quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Tu és meu - 6 (conto gay)

Para ver inicio - cap1

6


            A última coisa que me apetecia era ir para casa, nem era muito boa ideia porque ele podia lá ir à minha procura. O Chico também estava todo derretido com ele e tenho a certeza que o levava a todos os sítios onde eu costumo ir…

            Porra… ele não fazia isso, ou fazia?.

            O Chico sabia que sim, mas o Duarte… eu estava a achar-me mais do que era. Não, ele não ia perder tempo atrás de mim. Eu não o conhecia, mas ele parecia ser um gajo duro e autoritário, dera-o a entender bem, devia ser como o Pedro ou pior… dasss, ainda agora me livrei de um e já estou interessado noutro igual… como é que isto é possível?… estaria eu destinado a só ter homens assim? Parei subitamente… eu estou doido com ele… sou eu que gosto de homens assim?… abri a boca de espanto… seria possível?

E para onde é que eu havia de ir agora?

            Vi o ribeiro e o parque das merendas ao longe. Eu costumava ir brincar para lá quando era garoto, chapinhar na água e esconder-me dos carros que passavam na ponte… eram os invasores que me perseguiam e eu tinha de fugir e me esconder deles… sorri ao pensar naquilo. Era um bom sítio para me esconder e estava deserto como de costume.

            Encostei-me num banco, escondido da vista da estrada. Queria ouvir música, mas não podia, tinha desligado o telefone. Ouvia os pássaros e o riacho e os carros a passar… motores mais potentes, menos potentes, alguns eram um verdadeiro rugido de um avião… o Meco sempre fora o sítio onde os ricos de Lisboa iam passar férias, fins de semana ou só almoçar, onde iam fazer praia, exibir os automóveis… sempre ali tinha visto gente muito rica… e os famosos da televisão.

 

            Estendi-me no banco de pedra… estava meio à sombra, meio ao sol e comecei a sentir-me mole… que horas seriam? Não fazia ideia porque tinha o telemóvel desligado, deviam ser umas três ou quatro da tarde. Cruzei os braços, aborrecido por não ter nada que fazer…

            Mas que porra… como é que eu me meto nestas merdas? A culpa é daquele palhaço!

            O que é que eles estariam a fazer? Teriam ido à minha procura? Era pouco provável, o mais certo era ele ter encolhido os ombros e pensado ‘que se foda o garoto’… e agora que pensava nisso, fora uma ideia um bocado agarotada, mas também… quem gosta de garotos tem de aguentar o pack completo.

            Ria-me da ideia, mas ocorreu-me que ele não demonstrara gostar de garotos… o Paulo sim, o Paulo eu sabia que gostava, agora o Duarte… ele também, de certeza… pelo menos gostara de mim, defendera-me contra o Ricardo e até enfrentara o amigo quando devia estar a ficar na casa dele… e tentou agradar-me, pagou-me a água… e deu-me um beijo. Mas não foi só isso, ele disse que me queria lá com ele… porque é que havia de o dizer se não quisesse, não é? E depois há ainda a maneira como me olhou quando eu lhe perguntei se me dava o par de estalos… os olhos dele ficaram iguais aos do Pedro quando eu me roçava nele para o provocar…

            Eu sei muito bem o que é desejo na cara de um homem, pensei categórico… pelo menos naquele momento desejara-me, disso eu tinha a certeza absoluta… a não ser que fosse só o desejo de me dar os estalos.

Sentia-me completamente confundido, não sabia o que pensar. Não estava nada habituado àquilo e a pessoas assim.

 

            Estava a ficar com sede. Levantei-me para ir ver se a bica deitava água. Claro que não… dasss

            Voltei a sentar-me de braços cruzados, cada vez mais aborrecido. Naquele momento até um par de estalos me estava a parecer melhor do que estar ali sozinho feito parvo… mas a ideia dos estalos, mais a conversa das palmadas e o olhar ‘matador’ eram um bocadinho preocupantes. Mais o ‘sim senhor’ e o ‘não gosto que me digam que não’.

            As palmadas não faziam mal nenhum… sorri com a ideia. O Pedro, quando estava mais excitado dava-me palmadas quando me estava a… mas eu gostava, ou habituara-me, não sei. E gostava do seu estilo mandão… eu gostava de homens assim, a minha avó sempre fora assim e eu estava mais que habituado… e depois o Pedro a mesma coisa, a controlar-me e a mandar em mim… até a Elsa. Aquilo devia ser o meu estilo.

            O Chico bem gostou do dia que eu estive com ele, dissera que também gostava dos tipos assim mais brutos… claro que eu só fiz com ele o que o Pedro costumava fazer comigo, não sei fazer sexo doutra maneira, é o ‘tudo ou nada’… até o achei um bocado apagado. Mas ele gostou… sei que disse ao Álvaro que eu era bom na cama porque ele mostrou-se logo muito interessado em estar comigo… se calhar também disse ao Paulo e ao ‘palhaço’…

            Levantei-me outra vez, estava a ficar excitado e era mesmo só o que me faltava. Fome, sede e tusa… que grande porra!

            Decidi que já chegava daquilo, esgotara-se-me a paciência para tretas.

            Fui para casa… eu não iria deixar-me intimidar por ideias parvas… ainda mais porque o mais certo era o outro estar em casa a dormir a sesta, ou uma coisa do estilo…

            Sou mesmo anormal também… fogo! Ri-me arrancando em passo rápido.

 

            Só havia um carro parado em frente ao café, mas chegava para captar a atenção de quem passava. Eu nunca liguei muito a carros, mas aquele era realmente deslumbrante. Era um descapotável de dois lugares, azul… muito bonito mesmo. Vi que era um BMW Z4 e era fantástico, o tipo de carro em que até uma pessoa como eu repara.

            Wow, que bomba!… pensei antes de me ocorrer que realmente o dinheiro estava muito mal distribuído, uns a passar necessidades com o raio da crise e outros a nadar em dinheiro… algum parasita que vive à conta do povo… sorri pensando na expressão que o meu avô usava, o meu avozinho que sempre tivera muito pouco apesar de trabalhar de sol a sol, toda a sua vida sem enriquecer e que sempre fora comunista por causa disso.

            - Olá Nuno!

            Virei-me e o sorriso desapareceu-me dos lábios mais depressa do que tinha surgido…

            - Foda-se! – foi a única palavra que o meu cérebro conseguiu processar

            Já disse que o meu cérebro tinha tendência a parar na presença daquele tipo, não foi? Pois… além de só ter conseguido processar aquela palavra, o filtro desligou-se com o susto… pensei-a e disse-a.

            Mas ali estava ele, absolutamente deslumbrante, absolutamente estonteante e absolutamente capaz de fazer o meu cérebro parar de funcionar. Umas calças de ganga justas com um rasgão na perna esquerda, que concentrou imediatamente o meu olhar e depois, a custo, consegui ver um polo branco de uma marca caríssima, que lhe assentava na perfeição e que, daquela cor, como todos os que vestia, parecia mais exibir o seu corpo delicioso do que propriamente esconde-lo.

            Sim, ‘foda-se’ era a única palavra que poderia fazer jus ao momento.

            - Portanto, gostaste de ver o carro, mas o dono nem por isso… certo?

            A sua expressão fez-me empalidecer, senti-o perfeitamente, tão bem como me senti a corar logo a seguir. Os seus olhos faiscaram e franziu o sobrolho, percebi perfeitamente que achara que eu não ficara feliz por o ver… de certa forma era verdade, mas não pelas razões que ele imaginava.

            - Não é verdade… – consegui dizer, sentindo-me orgulhoso por ter conseguido falar

            - Ah não? Então? – colocou a cabeça ligeiramente de lado, curioso, e toda a sua expressão mostrava que esperava uma justificação – geralmente a palavra ‘foda-se’ é aplicada numa situação indesejada, não é assim? – acrescentou vendo que eu não respondia… só esperava que não percebesse que eu bloqueara outra vez

            Foda-se, Nuno… o meu cérebro gritava, mas o pânico de não querer dizer nada estúpido, mais o deslumbre de estar à frente do homem mais bonito que já vira na minha vida, mais a vergonha de estar cheio de vontade de desatar a correr dali para fora outra vez… eram coisas demais para processar ao mesmo tempo. Bloqueei.

            A sua expressão suavizou-se e o meu pânico aumentou achando que ele estava a analisar o efeito que tinha em mim… puta que pariu, meu!… desprezo era a acusação daquele meu pensamento. Tinha perfeita consciência disso.

            - Não estás chateado comigo, estás? – fez um daqueles sorrisos que mostram apenas um bocadinho dos dentes e que podia ser interpretado como estando ele divertido com a minha expressão, ou podia ser de gozo pela minha reação – não queria nada que ficasses chateado comigo outra vez por causa das porcarias do Ricardo!

            - Não? – abri a boca de espanto e depois de ter dito aquilo percebi que o meu cérebro continuava diretamente ligado à língua e que o filtro continuava completamente apagado

            - Surpreende-te isso? – agora era claramente o sorriso de divertimento que lhe bailava nos lábios – porquê a surpresa?

            - O que é que estás aqui a fazer? – perguntei um bocado mais brusco do que tinha planeado

            - Bom, tu fugiste de mim, não foi? – disse ele cautelosamente

            - Vieste atrás de mim? – foi impossível evitar um sobressalto

            Encolheu os ombros, novamente a sorrir.

            - Não te disse que o faria? Eu costumo cumprir as minhas promessas, já to tinha dito.

            - O que é que vais fazer? – entrei imediatamente em stress

            - Nem sei bem, nunca ninguém me tinha fugido antes!

            A sua expressão era de confusão e desconsolo… mesmo sabendo que estava a fingir e a gozar comigo, achei piada e tive de sorrir… ele era mesmo fantástico. Tinha pinta em tudo o que fazia.

            - Aposto que não!

            - E no entanto… tu fugiste! – acusou e o seu olhar tornou-se novamente intenso… acabei por não aguentar e baixar os olhos

            - Desculpa! – disse em perfeito choque por ter proferido aquela palavra… porque é que eu estava a pedir desculpas? Aquilo não era normal… ele devia estar a controlar alguma parte do meu cérebro, porque eu estava a dizer e a fazer coisas que não queria

            - Queres tomar um café ou uma água comigo? – o seu sorriso voltou uma vez mais, talvez até mais aberto que antes… percebi que gostara da minha reação e que, decididamente, gostara que a minha reação imediata fosse ter-lhe pedido desculpas – eu gostava muito que aceitasses...

            Aquilo não me pareceu um pedido, não sei bem porquê. O seu tom de voz era doce, persuasor e agora eu não conseguia desviar os olhos dele, estava completamente envolvido pela sua expressão e completamente estasiado para que o conseguisse fazer…

            - Está bem.

            - Aqui? – indicou a esplanada com a cabeça – eu sei que estamos perto de tua casa… mas de qualquer maneira ele já nos viu juntos, não foi? – devia referir-se ao Sr. Roberto

            - Pode ser…

            - E vens sem fugir, ou tenho de te dar a mão para não me escapares?

            Vi novamente o seu ar provocador, sabia que me estava a gozar, mas mesmo assim sobressaltei-me outra vez, os seus olhos quase que queimavam e não resisti a olhar em volta para ver se estava alguém a olhar para nós… dar-me a mão?... aqui não… dasss!... o Duarte soltou uma gargalhada.

            - Anda lá, Nuno, eu não faço escândalos em público!

            Eu segui-o mais descansado, o seu sorriso era contagiante e a sua gargalhada era tão agradável, era muito melhor vê-lo assim do que a última vez que me falara, parecera um cão feroz prestes a atirar-se à minha garganta. Sentia-me intimidado com ele, mas isso iria sentir sempre, tinha a certeza disso, intimidado por um lado e fascinado pelo outro. Era confuso. Eu estava apanhadinho por ele, nunca me tinha sentido assim antes.

            - Senta-te! – ordenou, esperando que eu obedecesse antes de se virar finalmente para o interior do café para fazer um sinal ao Sr. Roberto – há bocado fui à porta fazer o pedido, mas não volto a correr esse risco contigo… não vás tu desaparecer quando me apanhares de costas. – acrescentou, meio sério, meio brincalhão, enquanto se sentava à minha frente – quero manter-te debaixo de olho!

            Sorri-lhe atrapalhado… estava a adorar a forma como me olhava e como me falava, mesmo estando a fazer-me sentir mal por ter fugido.

            - Eu não me fui embora por tua causa. – disse tentando justificar-me

            - Por acaso eu achei que não. Mas apanhaste-me pelas costas… nunca me tinha acontecido uma coisa dessas! – riu-se divertido

            - De certeza que não! – disse sem duvidar minimamente… quem é que foge de um gajo como tu? – ficaste chateado?

            - Fiquei. Desobedeceste-me… – assentiu com a cabeça – e depois quando te quis ligar e tinhas o telemóvel desligado… aí fiquei furioso!

            - Desculpa… não foi por tua causa! – eu nem queria acreditar que estava a pedir desculpas outra vez… porra!

            - Olá Nuno!

            Cumprimentei o Sr. Roberto, mas o Duarte tomou logo conta da conversa pedindo duas águas de meio litro, frescas e sem gás. O homem percebeu que estava a mais e afastou-se sem grande conversa. Este tipo era assim, pedia o que queria e despedia as pessoas… pronto. Fixou o seu olhar intenso em mim assim que o homem virou costas.

            - Porque é que o fizeste? Diz-me…

            Mais uma vez não era um pedido. Concentrei-me para não gaguejar.

            - Não me estava a sentir bem. – encolhi os ombros, tentando dar um ar de quem não está a ligar muito ao assunto, mas sentindo-me constrangido com aquilo tudo…

O seu olhar super perturbador, as suas exigências, as suas ordens… por um lado estava a gostar de ter um tipo assim interessado em mim e… enfim, um bocado como o Pedro fora comigo; mas por outro estava a sentir-me intimidado… não que fosse mau, mas… corei quando o vi a observar atentamente as minhas reações… achei que ele estava a seguir o meu raciocínio, a ouvir o que eu estava a pensar…

            - Por causa do Ricardo? – perguntou suavemente

            - Também, mas era por todos… criei mau ambiente ontem e hoje outra vez… eu não gosto de criar mau ambiente!

            - Não foste tu que o criaste, foi o Ricardo!

            - O Ricardo está com o namorado e os amigos, eu é que sou o penetra do grupo! – argumentei feliz por estar a conseguir falar normalmente

            - O penetra de um grupo é o que está a mais! – foi categórico – e num grupo está a mais quem não se integra. Foi o Ricardo que não se conseguiu integrar quando tu chegaste, não foi?

            - Talvez…

            - Não estás convencido? – pareceu deliciado com a ideia, os seus olhos brilharam com humor – caramba, Nuno, tu és mesmo um miúdo difícil…

            - Não sou nada! – protestei

            - És sim! – ele insistiu sempre a sorrir – eu já percebi isso muito bem.

            Eu ligara o telemóvel quando o Sr. Roberto aparecera com as águas, agora começou a apitar… o dele apitou também.

            - O número que marquei já está disponível… – disse olhando-me com uma expressão sardónica – que bom…

            O meu continuava a apitar.

            - Oito chamadas?

            - Uma delas não é minha. – respondeu candidamente

            - Ligaste-me sete vezes? – fixei-o nos olhos, estarrecido

            - É possível que esse seja um número aproximado, sim… – fez uma expressão de inocência fingida e eu achei-o lindo… lindo…

            - Parece-me um bocadinho…

            Fixou os seus olhos nos meus… foi um olhar intenso, inquisidor, expectante…

            - Um bocadinho?... – incentivou-me, vendo que eu não conseguia encontrar a palavra

            - Não sei bem…

            - Controlador? – arriscou levando o copo aos lábios

Ele estava a tentar disfarçar as suas próprias emoções?

            - Por exemplo. – confirmei – controlador é uma boa palavra…

            - Sim… – assentiu pousando o copo sem desviar o olhar do meu – eu sou capaz de ser um bocadinho controlador… o que pensas disso?

            Encolhi os ombros.

            - Não sei... – respondi vendo os seus olhos estremecerem – estou mais ou menos habituado.

            - Ah sim? – desta vez não consegui perceber a sua expressão – o teu ex, além de não ser carinhoso, também era controlador?

            - Não fazes ideia! – tive de sorrir

            - Faço sim! – foi a sua resposta num tom que me fez engolir em seco – consigo imagina-lo perfeitamente.

            O que quereria ele dizer com aquilo?

            - Também és assim? – perguntei um bocado a medo

            - Assim como? Controlador e possessivo?

            - Sim. – confirmei sentindo-me de repente novamente intimidado

            - Não fazes ideia! – respondeu com a expressão que eu usara antes, mas não sorriu como eu fizera – a minha dúvida é se…

            O toque do seu telemóvel interrompeu-o. Leu a mensagem.

            - Isto agora levanta-me um problema… – encarou-me depois e ler o SMS… eu fiquei em silêncio, deviam ser os outros – queres jantar comigo?

            - Não! – respondi prontamente e categórico

            Os seus olhos faiscaram como sempre que não lhe davam a resposta que ele queria, mas eu estava demasiado bem para me ir chatear com a merda do Ricardo e com as parvoíces do Paulo… sentia-me cansado, tinha sido um dia intenso a todos os níveis… físico e principalmente psicológico.

            - Só comigo? – insistiu adivinhando-me os pensamentos

            - Trocas os teus amigos para estar comigo? – o meu coração disparou logo, tipo… TGV à velocidade máxima…

            - Assim! – sorriu estalando os dedos – só o Paulo é que é meu amigo, Nuno… conheço o Ricardo há algum tempo e não gosto dele… até acho que para além do próprio Paulo, pouca gente deve gostar… conheci o Chico e o Álvaro ontem, como te conheci a ti… nenhum deles é meu amigo, só o Paulo é que é…

            - Eu também não sou…

            - Pois não. – o seu sorriso manteve-se inalterado – mas eu estou curioso contigo e quero conhecer-te melhor…

            A sua expressão era inebriante… todo o seu corpo emitia sensualidade, parecia um íman que me atraía para si… e as coisas que dizia… inspirei fundo para sentir tudo, ele queria-me conhecer melhor… a mim…

Foda-se, este tipo é fenomenal!

            - Eu não acho bem…

            Manteve-se o sorriso nos lábios, mas desapareceu dos seus olhos. Ele não parecia mesmo nada do tipo que gosta de ser contrariado… dasss, mesmo como o Pedro!

            - E o que é que tu não achas bem, pode saber-se?

            A sua voz continuava doce, mas já não emitia o calor de antes.

            - Que troques o teu amigo por mim.

            - Portanto não queres jantar comigo.

            - Quero mas…

            - Mas não queres jantar só comigo, apesar de não queres jantar com o Paulo e o Ricardo…

            - Não é isso…

            - Então?

            - Estás-me a confundir! – bradei exasperado

            - Estou? – o seu sorriso voltou a alcançar-lhe os olhos – não era a minha intenção…

            - Porque é que eu não acredito nisso? – estava a sentir-me frustrado

            Encolheu os ombros displicentemente.

            - Provavelmente porque és um miúdo difícil e desconfiado…

            - Eu não tenho dinheiro para jantar! – confessei sentindo-me mal, mas decidido a mudar de assunto

            - E? – ele esforçou-se para não se rir – quem convida paga, não é?

            - Não no meu mundo!

            - Mas é no meu, por isso eu estou-te a convidar e gostava de te oferecer o jantar… se é por essa razão não admito uma recusa! – foi categórico – a não ser que ainda estejas com o trauma de ontem… convenci-me que já tínhamos resolvido isso e que tínhamos voltado a ser amigos, até te deixei pagar-me o café…

            - Mas agora atiras-me à cara que te paguei o café?

            - Eu quero jantar contigo, Nuno e tu vais aceitar… entendeste?

            Abria boca, inspirando fundo… porra! Todo o seu estilo mudara completamente, foi brusco e categórico na afirmação e no tom. Aquilo era uma ordem?

            - És sempre assim?! – exclamei espantado

            - Assim como?

            - Tão… tão… mandão?

            - Mandão?! – desta vez riu-se mesmo – a palavra certa é outra, mas acho que sim, geralmente sou, surpreende-te?

            - Eu já tinha percebido que gostas de dar ordens…

            - Incomoda-te isso?

            - Não!

            - Eu fiquei com a ideia que estavas mais ou menos habituado…

            - Estou…

            - Mas estás farto, é isso?

            Não, não é isso, muito menos contigo!

            - Qual é a palavra certa? – perguntei em vez do que pensara

            - Para um mandão, autoritário, controlador e possessivo? – o seu rosto tornou-se sério e impenetrável, não gostei mas acenei com a cabeça – a palavra certa seria dominador… aquele que gosta de controlar… que não gosta que lhe digam que não… funciona em oposição ao submisso de que falámos de manhã…

            Fiquei sem saber o que dizer por um momento. E não aguentei o seu olhar, ele parecia tenso… percebi bem que aquele era um momento importante para ele e…

            Eu não queria estar com pensamentos complicados naquele momento.

            - Queres mesmo jantar comigo? – perguntei cheio de vontade de aceitar

            Vi-o a descontrair, mordeu o lábio tentando manter-se sério. Era isso mesmo… quando a informação é demais e há dificuldade de processamento, estabelecem-se prioridades. A minha formadora de legislação tinha razão no que dizia… e naquele momento a prioridade para mim era o jantar, por isso…

            - Há uma coisa que tens de aprender sobre mim, Nuno, agora que nos conhecemos melhor e que somos amigos… eu não faço fretes, de nenhum tipo, sou mandão e se sou eu que mando, só faço aquilo que quero… se te disse que quero jantar contigo é porque quero… não gosto, nem admito, que duvides daquilo que digo!

            Abri a boca outra vez, aparvalhado… quem é que falava assim?

            - Mas… e eles? – perguntei depois de uns segundos para digerir

            Tornou a encolher os ombros.

            - Eu gostava de jantar com eles, sim, mas quero mais jantar contigo… se tu não queres jantar com eles, as minhas alternativas são poucas, não achas?

            - Mas não é justo…

            - Mas também não é assim tão mau, Nuno… pelo menos para mim… a verdade é que eu estou curioso em relação a ti e quero-te só para mim… como hoje de manhã, sem confusões, sem distrações, sem amigos a incomodar e a provocar… só para mim…

            - Oh!

            Parecia um tolinho, de boca aberta a olhar para ele… porra!… nunca me tinham dito nada assim… quer dizer, o Pedro dizia-me que eu só podia estar com ele e tinha ciúmes quando me via a falar com outras pessoas, mas nunca me tinha dito nada daquele tipo… “quero-te só para mim”… ponto.

            - Se continuares sem respirar vais acabar por desmaiar, Nuno… – ele sorria-me com a sua expressão divertida estampada no rosto, estava a gozar a minha confusão – claro que eu sei fazer respiração boca a boca e tenho a certeza que era capaz de te reanimar, mas estamos ao pé da tua casa… tens a certeza que queres arriscar?

            Estremeci, sentindo a cara a arder. Não, eu não devia estar corado, eu devia estar muito para além disso. Fiquei a olhá-lo embasbacado, consciente, mas incapaz de pensar, achei que o meu cérebro estava como o meu computador fica às vezes… funcionava, mas estava a patinar…quase que via a bolinha a rodar, só faltava a frase “please wait”… dasss… “quero-te só para mim”, era a única coisa que repetia incessantemente, ele dissera aquilo porque eu ouvira bem…“quero-te só para mim”.

            - Bloqueaste? – perguntou docemente, a sua expressão suavizara-se

            Acenei com a cabeça sem sequer tentar disfarçar… a minha capacidade de dissimulação tinha sido obliterada, aliás, a maior parte do meu corpo estava completamente desligado… só conseguia pensar no “quero-te só para mim” e no efeito que ele tinha em mim, como é que ele conseguia pôr-me assim?

            Ele debruçou-se sobre a mesa, aproximando-se de mim com os olhos a brilhar.

            - Há uma parte de mim que gosta de te ver assim, tenho de confessar, ficas mais dócil… mas também tenho gostado muito do Nuno desperto e provocador. – disse com um sorriso enigmático – a verdade é essa… por isso vou-te dizer muito claramente o que quero que faças… vais levantar-te e acompanhar-me ao carro… sentas-te ao meu lado, apertas o cinto de segurança e vamos jantar só os dois… entendes?

            Aquilo acordou-me… sacudi a cabeça… foda-se! Raios partam o homem!

            - Eu estou todo transpirado… – argumentei pois era verdade, sentia a roupa colada ao corpo

            Ele recuou, tornando a recostar-se na cadeira, olhando-me de sobrolho franzido.

            - Não vais desaparecer outra vez, vais? – perguntou desconfiado

            Tive de sorrir.

            - Não.

            - Prometes?

            - Prometo. – revirei os olhos com vontade de rir

            - Vais tomar duche, mudar de roupa e voltas aqui para irmos jantar…

            Ele frisou bem todos os passos de uma forma muito clara. Apertara os lábios numa linha fina e o seu tom tornara-se mais seco.

            - Sim.

            - Não me vais deixar aqui à espera feito otário… – o seu tom tornou-se ameaçador e os seus olhos pareciam sugar-me os pensamentos outra vez

            - Não. – engoli em seco – posso ir?

            Quase dei um salto ao ouvir-me, nem queria acreditar que lhe estava a pedir permissão, mas a verdade é que toda a sua expressão me obrigava a faze-lo. Nunca me tinha acontecido nada assim, nem com o Pedro… acho que nem com a minha avó. Os seus olhos cintilaram num claro prazer e ele pareceu descontrair-se um pouco.

            - Podes. – disse com um meio sorriso antes de olhar para o relógio – são 19h05… tens meia hora!

            - Está bem… até já!

            Corri para casa com o coração a bater… a bater não, aos pulos no peito, mas que grande porra isto tudo. Eu estava completamente vidrado naquele tipo, dava-me a volta à cabeça de uma forma que nunca tinha conhecido… era lindo, confiante, super sexy… era deslumbrante. Nem queria acreditar que queria jantar comigo. E disse que gostara de mim e me queria conhecer melhor… a mim…

            Abri a porta de casa e corri para a casa de banho a tirar a t-shirt… era verdade que era um bocado possessivo e controlador e, pronto… dominador… tinha de ver bem o que isso queria dizer… mas o que é que interessava? Eu estava mais que habituado a isso com o Pedro e acordara a sentir falta disso… para estar com um homem deslumbrante como o Duarte tinha de me deixar controlar por ele? Que grande dilema…

            Onde é que eu assino?... ri

            Despi as calças e abri a torneira… tirei os boxers e pensei entrar, mas a água ainda devia estar gelada.

            Agarrei na toalha e enrolei-a à cintura… os meus avós deviam estar a chegar… não queria andar nu por ali quando eles entrassem. Corri para o meu quarto baixando-me para espreitar para o relógio da cozinha… 19h10…

            Porra!!

            Vi o bilhete que deixara aos meus avós à tarde, dizendo que ia tomar café e depois à praia. Corri para a mesa da cozinha e dobrei-o para escrever outra coisa… “Vou jantar fora com o Chico e uns amigos e depois vamos para o centro. Não tenho hora para chegar, está bem? Não se preocupem comigo! Até amanhã”.

            Eu já tinha chegado muito tarde várias vezes. Eles não tinham gostado, mas não se preocupavam demais porque sabiam que eu não saía da aldeia, sabiam que se acontecesse alguma coisa, toda a gente me conhecia e eles eram logo avisados. Sabia que se preocupavam à mesma, mas não tanto como se soubessem que eu saía dali para ir para Sesimbra, ou Setúbal, ou até Lisboa.

            Corri outra vez para o quarto… de qualquer maneira eu não ia dormir fora. Estanquei à porta… ou iria? Seria possível?

            Tornei a baixar-me para ver o relógio através do arco da cozinha… 19h14…

            Porra outra vez!!

            Corri para o duche metendo-me debaixo da água perfeitamente consciente que estava em stress… era ele que me deixava assim. Aquele devia ser o terceiro duche que eu tomava naquele dia, ou era o quarto?

            Ok, vamos lá raciocinar, meu

            Ele não deu a entender que me queria assim, para a cama, disse apenas que gostava de mim e me queria conhecer melhor… mas disse que me queria só para ele… e se gosta de gajos e gosta de mim…

            Fogo, vai-me querer… e eu também posso ajudar um bocadinho a que me queira!... sorri com a ideia.

            Abri a torneira da água fria e dei um salto, mas aguentei um segundo ou dois. Depois fechei as duas e comecei a secar-me rapidamente. Olhei para as calças no chão… não podia usar aquelas calças, eram as minhas melhores, mas já não estavam capazes. Passei a escova pelo cabelo e escovei os dentes muito superficialmente… corri para o quarto espreitando para o relógio… 19h19…

            Três vezes porra!!

            Os meus melhores boxers, as segundas melhores calças… tinham um rasgão no joelho que eu adorava e outro na parte de trás, na perna esquerda abaixo do traseiro, não se via nada demais, mas o Pedro dizia que aquele rasgão despertava a imaginação e não gostava que eu as usasse. Veria o que o Duarte pensaria, eram as minhas favoritas porque eram justas e as que eu achava que me ficavam melhor, mas tinham o problema dos rasgões e não as podia usar em todas as circunstâncias. Meias curtas pelo artelho, os ténis azuis e o meu único polo… fora o Pedro que mo dera… queria usa-lo na noite em que mais me iria esforçar para lhe arranjar um substituto.

            Podes ficar com a tua mulherzinha, abelha… eu vou arranjar um muito melhor que tu… nem que me rebente todo!!

            Pronto. 19h25.

            Um olhar final ao espelho…

            Perfeito… e ainda tinha 10 minutos… suspirei de alívio.

 

            Estava a caminho da porta quando vi o computador… estava ligado… corri para lá e abri a net… digitei ‘dominado…’ e apareceu-me logo a sugestão certa… dominador e sub.

            Apareceram-me imensas páginas, mas cliquei na primeira, a wikipedia. Senti os olhos a saltarem-me da cara quando comecei a ler… a primeira parte falava de sadismo… isso eu sabia o que era, já vira séries na televisão sobre o assunto, mas depois dizia que podia não haver isso e o meu coração abrandou um pouco… porra, isso não…

            “(…) os ingredientes principais da relação, que se baseia no prazer de se doar pelo submisso e no de comandar pelo dominante (…)”

            Isso eu já tinha percebido, não precisava de ler em lado nenhum.

            “(…) mas é importante que o submisso atenda o dominador sempre.”

            Tipo… ‘não gosto que me digam que não’… também já tinha percebido isso… tanta coisa, afinal parece que eu já sabia muito bem o que isto era.

            É comum no D/s, que o dominador dite os detalhes e os afazeres do dia do seu submisso, que no caso de falha deverá ser punido de alguma forma. O spanking é uma das formas de punição”

            Cliquei para ver o que era isso e era mais uma coisa que eu já sabia… eram as famosas palmadas… voltei à página anterior.

            A relação D/s difere da SM, tende a ser mais romântica de uma certa forma por envolver supostamente mais sentimentos entre dominante e dominado podendo eventualmente se transformar em relações muito profundas.”

            Desliguei o computador… 19h31…

            Já sabia alguma coisa, estava dentro do horário e não tinha visto nada de assustador… nada de novo, nem nada de diferente daquilo a que eu estava habituado… e tinha lido que as relações se poderiam tornar profundas e com sentimentos românticos…

            Gostei, gostei mesmo.

            Eu não me importava nada de ter uma relação profunda com o Duarte, estava completamente enfeitiçado por ele… nem me importava nada de fazer o que ele queria, pelo contrário, adorava que ele quisesse que eu lhe fizesse alguma coisa… a ideia das palmadas era o pior, porque não me importava nada de lhe dizer ‘sim senhor’, ou de fazer o que ele queria… se as relações podiam ser mais que levar porrada como no SM… então não me importava minimamente.

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