terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Tu és meu - 5 (conto gay)

Para ver início - cap1


5


            Estava sem saber o que fazer, tinha-me recusado a ir almoçar com a família e isso motivara uma discussão com o meu avô… estava a sentir-me mal, detestava que o meu avô se zangasse comigo, mas não queria mesmo ir almoçar com eles. Não os queria ouvir a contar as histórias do Brasil, não queria ouvir como se tinham divertido, como tinha sido maravilhoso. Eu não queria ver o Pedro e não podia explicar porquê, simplesmente não queria estar na mesma sala que ele… assim fariam um almoço de família só deles, filho, pais e avós, sem o primo a estorvar.

            Fui ver a massa do pão, no dia seguinte iria ajudar a minha avó a cozer. Costumava ser ao domingo, mas com a chegada deles, a minha avó tinha decidido adiar, até porque no dia seguinte era feriado, o 10 de Junho, o dia de Portugal, de Camões e doutra cena qualquer que eu não me lembrava o que era… das comunidades, acho que era isso…

            Eu sempre adorei cozer pão, sempre adorei ajudar a minha avó a faze-lo e foi sempre uma birra porque eu queria fazer tudo, desde o amassar, a por a lenha no forno… tudo. O resultado foi que agora tinha sido o melhor do meu curso nessa tarefa; acho que o meu pão cozido estava tão bom como o do formador… a minha colega Helena até me disse que estava melhor, mas ela não era exatamente credível porque gostava de mim e tudo o que eu fazia era melhor do que o dos outros, mesmo as coisas que me saíam uma merda. Tive de sorrir… coitada, eu gostava dela, mas não como ela queria, não era capaz de estar com uma miúda, não me atraiam minimamente… já percebera há muito tempo que gostava de homens, mesmo vendo que os homens não gostavam de mim.

            Repentinamente veio-me à ideia o homem na praia a bater uma a olhar para mim… arrepiei-me… desses dispenso!

            Sacudi a cabeça para afastar a ideia… a massa do pão estava boa e eu estava a precisar desesperadamente de uma coisa que me ocupasse o cérebro e não me deixasse pensar.

            Fui buscar os fones do telemóvel e fui-me deitar na rede a ouvir música… rádio orbital em altos berros era o que eu mais precisava naquele momento, sempre gostara de música e sempre adorara este posto de rádio. E agora estava mesmo numa fase em que a música era o único prazer que eu tinha na vida e aquele posto era definitivamente o meu favorito, a música que lá passava era exatamente o que eu gostava… ‘house music’… música de carros de choque, como o Pedro lhe chamava… parolo.

            Sorri ao ligar o rádio… este ano estava a ter novamente um verão com músicas fantásticas. O verão de 2011 tinha sido extraordinário, já 2012 tivera algumas músicas fixes, mas nada que desse grande pica… este ano estava a ser absolutamente ‘super’ outra vez… ritmo, batidas fantásticas e letras super fixes, estava a ser um bom ano… dava prazer ouvir música.

 

            Sempre gostei de estar ali na rede, só ouvir os pássaros nas árvores, o som do mar ao longe, ou a ouvir música com o sol a morder-me o corpo… mas agora aquilo porque eu ansiava quando me deitava ali não voltaria a acontecer, estava sempre à espera que o Pedro aparecesse e ele agora tinha mulher, deviam estar de mão dada a comer e a explicar como estavam deprimidos por ter de regressar do paraíso…

            Oh não!

            Como se não bastassem os meus pensamentos para me deprimir, a rádio passa a minha música com ele… foda-se… ‘Got 2 luv you’. Já era velha, já tinha saído do circuito, o que é que fez este tipo pô-la a tocar?… aguentei-a muito pouco, assim que chegou ao refrão não aguentei mais… «I… I would do anything I could for you… boy, you’re my only»… foda-se… levantei-me num salto e desliguei o rádio… assim não, assim era demais.

            O problema estava na minha cabeça, ele nem nunca tinha percebido o que eu queria dizer… tinha gostado da ideia, mas não tinha ouvido a letra, não a tinha entendido, não se tinha esforçado para perceber porque é que eu tinha dito que era a nossa música, não tivera nenhum significado para ele… eu fiz tudo o que pude por ele, dei o meu máximo para o satisfazer, fiz tudo o que ele quis, deixei-o fazer comigo tudo o que lhe apeteceu, dei o meu melhor para lhe agradar e no final… não fora suficiente.

            Meti o telefone no bolso e fui até à minha bicicleta. Pedalei furiosamente pelo Meco em direção ao parque de campismo da falésia. Não queria ir lá, não queria tomar café, queria apenas estafar-me, estafar-me até o meu cérebro ficar incapaz de pensar no que quer que fosse.

            Acabei à beira da falésia, do lado esquerdo do parque de campismo, uma zona deserta, de difícil acesso, onde poucos veículos conseguiam ir se não fossem todo o terreno. No final da descida ficava uma pequena praia rodeada de rochas, aí estavam parados bastantes carros… de veraneantes e de pescadores, mas eu não desci muito, saí da estrada e avancei pelo terreno até chegar à ponta do penhasco e ficar a olhar o mar. Estava calor e àquela hora não havia ninguém por ali, os carros com os namorados para… esses apareciam mais tarde. Eu já estivera ali com o Pedro, nus em frente ao mar, de corpos colados a ver o por do sol, cansados depois de… foder… nós nunca fizemos amor, eu sim mas ele não, portanto não era possível, pois não?

            O telefone tocou… mensagem.

            «Eles estão-te a convidar para almoçar» dizia o SMS do Chico

            Ah, sim! Tenho mesmo dinheiro para isso!… bufei

            «Sem cheta. Não dá» respondi logo

            «O Paulo está a convidar. Ele paga»

            Aposto que o namoradinho vai adorar!

            Tive de sorrir. Não sabia bem o que estava a acontecer com o Paulo, nem percebia bem o que ele queria de mim. Que ele gostava de putos, isso era certo, mas porquê eu? Eu não sou bonito como o namorado, não gosto de ser sustentado, não sou culto, não…

            Mas tenho pinta, foda-se… e gosto de agradar, simplesmente não sou do tipo ‘sim amor’, nunca fui nem nunca hei de ser.

            «Estou a andar de bicicleta. Longe, todo transpirado. Obrigado, mas hoje não dá» escrevi e enviei…

            Tive de me rir, o Duarte nem se atrevera a convidar-me depois da cena de ontem, ou então não estava com eles. Sobressaltei-me… se não estava com eles, estaria onde? Franzi o sobrolho… oh que porra, era mesmo o que me faltava agora…

            «O Paulo diz que vai ficar chateado contigo»

            Mas o que é que estes gajos queriam? Irra, meu… nem respondi.

Se fosse o Duarte ainda era capaz de hesitar, mesmo não gostando da ideia dele me pagar o almoço, agora o Paulo? Era giro e tudo isso, mas não era o Duarte… além disso tinha namorado. O Duarte já era de outra categoria, não era giro, era lindo, não tinha bom corpo, era podre de bom… tinha um ar fino e sofisticado, era muito simpático e tinha aquele seu sorriso que fazia um santo perder a cabeça… mas era de um nível muito acima do meu. Dera-me um beijo e tudo, mas aquilo nem fora bem um beijo, porra, fora quase um beijo de irmão ou isso…

Seria possível que não houvesse um homem que me quisesse?

 

            Atirei a bicicleta ao chão e fui-me sentar numa rocha na ponta da falésia, amuado. Claro que aquilo não era bem verdade… eu sabia bem que o Pedro tivera prazer comigo, tantos anos a procurar-me provavam-no; o não resistir-me quando era eu a procura-lo também o provava. Depois o Chico gostava de mim e só se envolvera e se apaixonara pelo Álvaro porque eu estava com o Pedro e ele era muito ciumento. O próprio Álvaro, apesar de andar com o meu melhor amigo, só não me saltou para cima porque eu nunca lhe dei espaço para isso. Agora o Paulo parecia estar a… nem sei bem o que ele estava a fazer, mas não era bem normal ter-se um namorado e ser-se tão simpático com outro gajo, pelo menos para mim não era normal; se calhar gostavam de números a três, mas não tinham hipótese nenhuma… nem eu gostava do Ricardo, nem ele gostava de mim, portanto… um número a três com o Álvaro e o Chico já podia ser um caso a pensar…

            O telefone tocou… o número era identificado, mas não o conhecia, nem estava na minha lista. Atendi.

            - Porque não vens almoçar? – o tom de voz era brusco… dasss…

            Era o Paulo… devia ser outro que não estava muito habituado a receber recusas, acredito nisso com facilidade; com aquele namorado que vivia às suas custas, devia estar habituado a ser tratado nas palminhas… fosse como fosse, não estava na lista das pessoas que me podiam falar assim.

            - Quem fala? – perguntei igualmente brusco

            - É o prior de Freixo de Espada à Cinta! – o tom tornou-se sarcástico e eu soltei uma gargalhada, não foi possível resistir

            - Como está, senhor prior? – lembrei-me duma fala qualquer, de um livro qualquer que tivera de ler quando andava na escola normal… ele às vezes era engraçado, era o tipo de homem que me podia dar a volta se não tivesse um namorado

            - Porque não vens almoçar? – repetiu num tom de voz mais doce, senti que estava a sorrir como eu – estou muito dececionado…

            - Eu juro que não percebo qual é a tua… já me dou suficientemente mal com o teu namorado para tu ainda provocares mais, não achas?

            - Coitadinho… isso é injusto… e tu prometeste que ias ser um doce comigo!

            - Eu? Quando é que eu te prometi isso?

            - Hoje de manhã.

            O meu coração deu um pulo e deve ter ficado outra vez entalado na minha garganta porque eu fiquei novamente sem conseguir respirar.

            - Estás aí Nuno? – pareceu-me sentir alguma ansiedade na sua voz, mas não devia ser maior que a minha naquele momento

            - Duarte? – perguntei a medo, sem saber bem o que pensar

            - Mais conhecido por senhor prior. – o tom de voz tornou-se brincalhão, devia estar a rir-se de mim

            Foda-se.

            - Porque é que me ligaste?

            - Porque quero saber porque não vens almoçar… já te perguntei duas vezes e continuas sem responder!

            Porra.

            No seu tom notava-se alguma impaciência. Era outro que também não devia estar muito habituado a ser contrariado.

            - É que eu não estou em casa, estou a andar de bicicleta, estou todo transpirado e… pronto… é isso…

            Calei-me subitamente, corando por aquilo me ter saído tudo em rajada e atabalhoadamente… ele punha-me nervoso.

            Já não sabia se queria, ou não, que ele percebesse o que me passava pela cabeça, aliás, nem devia ser preciso ser-se muito inteligente para perceber… mas o tipo intimidava-me e eu queria tanto que… eu estava a gostar daquilo… não era só lindo e podre de bom, era diferente dos outros, era diferente do Pedro, tinha o mesmo estilo… austero e distante, mas não ao estilo machão parolo como o Pedro, era mais ao estilo educado e confiante; superior e dominante, mas não ao estilo bruto, era mais ao estilo sofisticado e misterioso… não sei explicar bem…

            - Ouviste o que te disse?

            Estremeci.

            - Não. – confessei hesitante

            - Pode saber-se porquê?

            A sua voz tornou-se distante, um bocado fria.

            - Porque estava a pensar noutras coisas. – confessei fechando os olhos com toda a força… por favor, não fiques chateado!

            Fez-se silêncio por alguns segundos.

            - Estás bem?

            - Sim… correu tudo bem, fiz como disseste e depois fui tomar duche e disse que não queria almoçar com eles…

            Calei-me outra vez… mas que porra, porque é que ele me punha tão nervoso?

            - Então vem almoçar connosco…

            - Não, Duarte, obrigado, por favor não insistas…

            - Eu tenho ideia de te ter dito que não gostava de ouvir a palavra ‘não’…

            - Desculpa! – tive de me rir – mas não me apetece comer e estou longe de casa e todo transpirado…

            - E desatento porque não me estavas a ouvir! – o seu tom endureceu outra vez

            - Isso também.

            - Então vou-me repetir… – ele não parecia nada satisfeito – e vou tornar a dizer-te o que vais fazer… vais pegar na bicicleta e vais para casa… vais tomar um novo duche e depois vais tomar café connosco… pode ser? – falou com autoridade enquanto me explicava detalhadamente o que queria, mas o seu tom adoçou-se novamente no final, quando me perguntou se podia ser

            - Sim. – foi a minha resposta depois de engolir sem seco

            - Lindo menino! – a sua voz agora era só mel, doce mesmo – na esplanada da noite de ontem… está bem?

            - Sim. – repeti sentindo-me um perfeito imbecil

            Dasss… porque é que eu ficava assim com ele? Mesmo ao telefone? Isto não era normal.

            - Então até já!

            O tom despreocupado de quem está satisfeito por ter conseguido aquilo que queria. Fiquei a olhar para o mar de boca aberta e com a cabeça vazia…

Puta que pariu isto tudo, meu...

            E o pior disto tudo é que eu queria muito ir, queria ir ter com ele, estar com ele, queria sentir o seu olhar, queria ver o seu sorriso, queria olhar para ele… sabia bem que não me ia dar mais beijos, mas queria mesmo estar com ele, o homem era lindo ao ponto de uma pessoa perder a cabeça.

            Era impossível saber se ele estava interessado em mim ou não… às vezes parecia que sim, outras que não. Porque é que ele havia de me tratar assim se não estivesse interessado? Porque é que me havia de ter dado o beijo? Porque é que me havia de telefonar e… mas porque é que havia de estar interessado em mim? Eu bem via a forma como o Ricardo o olhava, até o Chico… sabia perfeitamente como me sentia ao pé dele, toda a gente se devia sentir como eu e ele devia estar mais que habituado a isso… de certeza que estava.

            Raios partam, porque é que só tenho coisas a lixarem-me a cabeça?

            Mas ia ver o que se passava, ia tirar aquilo a limpo e ia portar-me bem, estava decidido… ignorava as porcarias do Ricardo, as provocações do Paulo e ia resistir ao Duarte…

            Eu sou perfeitamente capaz de o tratar como se fosse uma pessoa normal… disse para mim próprio.

            Levantei-me e voltei a casa absolutamente decidido a acabar com aquilo de forma triunfante.

            Banho rápido mas cuidado, barba rapada ainda com mais cuidado, perfume, as calças de ganga na noite anterior, que eram as melhores e as mais justas que eu tinha, uma t-shirt castanha, a Helena dizia-me que eu ficava super bem com aquela t-shirt, que ficava bem de castanho. Olhei-me no espelho e gostei do que vi… não sou podre de bom, nunca fui, mas tenho o corpo bem definido e não achei que estivesse mal.

            Estava pronto.

 

            Saí a pé, calmamente para não transpirar. De minha casa ao centro do Meco era longe se eu seguisse pelas estradas, mas se fosse pelo meio dos quintais era rápido e não custava nada, além disso havia mais sombra. Senti o cheiro do meu perfume e comecei a stressar… tinha posto demais, parecia aquelas velhas peruas que entram num sítio e empestam o ambiente, nunca mais se consegue cheirar mais nada que o perfume delas… e ainda por cima eles podiam não gostar do meu perfume… e se eles não gostassem? Eram betinhos, sabiam dessas coisas, tinham perfumes caros e de marca.

            Parei com a cabeça a andar à roda. Pensei em voltar para trás e tomar outro duche.

            Porra, Nuno… até o meu cérebro estava a perder a paciência comigo.

            Era a história do anjinho e do diabinho, um de cada lado da minha cabeça, um a dizer-me para ser um bom menino, para ser discreto, para voltar para casa e tomar o duche… o outro a dizer-me para fazer uma entrada triunfante e ignorar as parvoíces, a dizer-me que se gostava do gajo e queria que ele reparasse em mim, então tinha mesmo de dar nas vistas. O diabinho venceu a disputa e eu decidi-me a continuar.

            E se eles não gostam do perfume e começam a fazer caretas de enjoo?

            Parei outra vez. Era um perfume de marca que custara uma fortuna no Natal… podiam não gostar, mas não havia razão nenhuma para eu sentir vergonha por cheirar assim.

            Sacudi a cabeça e tornei a arrancar, decidido a parar apenas quando chegasse à esplanada… para o inferno o diabinho e o anjinho e a puta que os pariu. Ia tirar esta merda toda a limpo e de uma vez por todas.

 

            Cheguei à esplanada cheio de confiança, mas essa confiança sumiu-se imediatamente quando vi o Paulo, o Ricardo, o Chico e o Álvaro… o Duarte não estava... foda-se!

            - Pareces desapontado por nos ver! – lançou o Paulo com o seu olhar inquisidor, tipo… “sei muito bem o que estás a pensar” – sem stress, Nuno, ele está lá dentro…

            Duplo foda-se… já perceberam todos e estão a rir-se de mim!

            E estava mesmo toda a gente a olhar-me e a sorrir. Tinham percebido mesmo o que eu estava a pensar, todos sabiam que eu estava apanhadinho pelo Duarte.

            - Quem?

Achei que estava reagir corajosamente apesar de saber que estava a corar como de costume. O Paulo revirou os olhos, fazendo um ar de… “olha, quem!?”; o Chico sorriu-me, cúmplice, parecendo apoiar-me na minha resistência; o Álvaro olhava-me curioso, parecia surpreendido e tinha razões para o estar, eu não costumava reagir assim com os homens que me apareciam à frente, sempre fora o Pedro e mais ninguém, geralmente não dava atenção nenhuma a quem se metia comigo; o Ricardo estava a ignorar-me, ao menos isso.

            - O prior! – ouvi atrás de mim… o meu coração deu um salto contra as minhas costelas e parou a seguir

            Voltei-me para trás e abri a boca. Não consegui disfarçar minimamente, nem sequer pensei nisso, o meu cérebro parou como de costume, o meu coração já estava parado, por isso… não consegui falar.

            - Olá outra vez, Nuno! – ele sorria-me – ainda bem que vieste…

            A sua voz a abraçar-me docemente, os seus olhos brilhavam, não sei se divertidos como habitualmente, se satisfeitos com a minha reação… se calhar as duas coisas juntas. Por mim não consegui dizer nada e só conseguia ter dois pensamentos… um era que ele estava barbeado, vestido com umas bermudas azuis que lhe assentavam divinamente e um polo vermelho justo, tapando mas ao mesmo tempo exibindo o seu peito forte e largo… fiquei sem fôlego… o outro pensamento foi que era bom ter ficado de costas para o resto do pessoal, assim pelo menos não podiam ver a minha reação de pasmo e de…

            - Atrasaste-te! – acusou ele – já tomámos café…

            - Não sabia que tinha hora marcada! – respondi nem sei bem como

            Os seus olhos cintilaram e a sua boca tremeu um pouco naquilo que quase pareceu um sorriso.

            - Tens razão, não tinhas hora marcada. – o sorriso surgiu finalmente – e queres café? Vou-te buscar um.

            - Não é preciso, obrigado, eu só tomo café de manhã. – consegui dizer depois de engolir em seco

            - Então ficas com esta água… toma, eu vou buscar outra para mim. – ele estendeu-me a garrafa e o copo que tinha na mão e eu agarrei-os sem saber de que outra forma reagir… sorriu-me, nunca desviara os olhos de mim e desta vez eu nunca conseguira desviar os olhos dele, devia ser hipnotizador, ou qualquer coisa do género – senta-te aí! – disse aquilo num tom doce mas autoritário, que não dava espaço para uma recusa da minha parte

            - Lindo menino! – lançou o Ricardo usando a expressão que o Duarte dissera ao telefone…

Franzi o sobrolho, tal como o Paulo fez ao ouvir o comentário do namorado e fiz-lhe cara feia… uma coisa era o Duarte dizer-me aquilo, ele era deslumbrante e eu estava de cabeça à banda com ele… outra coisa muito diferente era esta bosta estar a gozar comigo, devia ser a vingança pelo que eu lhe dissera na noite anterior, mas estava guardado para mim.

            - Foste andar de bicicleta com este calor? – perguntou o Paulo um bocado apressadamente… viu-se bem que queria desviar a minha atenção

            - Fui. – respondi deitando água no copo até este ficar meio e depois bebendo-o de um trago, mas não foi possível disfarçar, a tensão notava-se bem e eu ainda agora chegara e já estava aborrecido… aquele Ricardo era um perfeito anormal… dasss…

            - Que foi? – o Duarte chegou com a sua água e sentiu imediatamente o ar pesado… sentou-se e olhou em volta, acabando por se fixar em mim.

            É claro que me viu de sobrolho franzido a olhar o Ricardo, que agora parecia muito concentrado a sacudir um grão de pó imaginário da perna… claro que percebeu que devia ter havido uma troca de galhardetes entre nós, já o vira antes.

            - Estava a perguntar ao Nuno como é que ele conseguiu ir andar de bicicleta com este calor. – o Paulo fez um esforço para parecer despreocupado, mas vi-o bem a apertar a perna do namorado para o controlar ou não sei… eles estavam sentados nos bancos de pedra, num ‘L’ em torno da mesa e eu estava numa das cadeiras de realizador do outro lado, portanto mais alto e dando-me uma boa visão do que se passava

            - Gostas mesmo de transpirar, não é? Não te chegou a corrida?

            O tom do Duarte era uma deliciosa provocação, ele sabia dar um duplo sentido às frases mais triviais, tornando-as excitantes, mas eu já estava aborrecido e estava quase imune, até a ele. Encolhi os ombros e levei o copo à boca sem lhe responder… os seus olhos faiscaram e tive a certeza absoluta que desta vez não gostou da minha reação.

            Vi o Chico de olhos esbugalhados a olhar para mim e não percebi o que lhe poderia estar a passar pela cabeça… o Álvaro tinha o seu ar de gozo habitual, ao menos esse estava normal, nunca falhava; tranquilo como sempre, estava-lhe tudo a passar completamente ao lado e exibia o ar atento e descontraído de quem está muito contente a assistir a uma novela na televisão ou qualquer coisa do género.

            - Estás bem, Nuno? – o olhar do Duarte era penetrante – aquilo correu mesmo bem?

            - Sim. – relaxei um pouco – correu como previsto…

            - Vês? – piscou-me o olho e eu senti-me melhor

            - Que íntimos, dá gosto ver! – o Ricardo parecia em polvorosa

            Foda-se meu, não és mesmo capaz de manter a boca fechada…

            Ainda estava a pensar no que lhe havia de responder quando o Duarte se virou para ele a deitar chispas pelos olhos… achei que o que não me dissera a mim, ia soltar em cima do tipo… o olhar ‘matador’ e o tom de voz mais frio e duro que eu ouvira.

            - Qual é o teu problema, Ricardo? Tu gostas de provocar, não gostas?

            - Eu? – o outro abriu os olhos bem abertos

            - Sim, tu! – o Duarte foi agressivo – agora gostava de perceber qual é o teu problema… se estás apaixonado pelo Nuno, se o teu problema é o Paulo gostar de se meter com ele… ou se és simplesmente uma cobra venenosa…

            O outro não respondeu… calou-se parecendo em choque.

            - Eia Duarte…

            - Nem abras a boca, Paulo! – o tom do Duarte era seco e levantou logo a mão para interromper o amigo, parecia irritado – se não tens controlo sobre ele, não tens controlo sobre ele e pronto, ninguém te leva a mal por isso, agora se ficas calado quando ele solta o seu veneno, ficas calado em todas as circunstâncias!

            Fiquei de boca aberta… eu detestava aquelas coisas…

            - Então e a praia estava boa? – perguntei de repente, eu não gostava mesmo nada daquelas cenas

            - Muito boa, divertimo-nos muito! – disse logo o Chico – foi uma pena não teres vindo…

            - Pois foi. – o Duarte virou-se para mim também, ainda se notava a irritação no seu tom, mas conseguiu sorrir – porque é que não foste se aquilo correu bem?

            - Não me apeteceu! – disse consciente que não era a resposta certa, o franzir de sobrolho do Duarte mostrou-me que eu tinha razão nisso – estive a ouvir música e a acabar a massa do pão, amanhã vamos cozer uma fornada para a semana… depois fui andar de bicicleta para extravasar…

            - Cozes pão? – o seu olhar tornou-se curioso, aquilo surpreendera-o

            - Sim! – respondi-lhe – tenho de ajudar lá em casa…

            - Que lindo menino… ajuda os pais…

            Aquilo devia ser mais forte que ele. O tipo devia ter algum tipo de compulsão… por mim tive vontade de me levantar e espetar um murro naquela sua cara de anormal. Aquilo atingira-me em cheio, falarem nos meus pais era das poucas coisas que me desarmavam e o Duarte viu-o bem. Virou-se para o Ricardo furioso…

            - Ele não tem pais, Ricardo, o teu veneno chegou ao ponto de se tornar cruel! – o outro abriu a boca, estremecendo – agora fica a saber uma coisa, se voltares proferir uma palavra à minha frente, levas um par de estalos aqui mesmo… fui claro?

            Ele falou com uma calma que me deixou boquiaberto, com um tom que me gelou. O outro inspirou profundamente e ficou de respiração suspensa.

            - Fui suficientemente claro, Ricardo? – insistiu autoritário… eu senti-me mal…

            - Também não é preciso…

            - É preciso sim, Nuno! – levantou a mão para me calar mim também, o seu tom continuava brusco, apesar de ligeiramente mais suave comigo – e eu bem vi, ele gosta de te provocar, mas agora ultrapassou os limites aceitáveis, ele que engula o seu veneno…

            - É melhor eu ir-me embora…

            O Duarte virou-se diretamente para mim. Os seus olhos eram uma trovoada de relâmpagos ameaçadora. Agora também já estava irritado comigo.

            - Não mexes um dedo sequer! – disse com a mesma calma super intimidante – ficas aí sentado, quieto e calado, se fazes favor, entendeste bem?

            Abri os olhos de espanto e engoli em seco… eia, meu… continuava lindo à mesma, parecia que ainda era mais excitante zangado, mas ele não tinha nada de me falar assim… e não gostei, não gostei mesmo… e além disso estava demasiado enervado com tudo para me deixar pisar mais… a frase a seguir fez-me perder o controlo.

            - Quietinho!

            Estremeci… mas eu sou algum cão ou quê?

            - Senão o quê? Dás-me um par de estalos a mim também?

            Tenho perfeita consciência que fui bruto e que fui desafiador, sei que o fui mesmo, fiz de propósito e mantive o olhar, sabia que também estava de sobrolho franzido… já não estava era a gostar daquela merda. Todos os olhos se fixaram nele e pude ver um conjunto de emoções que ele não conseguiu disfarçar, nem sei se tentou… apanhei-o desprevenido, mas foi um segundo apenas, rapidamente a surpresa desapareceu do seu olhar para ser substituída por um novo lampejo de fúria… os seus olhos faiscaram ferozes e recebi o olhar ‘matador’ antes de os ver brilharem de excitação logo a seguir… foi isso mesmo, pura excitação, sei bem ver isso num homem… mas que porra?

            - Não faço semelhante coisa! – disse calmamente e com um sorriso que mal se viu – agora eu quero-te aqui comigo e portanto, se te fores embora terei de ir atrás de ti…

            - E porque é que havias de fazer uma coisa dessas? – acalmei-me logo, mas continuei de sobrolho franzido…

Eu gosto de ti, meu, mas tu não mandas em mim!

            Os seus olhos pareciam devorar a minha reação…

            - Repito… quero-te aqui comigo e vou atrás de ti… não consigo imaginar qual possa ser o resultado de uma cena dessas numa aldeia deste tamanho…

            Abri a boca pasmado… nunca me tinham falado assim. Ele falou num tom baixo, mas perfeitamente claro; era um tom duro, mas super sensual. O seu olhar era autoritário e tudo aquilo era ao mesmo tempo uma ameaça velada e uma promessa super excitante… juro que nunca me tinham dito nada parecido, nem que tivesse em mim o mesmo efeito…

            - Isso é uma promessa? – ainda tentei combater e parecer petulante, mas já tinha a cabeça completamente a andar à roda

            - É mais que isso, Nuno, é uma garantia… como vives aqui e toda a gente te conhece, eu no teu caso optaria por permanecer sentado…

            Percebi que ele me tinha vencido uma fração de segundo antes dele e ainda vi o brilho de triunfo nos seus olhos, antes de desviar os meus… peguei novamente no copo e bebi mais um golo, olhando o Chico e odiando-o por ele estar a sorrir… amigos de merda!

 

            Fiquei todo lixado com aquilo, fiquei mesmo… com o anormal do Ricardo, com o Paulo, com o Chico por se estar a rir, com o Álvaro por também não ter dito nada… e fiquei mais ainda com ele, por não me ter deixado ir embora, por… senti-me a amuar, não consegui resistir, estava ferver e não era no bom sentido.

Mas que porra!

            Sentia o seu olhar frequente, mas nunca me disse nada, nem sequer tentou envolver-me na conversa. Não o olhei uma única vez, nem abri a boca, mas via bem que ele me mantinha controlado, isso era flagrante, mantinha-me debaixo de olho, mas não me forçou a intervir como me forçara a ficar. Passou-se mais de meia hora. Os outros falavam normalmente sobre a nova subida do gás, mas eu não disse nada e, apesar de já começar a ficar aborrecido, o meu consolo era que o Ricardo parecia tão amuado como eu.

            Sobressaltei-me com uma ideia súbita…

            Foda-se, o Ricardo é que tem obrigação de aguentar estas merdas, ele é que é sustentado pelo namorado e tem que comer e calar… eu não… ele não gosta que lhe digam que não… temos pena!

            O Duarte olhou imediatamente para mim, inquisitivo, estava mesmo atento, vira-me agitar-me e tentava perceber o que se passara. Eu peguei no copo de água e bebi o resto… depois peguei na garrafa e fingi concentrar-me a ler o rótulo. Era isso mesmo… o que é que estava a acontecer comigo? O que é que eu estava ali a fazer? Ele era deslumbrante e podre de bom, mas não era meu namorado, não me sustentava e decididamente não mandava em mim… não que eu me importasse muito se ele quisesse mandar em mim… o que se passava era que ele tinha uma merda de um efeito em mim que me deixava paralisado e incapaz de pensar, isso é que era a verdade, mas não passava disso… nem sequer percebi o que ele queria de mim… queria-me saltar para cima? Fogo, bastava dizer, não era preciso aquela merda… ou estava à espera que eu lhe pedisse? Se calhar era isso, estava à espera que eu fosse atrás a pedir…

Pois podes esperar sentado, cabrão!

            - Queres mais? – ouvi

            - Não obrigado. – respondi, tentando não parecer demasiado amuado

            - Vou buscar outra e dividimos. – disse simpaticamente, sorrindo de olhos fixos nos meus penetrantemente, estava a adivinhar-me o pensamento? Duvidava muito, se estivesse não me sorria e ainda menos tinha acabado por se levantar para entrar no bar.

            É mesmo isso, porra… ele sorri e eu fico abananado a olhar para ele, deu-me um beijo e eu fiquei caidinho por ele? Há mais homens…

            - Eu vou-me embora! – disse levantando-me assim que ele desapareceu e não tinha hipótese de me ver

            Olhou-me toda a gente com uma expressão perplexa, até o parvalhão do Ricardo… quase tive vontade de rir…

            É isso mesmo, abelhas, eu não sou nenhum sustentado, não tenho de comer e calar… já fiz isso tempo demais, já chega!.

            - Até logo!

            Virei-lhes as costas, desci as escadas rapidamente e afastei-me dali. Primeiro a andar a passo largo até à esquina e depois a correr para desaparecer dali o mais depressa que fosse possível. Eu não conhecia o outro e não sabia como ele ia reagir, mas parecia demasiado mandão para… podia não fazer nada e estar a gozar, afinal parecia que se divertiam a gozar comigo, mas não queria arriscar.

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