-te o que vais fazer… vais pegar na bicicleta e vais para casa… vais tomar
um novo duche e depois vais tomar café connosco… pode ser? – falou com
autoridade enquanto me explicava detalhadamente o que queria, mas o seu tom
adoçou-se novamente no final, quando me perguntou se podia ser
-
Sim. – foi a minha resposta depois de engolir sem seco
-
Lindo menino! – a sua voz agora era só mel, doce mesmo – na esplanada da noite
de ontem… está bem?
-
Sim. – repeti sentindo-me um perfeito imbecil
Dasss…
porque é que eu ficava assim com ele? Mesmo ao telefone? Isto não era normal.
-
Então até já!
O
tom despreocupado de quem está satisfeito por ter conseguido aquilo que queria.
Fiquei a olhar para o mar de boca aberta e com a cabeça vazia…
Puta
que pariu isto tudo, meu...
E
o pior disto tudo é que eu queria muito ir, queria ir ter com ele, estar com
ele, queria sentir o seu olhar, queria ver o seu sorriso, queria olhar para
ele… sabia bem que não me ia dar mais beijos, mas queria mesmo estar com ele, o
homem era lindo ao ponto de uma pessoa perder a cabeça.
Era
impossível saber se ele estava interessado em mim ou não… às vezes parecia que
sim, outras que não. Porque é que ele havia de me tratar assim se não estivesse
interessado? Porque é que me havia de ter dado o beijo? Porque é que me havia
de telefonar e… mas porque é que havia de estar interessado em mim? Eu bem via
a forma como o Ricardo o olhava, até o Chico… sabia perfeitamente como me
sentia ao pé dele, toda a gente se devia sentir como eu e ele devia estar mais
que habituado a isso… de certeza que estava.
Raios partam, porque é que só tenho
coisas a lixarem-me a cabeça?
Mas
ia ver o que se passava, ia tirar aquilo a limpo e ia portar-me bem, estava
decidido… ignorava as porcarias do Ricardo, as provocações do Paulo e ia
resistir ao Duarte…
Eu sou perfeitamente capaz de o tratar como
se fosse uma pessoa normal… disse para mim próprio.
Levantei-me
e voltei a casa absolutamente decidido a acabar com aquilo de forma triunfante.
Banho
rápido mas cuidado, barba rapada ainda com mais cuidado, perfume, as calças de
ganga na noite anterior, que eram as melhores e as mais justas que eu tinha,
uma t-shirt castanha, a Helena dizia-me que eu ficava super bem com aquela
t-shirt, que ficava bem de castanho. Olhei-me no espelho e gostei do que vi…
não sou podre de bom, nunca fui, mas tenho o corpo bem definido e não achei que
estivesse mal.
Estava
pronto.
Saí
a pé, calmamente para não transpirar. De minha casa ao centro do Meco era longe
se eu seguisse pelas estradas, mas se fosse pelo meio dos quintais era rápido e
não custava nada, além disso havia mais sombra. Senti o cheiro do meu perfume e
comecei a stressar… tinha posto demais, parecia aquelas velhas peruas que
entram num sítio e empestam o ambiente, nunca mais se consegue cheirar mais
nada que o perfume delas… e ainda por cima eles podiam não gostar do meu
perfume… e se eles não gostassem? Eram betinhos, sabiam dessas coisas, tinham
perfumes caros e de marca.
Parei
com a cabeça a andar à roda. Pensei em voltar para trás e tomar outro duche.
Porra, Nuno… até o meu cérebro estava a perder
a paciência comigo.
Era
a história do anjinho e do diabinho, um de cada lado da minha cabeça, um a
dizer-me para ser um bom menino, para ser discreto, para voltar para casa e
tomar o duche… o outro a dizer-me para fazer uma entrada triunfante e ignorar
as parvoíces, a dizer-me que se gostava do gajo e queria que ele reparasse em
mim, então tinha mesmo de dar nas vistas. O diabinho venceu a disputa e eu
decidi-me a continuar.
E se eles não gostam do perfume e começam a
fazer caretas de enjoo?
Parei
outra vez. Era um perfume de marca que custara uma fortuna no Natal… podiam não
gostar, mas não havia razão nenhuma para eu sentir vergonha por cheirar assim.
Sacudi
a cabeça e tornei a arrancar, decidido a parar apenas quando chegasse à
esplanada… para o inferno o diabinho e o anjinho e a puta que os pariu. Ia
tirar esta merda toda a limpo e de uma vez por todas.
Cheguei
à esplanada cheio de confiança, mas essa confiança sumiu-se imediatamente
quando vi o Paulo, o Ricardo, o Chico e o Álvaro… o Duarte não estava... foda-se!
-
Pareces desapontado por nos ver! – lançou o Paulo com o seu olhar inquisidor,
tipo… “sei muito bem o que estás a pensar” – sem stress, Nuno, ele está lá
dentro…
Duplo foda-se… já perceberam todos e
estão a rir-se de mim!
E
estava mesmo toda a gente a olhar-me e a sorrir. Tinham percebido mesmo o que
eu estava a pensar, todos sabiam que eu estava apanhadinho pelo Duarte.
-
Quem?
Achei que estava reagir
corajosamente apesar de saber que estava a corar como de costume. O Paulo
revirou os olhos, fazendo um ar de… “olha, quem!?”; o Chico sorriu-me, cúmplice,
parecendo apoiar-me na minha resistência; o Álvaro olhava-me curioso, parecia
surpreendido e tinha razões para o estar, eu não costumava reagir assim com os
homens que me apareciam à frente, sempre fora o Pedro e mais ninguém,
geralmente não dava atenção nenhuma a quem se metia comigo; o Ricardo estava a
ignorar-me, ao menos isso.
-
O prior! – ouvi atrás de mim… o meu coração deu um salto contra as minhas
costelas e parou a seguir
Voltei-me
para trás e abri a boca. Não consegui disfarçar minimamente, nem sequer pensei
nisso, o meu cérebro parou como de costume, o meu coração já estava parado, por
isso… não consegui falar.
-
Olá outra vez, Nuno! – ele sorria-me – ainda bem que vieste…
A
sua voz a abraçar-me docemente, os seus olhos brilhavam, não sei se divertidos
como habitualmente, se satisfeitos com a minha reação… se calhar as duas coisas
juntas. Por mim não consegui dizer nada e só conseguia ter dois pensamentos… um
era que ele estava barbeado, vestido com umas bermudas azuis que lhe assentavam
divinamente e um polo vermelho justo, tapando mas ao mesmo tempo exibindo o seu
peito forte e largo… fiquei sem fôlego… o outro pensamento foi que era bom ter
ficado de costas para o resto do pessoal, assim pelo menos não podiam ver a
minha reação de pasmo e de…
-
Atrasaste-te! – acusou ele – já tomámos café…
-
Não sabia que tinha hora marcada! – respondi nem sei bem como
Os
seus olhos cintilaram e a sua boca tremeu um pouco naquilo que quase pareceu um
sorriso.
-
Tens razão, não tinhas hora marcada. – o sorriso surgiu finalmente – e queres
café? Vou-te buscar um.
-
Não é preciso, obrigado, eu só tomo café de manhã. – consegui dizer depois de
engolir em seco
-
Então ficas com esta água… toma, eu vou buscar outra para mim. – ele
estendeu-me a garrafa e o copo que tinha na mão e eu agarrei-os sem saber de
que outra forma reagir… sorriu-me, nunca desviara os olhos de mim e desta vez
eu nunca conseguira desviar os olhos dele, devia ser hipnotizador, ou qualquer
coisa do género – senta-te aí! – disse aquilo num tom doce mas autoritário, que
não dava espaço para uma recusa da minha parte
-
Lindo menino! – lançou o Ricardo usando a expressão que o Duarte dissera ao
telefone…
Franzi o sobrolho, tal como
o Paulo fez ao ouvir o comentário do namorado e fiz-lhe cara feia… uma coisa
era o Duarte dizer-me aquilo, ele era deslumbrante e eu estava de cabeça à
banda com ele… outra coisa muito diferente era esta bosta estar a gozar comigo,
devia ser a vingança pelo que eu lhe dissera na noite anterior, mas estava
guardado para mim.
-
Foste andar de bicicleta com este calor? – perguntou o Paulo um bocado
apressadamente… viu-se bem que queria desviar a minha atenção
-
Fui. – respondi deitando água no copo até este ficar meio e depois bebendo-o de
um trago, mas não foi possível disfarçar, a tensão notava-se bem e eu ainda
agora chegara e já estava aborrecido… aquele Ricardo era um perfeito anormal… dasss…
-
Que foi? – o Duarte chegou com a sua água e sentiu imediatamente o ar pesado…
sentou-se e olhou em volta, acabando por se fixar em mim.
É
claro que me viu de sobrolho franzido a olhar o Ricardo, que agora parecia
muito concentrado a sacudir um grão de pó imaginário da perna… claro que
percebeu que devia ter havido uma troca de galhardetes entre nós, já o vira
antes.
-
Estava a perguntar ao Nuno como é que ele conseguiu ir andar de bicicleta com
este calor. – o Paulo fez um esforço para parecer despreocupado, mas vi-o bem a
apertar a perna do namorado para o controlar ou não sei… eles estavam sentados
nos bancos de pedra, num ‘L’ em torno da mesa e eu estava numa das cadeiras de
realizador do outro lado, portanto mais alto e dando-me uma boa visão do que se
passava
-
Gostas mesmo de transpirar, não é? Não te chegou a corrida?
O
tom do Duarte era uma deliciosa provocação, ele sabia dar um duplo sentido às
frases mais triviais, tornando-as excitantes, mas eu já estava aborrecido e
estava quase imune, até a ele. Encolhi os ombros e levei o copo à boca sem lhe
responder… os seus olhos faiscaram e tive a certeza absoluta que desta vez não
gostou da minha reação.
Vi
o Chico de olhos esbugalhados a olhar para mim e não percebi o que lhe poderia
estar a passar pela cabeça… o Álvaro tinha o seu ar de gozo habitual, ao menos
esse estava normal, nunca falhava; tranquilo como sempre, estava-lhe tudo a
passar completamente ao lado e exibia o ar atento e descontraído de quem está
muito contente a assistir a uma novela na televisão ou qualquer coisa do género.
-
Estás bem, Nuno? – o olhar do Duarte era penetrante – aquilo correu mesmo bem?
-
Sim. – relaxei um pouco – correu como previsto…
-
Vês? – piscou-me o olho e eu senti-me melhor
-
Que íntimos, dá gosto ver! – o Ricardo parecia em polvorosa
Foda-se meu, não és mesmo capaz de
manter a boca fechada…
Ainda
estava a pensar no que lhe havia de responder quando o Duarte se virou para ele
a deitar chispas pelos olhos… achei que o que não me dissera a mim, ia soltar
em cima do tipo… o olhar ‘matador’ e o tom de voz mais frio e duro que eu
ouvira.
-
Qual é o teu problema, Ricardo? Tu gostas de provocar, não gostas?
-
Eu? – o outro abriu os olhos bem abertos
-
Sim, tu! – o Duarte foi agressivo – agora gostava de perceber qual é o teu
problema… se estás apaixonado pelo Nuno, se o teu problema é o Paulo gostar de
se meter com ele… ou se és simplesmente uma cobra venenosa…
O
outro não respondeu… calou-se parecendo em choque.
-
Eia Duarte…
-
Nem abras a boca, Paulo! – o tom do Duarte era seco e levantou logo a mão para interromper
o amigo, parecia irritado – se não tens controlo sobre ele, não tens controlo
sobre ele e pronto, ninguém te leva a mal por isso, agora se ficas calado
quando ele solta o seu veneno, ficas calado em todas as circunstâncias!
Fiquei
de boca aberta… eu detestava aquelas coisas…
-
Então e a praia estava boa? – perguntei de repente, eu não gostava mesmo nada daquelas
cenas
-
Muito boa, divertimo-nos muito! – disse logo o Chico – foi uma pena não teres
vindo…
-
Pois foi. – o Duarte virou-se para mim também, ainda se notava a irritação no
seu tom, mas conseguiu sorrir – porque é que não foste se aquilo correu bem?
-
Não me apeteceu! – disse consciente que não era a resposta certa, o franzir de
sobrolho do Duarte mostrou-me que eu tinha razão nisso – estive a ouvir música
e a acabar a massa do pão, amanhã vamos cozer uma fornada para a semana… depois
fui andar de bicicleta para extravasar…
-
Cozes pão? – o seu olhar tornou-se curioso, aquilo surpreendera-o
-
Sim! – respondi-lhe – tenho de ajudar lá em casa…
-
Que lindo menino… ajuda os pais…
Aquilo
devia ser mais forte que ele. O tipo devia ter algum tipo de compulsão… por mim
tive vontade de me levantar e espetar um murro naquela sua cara de anormal.
Aquilo atingira-me em cheio, falarem nos meus pais era das poucas coisas que me
desarmavam e o Duarte viu-o bem. Virou-se para o Ricardo furioso…
-
Ele não tem pais, Ricardo, o teu veneno chegou ao ponto de se tornar cruel! – o
outro abriu a boca, estremecendo – agora fica a saber uma coisa, se voltares proferir
uma palavra à minha frente, levas um par de estalos aqui mesmo… fui claro?
Ele
falou com uma calma que me deixou boquiaberto, com um tom que me gelou. O outro
inspirou profundamente e ficou de respiração suspensa.
-
Fui suficientemente claro, Ricardo? – insistiu autoritário… eu senti-me mal…
-
Também não é preciso…
-
É preciso sim, Nuno! – levantou a mão para me calar mim também, o seu tom
continuava brusco, apesar de ligeiramente mais suave comigo – e eu bem vi, ele gosta
de te provocar, mas agora ultrapassou os limites aceitáveis, ele que engula o
seu veneno…
-
É melhor eu ir-me embora…
O
Duarte virou-se diretamente para mim. Os seus olhos eram uma trovoada de
relâmpagos ameaçadora. Agora também já estava irritado comigo.
-
Não mexes um dedo sequer! – disse com a mesma calma super intimidante – ficas
aí sentado, quieto e calado, se fazes favor, entendeste bem?
Abri
os olhos de espanto e engoli em seco… eia,
meu… continuava lindo à mesma, parecia que ainda era mais excitante
zangado, mas ele não tinha nada de me falar assim… e não gostei, não gostei
mesmo… e além disso estava demasiado enervado com tudo para me deixar pisar
mais… a frase a seguir fez-me perder o controlo.
-
Quietinho!
Estremeci…
mas eu sou algum cão ou quê?
-
Senão o quê? Dás-me um par de estalos a mim também?
Tenho
perfeita consciência que fui bruto e que fui desafiador, sei que o fui mesmo, fiz
de propósito e mantive o olhar, sabia que também estava de sobrolho franzido…
já não estava era a gostar daquela merda. Todos os olhos se fixaram nele e pude
ver um conjunto de emoções que ele não conseguiu disfarçar, nem sei se tentou…
apanhei-o desprevenido, mas foi um segundo apenas, rapidamente a surpresa
desapareceu do seu olhar para ser substituída por um novo lampejo de fúria… os
seus olhos faiscaram ferozes e recebi o olhar ‘matador’ antes de os ver
brilharem de excitação logo a seguir… foi isso mesmo, pura excitação, sei bem
ver isso num homem… mas que porra?
-
Não faço semelhante coisa! – disse calmamente e com um sorriso que mal se viu –
agora eu quero-te aqui comigo e portanto, se te fores embora terei de ir atrás
de ti…
-
E porque é que havias de fazer uma coisa dessas? – acalmei-me logo, mas continuei
de sobrolho franzido…
Eu
gosto de ti, meu, mas tu não mandas em mim!
Os
seus olhos pareciam devorar a minha reação…
-
Repito… quero-te aqui comigo e vou atrás de ti… não consigo imaginar qual possa
ser o resultado de uma cena dessas numa aldeia deste tamanho…
Abri
a boca pasmado… nunca me tinham falado assim. Ele falou num tom baixo, mas
perfeitamente claro; era um tom duro, mas super sensual. O seu olhar era
autoritário e tudo aquilo era ao mesmo tempo uma ameaça velada e uma promessa
super excitante… juro que nunca me tinham dito nada parecido, nem que tivesse
em mim o mesmo efeito…
-
Isso é uma promessa? – ainda tentei combater e parecer petulante, mas já tinha
a cabeça completamente a andar à roda
-
É mais que isso, Nuno, é uma garantia… como vives aqui e toda a gente te
conhece, eu no teu caso optaria por permanecer sentado…
Percebi
que ele me tinha vencido uma fração de segundo antes dele e ainda vi o brilho
de triunfo nos seus olhos, antes de desviar os meus… peguei novamente no copo e
bebi mais um golo, olhando o Chico e odiando-o por ele estar a sorrir… amigos de merda!
Fiquei
todo lixado com aquilo, fiquei mesmo… com o anormal do Ricardo, com o Paulo,
com o Chico por se estar a rir, com o Álvaro por também não ter dito nada… e
fiquei mais ainda com ele, por não me ter deixado ir embora, por… senti-me a
amuar, não consegui resistir, estava ferver e não era no bom sentido.
Mas
que porra!
Sentia
o seu olhar frequente, mas nunca me disse nada, nem sequer tentou envolver-me
na conversa. Não o olhei uma única vez, nem abri a boca, mas via bem que ele me
mantinha controlado, isso era flagrante, mantinha-me debaixo de olho, mas não
me forçou a intervir como me forçara a ficar. Passou-se mais de meia hora. Os
outros falavam normalmente sobre a nova subida do gás, mas eu não disse nada e,
apesar de já começar a ficar aborrecido, o meu consolo era que o Ricardo
parecia tão amuado como eu.
Sobressaltei-me
com uma ideia súbita…
Foda-se, o Ricardo é que tem obrigação de
aguentar estas merdas, ele é que é sustentado pelo namorado e tem que comer e
calar… eu não… ele não gosta que lhe digam que não… temos pena!
O
Duarte olhou imediatamente para mim, inquisitivo, estava mesmo atento, vira-me
agitar-me e tentava perceber o que se passara. Eu peguei no copo de água e bebi
o resto… depois peguei na garrafa e fingi concentrar-me a ler o rótulo. Era
isso mesmo… o que é que estava a acontecer comigo? O que é que eu estava ali a
fazer? Ele era deslumbrante e podre de bom, mas não era meu namorado, não me
sustentava e decididamente não mandava em mim… não que eu me importasse muito
se ele quisesse mandar em mim… o que se passava era que ele tinha uma merda de
um efeito em mim que me deixava paralisado e incapaz de pensar, isso é que era
a verdade, mas não passava disso… nem sequer percebi o que ele queria de mim…
queria-me saltar para cima? Fogo, bastava dizer, não era preciso aquela merda…
ou estava à espera que eu lhe pedisse? Se calhar era isso, estava à espera que
eu fosse atrás a pedir…
Pois
podes esperar sentado, cabrão!
-
Queres mais? – ouvi
-
Não obrigado. – respondi, tentando não parecer demasiado amuado
-
Vou buscar outra e dividimos. – disse simpaticamente, sorrindo de olhos fixos
nos meus penetrantemente, estava a adivinhar-me o pensamento? Duvidava muito,
se estivesse não me sorria e ainda menos tinha acabado por se levantar para
entrar no bar.
É mesmo isso, porra… ele sorri e eu
fico abananado a olhar para ele, deu-me um beijo e eu fiquei caidinho por ele?
Há mais homens…
-
Eu vou-me embora! – disse levantando-me assim que ele desapareceu e não tinha
hipótese de me ver
Olhou-me
toda a gente com uma expressão perplexa, até o parvalhão do Ricardo… quase tive
vontade de rir…
É isso mesmo, abelhas, eu não sou nenhum
sustentado, não tenho de comer e calar… já fiz isso tempo demais, já chega!.
-
Até logo!
Virei-lhes
as costas, desci as escadas rapidamente e afastei-me dali. Primeiro a andar a
passo largo até à esquina e depois a correr para desaparecer dali o mais
depressa que fosse possível. Eu não conhecia o outro e não sabia como ele ia
reagir, mas parecia demasiado mandão para… podia não fazer nada e estar a
gozar, afinal parecia que se divertiam a gozar comigo, mas não queria arriscar.
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