6
A
última coisa que me apetecia era ir para casa, nem era muito boa ideia porque
ele podia lá ir à minha procura. O Chico também estava todo derretido com ele e
tenho a certeza que o levava a todos os sítios onde eu costumo ir…
Porra… ele não fazia isso, ou fazia?.
O
Chico sabia que sim, mas o Duarte… eu estava a achar-me mais do que era. Não,
ele não ia perder tempo atrás de mim. Eu não o conhecia, mas ele parecia ser um
gajo duro e autoritário, dera-o a entender bem, devia ser como o Pedro ou pior…
dasss, ainda agora me livrei de um e já estou
interessado noutro igual… como é que isto é possível?… estaria eu destinado
a só ter homens assim? Parei subitamente… eu
estou doido com ele… sou eu que gosto de homens assim?… abri a boca de
espanto… seria possível?
E para onde é que eu havia
de ir agora?
Vi
o ribeiro e o parque das merendas ao longe. Eu costumava ir brincar para lá
quando era garoto, chapinhar na água e esconder-me dos carros que passavam na
ponte… eram os invasores que me perseguiam e eu tinha de fugir e me esconder
deles… sorri ao pensar naquilo. Era um bom sítio para me esconder e estava
deserto como de costume.
Encostei-me
num banco, escondido da vista da estrada. Queria ouvir música, mas não podia,
tinha desligado o telefone. Ouvia os pássaros e o riacho e os carros a passar…
motores mais potentes, menos potentes, alguns eram um verdadeiro rugido de um
avião… o Meco sempre fora o sítio onde os ricos de Lisboa iam passar férias, fins de semana ou só almoçar, onde iam fazer praia, exibir
os automóveis… sempre ali tinha visto gente muito rica… e os famosos da
televisão.
Estendi-me
no banco de pedra… estava meio à sombra, meio ao sol e comecei a sentir-me
mole… que horas seriam? Não fazia ideia porque tinha o telemóvel desligado,
deviam ser umas três ou quatro da tarde. Cruzei os braços, aborrecido por não
ter nada que fazer…
Mas que porra… como é que eu me meto nestas
merdas? A culpa é daquele palhaço!
O
que é que eles estariam a fazer? Teriam ido à minha procura? Era pouco
provável, o mais certo era ele ter encolhido os ombros e pensado ‘que se foda o
garoto’… e agora que pensava nisso, fora uma ideia um bocado agarotada, mas
também… quem gosta de garotos tem de aguentar o pack completo.
Ria-me
da ideia, mas ocorreu-me que ele não demonstrara gostar de garotos… o Paulo
sim, o Paulo eu sabia que gostava, agora o Duarte… ele também, de certeza… pelo
menos gostara de mim, defendera-me contra o Ricardo e até enfrentara o amigo
quando devia estar a ficar na casa dele… e tentou agradar-me, pagou-me a água… e
deu-me um beijo. Mas não foi só isso, ele disse que me queria lá com ele…
porque é que havia de o dizer se não quisesse, não é? E depois há ainda a
maneira como me olhou quando eu lhe perguntei se me dava o par de estalos… os
olhos dele ficaram iguais aos do Pedro quando eu me roçava nele para o
provocar…
Eu sei muito bem o que é desejo na cara de
um homem, pensei categórico… pelo menos naquele momento desejara-me, disso eu
tinha a certeza absoluta… a não ser que fosse só o desejo de me dar os estalos.
Sentia-me completamente
confundido, não sabia o que pensar. Não estava nada habituado àquilo e a
pessoas assim.
Estava
a ficar com sede. Levantei-me para ir ver se a bica deitava água. Claro que não…
dasss…
Voltei
a sentar-me de braços cruzados, cada vez mais aborrecido. Naquele momento até
um par de estalos me estava a parecer melhor do que estar ali sozinho feito
parvo… mas a ideia dos estalos, mais a conversa das palmadas e o olhar
‘matador’ eram um bocadinho preocupantes. Mais o ‘sim senhor’ e o ‘não gosto
que me digam que não’.
As
palmadas não faziam mal nenhum… sorri com a ideia. O Pedro, quando estava mais
excitado dava-me palmadas quando me estava a… mas eu gostava, ou habituara-me,
não sei. E gostava do seu estilo mandão… eu gostava de homens assim, a minha
avó sempre fora assim e eu estava mais que habituado… e depois o Pedro a mesma
coisa, a controlar-me e a mandar em mim… até a Elsa. Aquilo devia ser o meu
estilo.
O
Chico bem gostou do dia que eu estive com ele, dissera que também gostava dos
tipos assim mais brutos… claro que eu só fiz com ele o que o Pedro costumava
fazer comigo, não sei fazer sexo doutra maneira, é o ‘tudo ou nada’… até o
achei um bocado apagado. Mas ele gostou… sei que disse ao Álvaro que eu era bom
na cama porque ele mostrou-se logo muito interessado em estar comigo… se calhar
também disse ao Paulo e ao ‘palhaço’…
Levantei-me
outra vez, estava a ficar excitado e era mesmo só o que me faltava. Fome, sede
e tusa… que grande porra!
Decidi
que já chegava daquilo, esgotara-se-me a paciência para tretas.
Fui
para casa… eu não iria deixar-me intimidar por ideias parvas… ainda mais porque
o mais certo era o outro estar em casa a dormir a sesta, ou uma coisa do
estilo…
Sou mesmo anormal também… fogo! Ri-me
arrancando em passo rápido.
Só
havia um carro parado em frente ao café, mas chegava para captar a atenção de
quem passava. Eu nunca liguei muito a carros, mas aquele era realmente
deslumbrante. Era um descapotável de dois lugares, azul… muito bonito mesmo. Vi
que era um BMW Z4 e era fantástico, o tipo de carro em que até uma pessoa como
eu repara.
Wow, que bomba!… pensei antes de me
ocorrer que realmente o dinheiro estava muito mal distribuído, uns a passar
necessidades com o raio da crise e outros a nadar em dinheiro… algum parasita que vive à conta do povo…
sorri pensando na expressão que o meu avô usava, o meu avozinho que sempre
tivera muito pouco apesar de trabalhar de sol a sol, toda a sua vida sem
enriquecer e que sempre fora comunista por causa disso.
-
Olá Nuno!
Virei-me
e o sorriso desapareceu-me dos lábios mais depressa do que tinha surgido…
-
Foda-se! – foi a única palavra que o meu cérebro conseguiu processar
Já
disse que o meu cérebro tinha tendência a parar na presença daquele tipo, não
foi? Pois… além de só ter conseguido processar aquela palavra, o filtro
desligou-se com o susto… pensei-a e disse-a.
Mas
ali estava ele, absolutamente deslumbrante, absolutamente estonteante e
absolutamente capaz de fazer o meu cérebro parar de funcionar. Umas calças de
ganga justas com um rasgão na perna esquerda, que concentrou imediatamente o
meu olhar e depois, a custo, consegui ver um polo branco de uma marca caríssima,
que lhe assentava na perfeição e que, daquela cor, como todos os que vestia, parecia
mais exibir o seu corpo delicioso do que propriamente esconde-lo.
Sim,
‘foda-se’ era a única palavra que poderia fazer jus ao momento.
-
Portanto, gostaste de ver o carro, mas o dono nem por isso… certo?
A
sua expressão fez-me empalidecer, senti-o perfeitamente, tão bem como me senti a
corar logo a seguir. Os seus olhos faiscaram e franziu o sobrolho, percebi
perfeitamente que achara que eu não ficara feliz por o ver… de certa forma era
verdade, mas não pelas razões que ele imaginava.
-
Não é verdade… – consegui dizer, sentindo-me orgulhoso por ter conseguido falar
-
Ah não? Então? – colocou a cabeça ligeiramente de lado, curioso, e toda a sua
expressão mostrava que esperava uma justificação – geralmente a palavra
‘foda-se’ é aplicada numa situação indesejada, não é assim? – acrescentou vendo
que eu não respondia… só esperava que não percebesse que eu bloqueara outra vez
Foda-se, Nuno… o meu cérebro gritava,
mas o pânico de não querer dizer nada estúpido, mais o deslumbre de estar à
frente do homem mais bonito que já vira na minha vida, mais a vergonha de estar
cheio de vontade de desatar a correr dali para fora outra vez… eram coisas
demais para processar ao mesmo tempo. Bloqueei.
A
sua expressão suavizou-se e o meu pânico aumentou achando que ele estava a
analisar o efeito que tinha em mim… puta
que pariu, meu!… desprezo era a acusação daquele meu pensamento. Tinha
perfeita consciência disso.
-
Não estás chateado comigo, estás? – fez um daqueles sorrisos que mostram apenas
um bocadinho dos dentes e que podia ser interpretado como estando ele divertido
com a minha expressão, ou podia ser de gozo pela minha reação – não queria nada
que ficasses chateado comigo outra vez por causa das porcarias do Ricardo!
-
Não? – abri a boca de espanto e depois de ter dito aquilo percebi que o meu
cérebro continuava diretamente ligado à língua e que o filtro continuava
completamente apagado
-
Surpreende-te isso? – agora era claramente o sorriso de divertimento que lhe
bailava nos lábios – porquê a surpresa?
-
O que é que estás aqui a fazer? – perguntei um bocado mais brusco do que tinha
planeado
-
Bom, tu fugiste de mim, não foi? – disse ele cautelosamente
-
Vieste atrás de mim? – foi impossível evitar um sobressalto
Encolheu
os ombros, novamente a sorrir.
-
Não te disse que o faria? Eu costumo cumprir as minhas promessas, já to tinha
dito.
-
O que é que vais fazer? – entrei imediatamente em stress
-
Nem sei bem, nunca ninguém me tinha fugido antes!
A
sua expressão era de confusão e desconsolo… mesmo sabendo que estava a fingir e
a gozar comigo, achei piada e tive de sorrir… ele era mesmo fantástico. Tinha
pinta em tudo o que fazia.
-
Aposto que não!
-
E no entanto… tu fugiste! – acusou e o seu olhar tornou-se novamente intenso…
acabei por não aguentar e baixar os olhos
-
Desculpa! – disse em perfeito choque por ter proferido aquela palavra… porque é
que eu estava a pedir desculpas? Aquilo não era normal… ele devia estar a
controlar alguma parte do meu cérebro, porque eu estava a dizer e a fazer
coisas que não queria
-
Queres tomar um café ou uma água comigo? – o seu sorriso voltou uma vez mais,
talvez até mais aberto que antes… percebi que gostara da minha reação e que,
decididamente, gostara que a minha reação imediata fosse ter-lhe pedido
desculpas – eu gostava muito que aceitasses...
Aquilo
não me pareceu um pedido, não sei bem porquê. O seu tom de voz era doce,
persuasor e agora eu não conseguia desviar os olhos dele, estava completamente
envolvido pela sua expressão e completamente estasiado para que o conseguisse
fazer…
-
Está bem.
-
Aqui? – indicou a esplanada com a cabeça – eu sei que estamos perto de tua
casa… mas de qualquer maneira ele já nos viu juntos, não foi? – devia referir-se
ao Sr. Roberto
-
Pode ser…
-
E vens sem fugir, ou tenho de te dar a mão para não me escapares?
Vi
novamente o seu ar provocador, sabia que me estava a gozar, mas mesmo assim
sobressaltei-me outra vez, os seus olhos quase que queimavam e não resisti a
olhar em volta para ver se estava alguém a olhar para nós… dar-me a mão?... aqui não… dasss!... o Duarte soltou uma
gargalhada.
-
Anda lá, Nuno, eu não faço escândalos em público!
Eu
segui-o mais descansado, o seu sorriso era contagiante e a sua gargalhada era
tão agradável, era muito melhor vê-lo assim do que a última vez que me falara,
parecera um cão feroz prestes a atirar-se à minha garganta. Sentia-me
intimidado com ele, mas isso iria sentir sempre, tinha a certeza disso,
intimidado por um lado e fascinado pelo outro. Era confuso. Eu estava
apanhadinho por ele, nunca me tinha sentido assim antes.
-
Senta-te! – ordenou, esperando que eu obedecesse antes de se virar finalmente
para o interior do café para fazer um sinal ao Sr. Roberto – há bocado fui à
porta fazer o pedido, mas não volto a correr esse risco contigo… não vás tu
desaparecer quando me apanhares de costas. – acrescentou, meio sério, meio
brincalhão, enquanto se sentava à minha frente – quero manter-te debaixo de
olho!
Sorri-lhe
atrapalhado… estava a adorar a forma como me olhava e como me falava, mesmo
estando a fazer-me sentir mal por ter fugido.
-
Eu não me fui embora por tua causa. – disse tentando justificar-me
-
Por acaso eu achei que não. Mas apanhaste-me pelas costas… nunca me tinha
acontecido uma coisa dessas! – riu-se divertido
-
De certeza que não! – disse sem duvidar minimamente… quem é que foge de um gajo como tu? – ficaste chateado?
-
Fiquei. Desobedeceste-me… – assentiu com a cabeça – e depois quando te quis
ligar e tinhas o telemóvel desligado… aí fiquei furioso!
-
Desculpa… não foi por tua causa! – eu nem queria acreditar que estava a pedir
desculpas outra vez… porra!
-
Olá Nuno!
Cumprimentei
o Sr. Roberto, mas o Duarte tomou logo conta da conversa pedindo duas águas de
meio litro, frescas e sem gás. O homem percebeu que estava a mais e afastou-se
sem grande conversa. Este tipo era assim, pedia o que queria e despedia as
pessoas… pronto. Fixou o seu olhar intenso em mim assim que o homem virou
costas.
-
Porque é que o fizeste? Diz-me…
Mais
uma vez não era um pedido. Concentrei-me para não gaguejar.
-
Não me estava a sentir bem. – encolhi os ombros, tentando dar um ar de quem não
está a ligar muito ao assunto, mas sentindo-me constrangido com aquilo tudo…
O seu olhar super perturbador,
as suas exigências, as suas ordens… por um lado estava a gostar de ter um tipo
assim interessado em mim e… enfim, um bocado como o Pedro fora comigo; mas por
outro estava a sentir-me intimidado… não que fosse mau, mas… corei quando o vi
a observar atentamente as minhas reações… achei que ele estava a seguir o meu
raciocínio, a ouvir o que eu estava a pensar…
-
Por causa do Ricardo? – perguntou suavemente
-
Também, mas era por todos… criei mau ambiente ontem e hoje outra vez… eu não
gosto de criar mau ambiente!
-
Não foste tu que o criaste, foi o Ricardo!
-
O Ricardo está com o namorado e os amigos, eu é que sou o penetra do grupo! –
argumentei feliz por estar a conseguir falar normalmente
-
O penetra de um grupo é o que está a mais! – foi categórico – e num grupo está
a mais quem não se integra. Foi o Ricardo que não se conseguiu integrar quando
tu chegaste, não foi?
-
Talvez…
-
Não estás convencido? – pareceu deliciado com a ideia, os seus olhos brilharam
com humor – caramba, Nuno, tu és mesmo um miúdo difícil…
-
Não sou nada! – protestei
-
És sim! – ele insistiu sempre a sorrir – eu já percebi isso muito bem.
Eu
ligara o telemóvel quando o Sr. Roberto aparecera com as águas, agora começou a
apitar… o dele apitou também.
-
O número que marquei já está disponível… – disse olhando-me com uma expressão
sardónica – que bom…
O
meu continuava a apitar.
-
Oito chamadas?
-
Uma delas não é minha. – respondeu candidamente
-
Ligaste-me sete vezes? – fixei-o nos olhos, estarrecido
-
É possível que esse seja um número aproximado, sim… – fez uma expressão de
inocência fingida e eu achei-o lindo… lindo…
-
Parece-me um bocadinho…
Fixou
os seus olhos nos meus… foi um olhar intenso, inquisidor, expectante…
-
Um bocadinho?... – incentivou-me, vendo que eu não conseguia encontrar a
palavra
-
Não sei bem…
-
Controlador? – arriscou levando o copo aos lábios
Ele estava a tentar
disfarçar as suas próprias emoções?
-
Por exemplo. – confirmei – controlador é uma boa palavra…
-
Sim… – assentiu pousando o copo sem desviar o olhar do meu – eu sou capaz de
ser um bocadinho controlador… o que pensas disso?
Encolhi
os ombros.
-
Não sei... – respondi vendo os seus olhos estremecerem – estou mais ou menos
habituado.
-
Ah sim? – desta vez não consegui perceber a sua expressão – o teu ex, além de
não ser carinhoso, também era controlador?
-
Não fazes ideia! – tive de sorrir
-
Faço sim! – foi a sua resposta num tom que me fez engolir em seco – consigo
imagina-lo perfeitamente.
O
que quereria ele dizer com aquilo?
-
Também és assim? – perguntei um bocado a medo
-
Assim como? Controlador e possessivo?
-
Sim. – confirmei sentindo-me de repente novamente intimidado
-
Não fazes ideia! – respondeu com a expressão que eu usara antes, mas não sorriu
como eu fizera – a minha dúvida é se…
O
toque do seu telemóvel interrompeu-o. Leu a mensagem.
-
Isto agora levanta-me um problema… – encarou-me depois e ler o SMS… eu fiquei
em silêncio, deviam ser os outros – queres jantar comigo?
-
Não! – respondi prontamente e categórico
Os
seus olhos faiscaram como sempre que não lhe davam a resposta que ele queria,
mas eu estava demasiado bem para me ir chatear com a merda do Ricardo e com as
parvoíces do Paulo… sentia-me cansado, tinha sido um dia intenso a todos os
níveis… físico e principalmente psicológico.
-
Só comigo? – insistiu adivinhando-me os pensamentos
-
Trocas os teus amigos para estar comigo? – o meu coração disparou logo, tipo…
TGV à velocidade máxima…
-
Assim! – sorriu estalando os dedos – só o Paulo é que é meu amigo, Nuno…
conheço o Ricardo há algum tempo e não gosto dele… até acho que para além do próprio
Paulo, pouca gente deve gostar… conheci o Chico e o Álvaro ontem, como te
conheci a ti… nenhum deles é meu amigo, só o Paulo é que é…
-
Eu também não sou…
-
Pois não. – o seu sorriso manteve-se inalterado – mas eu estou curioso contigo e
quero conhecer-te melhor…
A
sua expressão era inebriante… todo o seu corpo emitia sensualidade, parecia um
íman que me atraía para si… e as coisas que dizia… inspirei fundo para sentir
tudo, ele queria-me conhecer melhor… a mim…
Foda-se,
este tipo é fenomenal!
-
Eu não acho bem…
Manteve-se
o sorriso nos lábios, mas desapareceu dos seus olhos. Ele não parecia mesmo
nada do tipo que gosta de ser contrariado… dasss,
mesmo como o Pedro!
-
E o que é que tu não achas bem, pode saber-se?
A
sua voz continuava doce, mas já não emitia o calor de antes.
-
Que troques o teu amigo por mim.
-
Portanto não queres jantar comigo.
-
Quero mas…
-
Mas não queres jantar só comigo, apesar de não queres jantar com o Paulo e o
Ricardo…
-
Não é isso…
-
Então?
-
Estás-me a confundir! – bradei exasperado
-
Estou? – o seu sorriso voltou a alcançar-lhe os olhos – não era a minha
intenção…
-
Porque é que eu não acredito nisso? – estava a sentir-me frustrado
Encolheu
os ombros displicentemente.
-
Provavelmente porque és um miúdo difícil e desconfiado…
-
Eu não tenho dinheiro para jantar! – confessei sentindo-me mal, mas decidido a
mudar de assunto
-
E? – ele esforçou-se para não se rir – quem convida paga, não é?
-
Não no meu mundo!
-
Mas é no meu, por isso eu estou-te a convidar e gostava de te oferecer o
jantar… se é por essa razão não admito uma recusa! – foi categórico – a não ser
que ainda estejas com o trauma de ontem… convenci-me que já tínhamos resolvido
isso e que tínhamos voltado a ser amigos, até te deixei pagar-me o café…
-
Mas agora atiras-me à cara que te paguei o café?
-
Eu quero jantar contigo, Nuno e tu vais aceitar… entendeste?
Abria
boca, inspirando fundo… porra! Todo o seu estilo mudara completamente, foi
brusco e categórico na afirmação e no tom. Aquilo era uma ordem?
-
És sempre assim?! – exclamei espantado
-
Assim como?
-
Tão… tão… mandão?
-
Mandão?! – desta vez riu-se mesmo – a palavra certa é outra, mas acho que sim,
geralmente sou, surpreende-te?
-
Eu já tinha percebido que gostas de dar ordens…
-
Incomoda-te isso?
-
Não!
-
Eu fiquei com a ideia que estavas mais ou menos habituado…
-
Estou…
-
Mas estás farto, é isso?
Não, não é isso, muito menos contigo!
-
Qual é a palavra certa? – perguntei em vez do que pensara
-
Para um mandão, autoritário, controlador e possessivo? – o seu rosto tornou-se
sério e impenetrável, não gostei mas acenei com a cabeça – a palavra certa
seria dominador… aquele que gosta de controlar… que não gosta que lhe digam que
não… funciona em oposição ao submisso de que falámos de manhã…
Fiquei
sem saber o que dizer por um momento. E não aguentei o seu olhar, ele parecia
tenso… percebi bem que aquele era um momento importante para ele e…
Eu
não queria estar com pensamentos complicados naquele momento.
-
Queres mesmo jantar comigo? – perguntei cheio de vontade de aceitar
Vi-o
a descontrair, mordeu o lábio tentando manter-se sério. Era isso mesmo… quando
a informação é demais e há dificuldade de processamento, estabelecem-se
prioridades. A minha formadora de legislação tinha razão no que dizia… e
naquele momento a prioridade para mim era o jantar, por isso…
-
Há uma coisa que tens de aprender sobre mim, Nuno, agora que nos conhecemos melhor
e que somos amigos… eu não faço fretes, de nenhum tipo, sou mandão e se sou eu
que mando, só faço aquilo que quero… se te disse que quero jantar contigo é
porque quero… não gosto, nem admito, que duvides daquilo que digo!
Abri
a boca outra vez, aparvalhado… quem é que falava assim?
-
Mas… e eles? – perguntei depois de uns segundos para digerir
Tornou
a encolher os ombros.
-
Eu gostava de jantar com eles, sim, mas quero mais jantar contigo… se tu não
queres jantar com eles, as minhas alternativas são poucas, não achas?
-
Mas não é justo…
-
Mas também não é assim tão mau, Nuno… pelo menos para mim… a verdade é que eu estou
curioso em relação a ti e quero-te só para mim… como hoje de manhã, sem
confusões, sem distrações, sem amigos a incomodar e a provocar… só para mim…
-
Oh!
Parecia
um tolinho, de boca aberta a olhar para ele… porra!… nunca me tinham dito nada assim… quer dizer, o Pedro
dizia-me que eu só podia estar com ele e tinha ciúmes quando me via a falar com
outras pessoas, mas nunca me tinha dito nada daquele tipo… “quero-te só para
mim”… ponto.
-
Se continuares sem respirar vais acabar por desmaiar, Nuno… – ele sorria-me com
a sua expressão divertida estampada no rosto, estava a gozar a minha confusão –
claro que eu sei fazer respiração boca a boca e tenho a certeza que era capaz
de te reanimar, mas estamos ao pé da tua casa… tens a certeza que queres
arriscar?
Estremeci,
sentindo a cara a arder. Não, eu não devia estar corado, eu devia estar muito
para além disso. Fiquei a olhá-lo embasbacado, consciente, mas incapaz de
pensar, achei que o meu cérebro estava como o meu computador fica às vezes…
funcionava, mas estava a patinar…quase que via a bolinha a rodar, só faltava a
frase “please wait”… dasss… “quero-te só para mim”, era a única coisa que
repetia incessantemente, ele dissera aquilo porque eu ouvira bem…“quero-te só
para mim”.
-
Bloqueaste? – perguntou docemente, a sua expressão suavizara-se
Acenei
com a cabeça sem sequer tentar disfarçar… a minha capacidade de dissimulação
tinha sido obliterada, aliás, a maior parte do meu corpo estava completamente
desligado… só conseguia pensar no “quero-te só para mim” e no efeito que ele
tinha em mim, como é que ele conseguia pôr-me assim?
Ele
debruçou-se sobre a mesa, aproximando-se de mim com os olhos a brilhar.
-
Há uma parte de mim que gosta de te ver assim, tenho de confessar, ficas mais
dócil… mas também tenho gostado muito do Nuno desperto e provocador. – disse com
um sorriso enigmático – a verdade é essa… por isso vou-te dizer muito
claramente o que quero que faças… vais levantar-te e acompanhar-me ao carro…
sentas-te ao meu lado, apertas o cinto de segurança e vamos jantar só os dois…
entendes?
Aquilo
acordou-me… sacudi a cabeça… foda-se! Raios
partam o homem!
-
Eu estou todo transpirado… – argumentei pois era verdade, sentia a roupa colada
ao corpo
Ele
recuou, tornando a recostar-se na cadeira, olhando-me de sobrolho franzido.
-
Não vais desaparecer outra vez, vais? – perguntou desconfiado
Tive
de sorrir.
-
Não.
-
Prometes?
-
Prometo. – revirei os olhos com vontade de rir
-
Vais tomar duche, mudar de roupa e voltas aqui para irmos jantar…
Ele
frisou bem todos os passos de uma forma muito clara. Apertara os lábios numa
linha fina e o seu tom tornara-se mais seco.
-
Sim.
-
Não me vais deixar aqui à espera feito otário… – o seu tom tornou-se ameaçador
e os seus olhos pareciam sugar-me os pensamentos outra vez
-
Não. – engoli em seco – posso ir?
Quase
dei um salto ao ouvir-me, nem queria acreditar que lhe estava a pedir
permissão, mas a verdade é que toda a sua expressão me obrigava a faze-lo. Nunca
me tinha acontecido nada assim, nem com o Pedro… acho que nem com a minha avó. Os
seus olhos cintilaram num claro prazer e ele pareceu descontrair-se um pouco.
-
Podes. – disse com um meio sorriso antes de olhar para o relógio – são 19h05…
tens meia hora!
-
Está bem… até já!
Corri
para casa com o coração a bater… a bater não, aos pulos no peito, mas que
grande porra isto tudo. Eu estava completamente vidrado naquele tipo, dava-me a
volta à cabeça de uma forma que nunca tinha conhecido… era lindo, confiante,
super sexy… era deslumbrante. Nem queria acreditar que queria jantar comigo. E
disse que gostara de mim e me queria conhecer melhor… a mim…
Abri
a porta de casa e corri para a casa de banho a tirar a t-shirt… era verdade que
era um bocado possessivo e controlador e, pronto… dominador… tinha de ver bem o
que isso queria dizer… mas o que é que interessava? Eu estava mais que
habituado a isso com o Pedro e acordara a sentir falta disso… para estar com um
homem deslumbrante como o Duarte tinha de me deixar controlar por ele? Que
grande dilema…
Onde é que eu assino?... ri
Despi
as calças e abri a torneira… tirei os boxers e pensei entrar, mas a água ainda
devia estar gelada.
Agarrei
na toalha e enrolei-a à cintura… os meus avós deviam estar a chegar… não queria
andar nu por ali quando eles entrassem. Corri para o meu quarto baixando-me
para espreitar para o relógio da cozinha… 19h10…
Porra!!
Vi
o bilhete que deixara aos meus avós à tarde, dizendo que ia tomar café e depois
à praia. Corri para a mesa da cozinha e dobrei-o para escrever outra coisa…
“Vou jantar fora com o Chico e uns amigos e depois vamos para o centro. Não
tenho hora para chegar, está bem? Não se preocupem comigo! Até amanhã”.
Eu
já tinha chegado muito tarde várias vezes. Eles não tinham gostado, mas não se
preocupavam demais porque sabiam que eu não saía da aldeia, sabiam que se
acontecesse alguma coisa, toda a gente me conhecia e eles eram logo avisados.
Sabia que se preocupavam à mesma, mas não tanto como se soubessem que eu saía dali
para ir para Sesimbra, ou Setúbal, ou até Lisboa.
Corri
outra vez para o quarto… de qualquer maneira eu não ia dormir fora. Estanquei à
porta… ou iria? Seria possível?
Tornei
a baixar-me para ver o relógio através do arco da cozinha… 19h14…
Porra outra vez!!
Corri
para o duche metendo-me debaixo da água perfeitamente consciente que estava em
stress… era ele que me deixava assim. Aquele devia ser o terceiro duche que eu
tomava naquele dia, ou era o quarto?
Ok, vamos lá raciocinar, meu…
Ele
não deu a entender que me queria assim, para a cama, disse apenas que gostava
de mim e me queria conhecer melhor… mas disse que me queria só para ele… e se
gosta de gajos e gosta de mim…
Fogo, vai-me querer… e eu também posso
ajudar um bocadinho a que me queira!... sorri com a ideia.
Abri
a torneira da água fria e dei um salto, mas aguentei um segundo ou dois. Depois
fechei as duas e comecei a secar-me rapidamente. Olhei para as calças no chão…
não podia usar aquelas calças, eram as minhas melhores, mas já não estavam
capazes. Passei a escova pelo cabelo e escovei os dentes muito
superficialmente… corri para o quarto espreitando para o relógio… 19h19…
Três vezes porra!!
Os
meus melhores boxers, as segundas melhores calças… tinham um rasgão no joelho
que eu adorava e outro na parte de trás, na perna esquerda abaixo do traseiro,
não se via nada demais, mas o Pedro dizia que aquele rasgão despertava a
imaginação e não gostava que eu as usasse. Veria o que o Duarte pensaria, eram
as minhas favoritas porque eram justas e as que eu achava que me ficavam
melhor, mas tinham o problema dos rasgões e não as podia usar em todas as
circunstâncias. Meias curtas pelo artelho, os ténis azuis e o meu único polo…
fora o Pedro que mo dera… queria usa-lo na noite em que mais me iria esforçar
para lhe arranjar um substituto.
Podes ficar com a tua mulherzinha,
abelha… eu vou arranjar um muito melhor que tu… nem que me rebente todo!!
Pronto.
19h25.
Um
olhar final ao espelho…
Perfeito…
e ainda tinha 10 minutos… suspirei de alívio.
Estava
a caminho da porta quando vi o computador… estava ligado… corri para lá e abri
a net… digitei ‘dominado…’ e apareceu-me logo a sugestão certa… dominador e
sub.
Apareceram-me
imensas páginas, mas cliquei na primeira, a wikipedia. Senti os olhos a saltarem-me
da cara quando comecei a ler… a primeira parte falava de sadismo… isso eu sabia
o que era, já vira séries na televisão sobre o assunto, mas depois dizia que
podia não haver isso e o meu coração abrandou um pouco… porra, isso não…
“(…)
os ingredientes principais da relação, que se baseia no prazer de se
doar pelo submisso e no de comandar pelo dominante (…)”
Isso
eu já tinha percebido, não precisava de ler em lado nenhum.
“(…)
mas é importante que o submisso atenda o dominador sempre.”
Tipo…
‘não gosto que me digam que não’… também já tinha percebido isso… tanta coisa,
afinal parece que eu já sabia muito bem o que isto era.
“É
comum no D/s, que o dominador dite os detalhes e os afazeres do dia do seu
submisso, que no caso de falha deverá ser punido de alguma forma. O spanking
é uma das formas de punição”
Cliquei
para ver o que era isso e era mais uma coisa que eu já sabia… eram as famosas
palmadas… voltei à página anterior.
“A
relação D/s difere da SM, tende a ser mais romântica de uma certa forma por
envolver supostamente mais sentimentos entre dominante e dominado podendo
eventualmente se transformar em relações muito profundas.”
Desliguei
o computador… 19h31…
Já
sabia alguma coisa, estava dentro do horário e não tinha visto nada de
assustador… nada de novo, nem nada de diferente daquilo a que eu estava
habituado… e tinha lido que as relações se poderiam tornar profundas e com
sentimentos românticos…
Gostei,
gostei mesmo.
Eu
não me importava nada de ter uma relação profunda com o Duarte, estava
completamente enfeitiçado por ele… nem me importava nada de fazer o que ele
queria, pelo contrário, adorava que ele quisesse que eu lhe fizesse alguma
coisa… a ideia das palmadas era o pior, porque não me importava nada de lhe
dizer ‘sim senhor’, ou de fazer o que ele queria… se as relações podiam ser
mais que levar porrada como no SM… então não me importava minimamente.
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