segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Tu és meu - 3 (conto gay)


 Para ver início - cap. 1

3


            O meu avô elogiou o jantar como sempre e consegui que tomasse o meu partido contra a minha avó. Acabei por conseguir sair sem demasiada resistência. Prometi que ia tomar um café e logo via se encontrava alguém para dançar um bocado… de qualquer maneira não tinha muito dinheiro e isso era sempre um limite, eles sabiam-no bem. Raramente chegava a casa depois das duas da manhã e não havia razão nenhuma para nesta noite ser diferente. Até porque eu ia sempre ao mesmo sítio, se houvesse qualquer coisa era fácil de encontrar e toda a gente me conhecia, por isso…

            Arranquei bem disposto. Gostava de ir tomar qualquer coisa à noite, geralmente beber uma cerveja, só tinha dinheiro para isso. O Pedro gostava de lá ir porque era o bar mais antigo e mais fixe do Meco e onde iam a maioria dos gays. Ele devia ter algum problema mal resolvido a propósito disso… de certeza que tinha. Sorria ao aproximar-me, era a primeira vez que eu ali ia sozinho, desta vez não o tinha a ignorar-me, tipo… ‘ele é meu primo e só veio comigo’, mas depois a passar-se quando alguém se metia comigo para dizer qualquer coisa, ou começava a dançar ao pé de mim. Por mim gostava daquele bar porque tinha sempre boa música, do meu estilo.

 

            Encontrei logo a Elsa e a Vanessa, um casal de lésbicas. A Elsa tinha estado na casa dos meus pais, que os meus avós alugavam a quem queria ter uma casa de fim de semana ali no Meco. Era super curtida e conhecia-me há anos, tinha lá estado imenso tempo com a anterior namorada e gostava de mim, tinha-me visto crescer. Ela gostava de crianças e tinha muita paciência para mim, até me convidara para ir jogar Playstation com ela porque eu não tinha nenhuma… passáramos horas e horas os dois aos gritos a jogar futebol e nas corridas de carros.

            - Nuno! – gritou assim que me viu

            Até me assustei, mas a Elsa era assim… às vezes parecia mesmo um homem, baixinha, redondinha, um bocado bruta, vestia-se sempre como se tivesse para sair para a caça, mas eu gostava dela, sempre tinha gostado… o Pedro chamava-lhe ‘o mestre d’obras’, mas isso só me irritava… estúpido. A Elsa era super divertida e era boa pessoa… era um bocado masculina, sim, vestia-se com um estilo masculino e dizia muitos palavrões, mas era fantástica e inteligente, fora das poucas pessoas que se apercebera de mim e do Pedro e nunca abrira a boca para dizer nada a ninguém.

            - Estás cada vez mais giro, cabrão! – berrou dando-me um abraço apertado para acompanhar o cumprimento ‘à Elsa’ – sabes que eu quase que andei com este puto ao colo? – perguntou à namorada num tom que toda a esplanada ficou a saber…

            Eu corei logo. Estava toda a gente a olhar para nós. Eu sentia-o apesar de não conseguir olhar para ninguém. Era sempre assim, aquilo era inevitável, mas era a Elsa… e a Elsa era a Elsa… podia dizer o que quisesse que eu limitava-me a corar e a sorrir, não havia nada a fazer e até era melhor não dizer grande coisa para não correr o risco dela fazer pior.

            - Dizes sempre a mesma coisa. – resmungou a Vanessa – e ainda por cima sempre aos gritos…

            - Eu falo aos gritos, pimpolha, já devias estar habituada! – resmungou ela antes de se virar para mim – esta agora anda com a mania que é discreta, já viste a minha vida? Está quase como e teu... – baixou o tom antes pigarrear com uma careta – primo… como é que está esse?

            - Casado e no avião a regressar da lua-de-mel! – encolhi os ombros tentando não parecer triste… não precisava mesmo que me lembrassem do Pedro.

            - Não acredito! – ela abriu imenso os olhos – livraste-te dele?!

            - Foi ele que se livrou de mim.

            - Que sorte, Nuno! Foda-se, puto, tu mereces bem melhor. Vamos celebrar. Senta-te aí! – disse entusiasmada e com um sorriso enorme, mas depois sobressaltou-se – vieste ter com alguém?

            - Não! Achas? – ri

            - Então vamos apanhar um pifo os dois, ouviste? Estás por minha conta e não me vou esquecer de ti… raios me partam toda se não te arranjo um gajo em condições! Pode não ser hoje, mas nem que tenha de ser eu a engatar um… – piscou-me o olho a sorrir com a minha gargalhada

            - Isso eu gostava de ver… tu a engatares um gajo.

            - Porra, não me lixes, pá, mais vale dizer que não gostas de mim! Vou é buscar umas cervejas para a gente, essa agora é chique, não bebe…

            - Não bebo cerveja! – ripostou logo a Vanessa

            - Mas lá há outra coisa decente para se beber? – encolheu os ombros a abanar a cabeça – vê lá tu… agora deu-lhe para isto…

            - A cerveja engorda!

            - Gorda já eu estou! – bufou a Elsa desaparecendo no interior do bar e deixando a namorada a abanar a cabeça

            - Não tenho razão? – perguntou-me

            - Tens razão no que dizes, Vanessa, agora sabes bem que não vale a pena discutir com ela. – fui diplomático e ela riu-se

            - Porque é uma grande mula…

            Rimos os dois. Eu gostava da Vanessa, mas mesmo assim preferia a ex namorada da Elsa. A outra andava na faculdade e não parecia nada ser lésbica, era feminina, vestia-se bem e era super simpática. Esta também era gira, mas era uma parola, literalmente uma parola. O Pedro antes dizia que eram o mestre d’obras e a princesa, quando viu esta passaram a ser o mestre d’obras e a galdéria… a Vanessa usava sempre umas mini saias que não tinham mais de um palmo e uns saltos tão altos que metiam medo. Agora estava com um daqueles vestidos de malha que tinha de estar sempre a puxar para baixo porque subia logo… fazia-me um bocado de confusão.

            Estava a rir-me quando vi acenar. Ganhara finalmente coragem para olhar à minha volta e ver quem estava por ali. Era o Chico que acenava, mas ao seu lado encontrei imediatamente os olhos do Duarte fixos em mim. Foi ele que vi e foi ele que cativou a minha atenção.

            Foda-se!

O sorriso desapareceu-me logo. Era incrível, mas mal vi o meu amigo, quem vi logo foi o Duarte… giro, podre de bom… vi também um grupo de bichas numa outra mesa olhar para ele e a cochichar, mas ele não reparava, o seu olhar não se desviou de mim… fez um leve aceno com a cabeça, num cumprimento e eu respondi da mesma forma, apesar de depois ter acenado com a mão ao Chico.

            - Conheces? – perguntou-me a Vanessa

            - Conheço! – respondi com o coração aos pulos – se calhar havia de…

            Assim que o pensei, decidi fazê-lo… levantei-me e fui ter com eles. O Duarte nunca desviou os olhos de mim enquanto me aproximei, estava com uma camisa branca que lhe ficava… ficava-lhe como tudo o que vestia, ficava-lhe a matar… por mim também só consegui desviar os olhos dele quando cheguei à mesa. O gajo era mesmo podre de bom, dasss.

            - Nuno… estava a ver que não nos vinhas dizer olá… – foi o Paulo que falou, cruzando os braços e fingindo-se zangado

            - A distância é a mesma de um lado ao outro! – respondi-lhe – olá!

            Claro que o meu olhar acabou por se fixar outra vez no Duarte… o raio do homem tinha um íman qualquer.

            - Olá Nuno! Ainda bem que já não estás muito chateado connosco!

            - Já não estou muito. – confirmei com um sorriso delicado antes de acenar ao Álvaro… eu gostava dele – estás cá hoje?

            - Nuno! – cumprimentou-me a rir – estás cada vez mais giro, cabrão!

            Ri-me também. Eu gostava mesmo dele, era um gozão.

            - Ouviram aqui?

            - Ouviu-se na aldeia toda!

            - Ficaste logo na primeira mesa! – lançou o Paulo – estou com ciúmes…

            - Não sei porquê, o teu namorado não te chega? – lancei, estava um bocado envergonhado e sem paciência para aquilo – oh Ricardo, tens de te aplicar mais, assim ainda ficas com má fama! – ficou toda a gente de boca aberta a olhar para mim… toda a gente não, o Álvaro soltou uma enorme gargalhada

- Então e como estava a praia? – perguntei por achar melhor mudar de assunto

            - Ótima… foi uma pena não teres vindo! – disse logo o Chico – nem imaginas o que perdeste…

            - Até fizemos nudismo! – lançou o Paulo, mas eu percebi que o seu entusiasmo diminuíra

            - Ui… nudismo no Meco…

            Fingi-me chocado, como se o Meco não tivesse a praia nudista mais famosa do país.

            - É inaudito, não é? – o Duarte fixou-me – mas havias de ter vindo ter connosco para nós te vermos bem…

            Eles fez de propósito, só podia… frisou bem o ‘nós’ e o ‘te’… e o seu olhar estava expectante, atento à minha reação, tentando perceber o que eu pensava das suas palavras. Senti logo a cara a arder, mas não me lembrei de nada decente para lhe responder… porra…

            - Não te queres sentar um bocadinho connosco? – convidou o Paulo

            - Não posso, estou com elas... – sorri-lhe, grato por ele ter mudado de assunto

            - Chegaste sozinho que eu vi… ficaste foi logo retido! – ele olhava-me provocador, já tinha recuperado do meu comentário

            - Não lhes podia dizer que não…

            - São especiais, é isso?

            - São!

            - Tenho de ver se me torno especial para ti… para não me dizeres que não.

            - Outra vez? – exclamei surpreendido

            - Queres beber alguma coisa?

            Olhei para o Duarte sem perceber bem o que ele queria dizer… estava-me a oferecer uma bebida? Ele? Devia ter enlouquecido… achei que estava novamente gozar-me O seu rosto estava impassível, não dava para ver o que estava a pensar, provavelmente a tentar gozar-me mais. Senti-me triste, era uma pena ele ser assim…

            Mas agora sabia bem o que responder.

            - Se isso é por causa do café… agora tenho dinheiro comigo… queres beber um? Eu ofereço… ou preferes o dinheiro?

            - Quieto! – ele foi ríspido e o seu olhar soltava faíscas assim que me viu levar a mão no bolso das calças – o que é que eu te disse sobre isso?

            Aquela sua reação surpreendeu-me. O gajo foi bruto, mas depois de uns segundos em que ficámos a olhar um para o outro em silêncio, eu acabei por desviar os olhos dele. Sentia a cabeça a andar à roda. O raio do homem… a sua surpresa fora óbvia, mas o seu tom adoçou um pouco depois de me ter vencido no olhar.

            Merda!... cerrei os dentes… um ponto para ele.

            - Caramba, Nuno… ficaste a pensar nisso?

            - Fiquei! – respondi decidido, enchendo-me de coragem e enfrentando o seu olhar novamente – foi a primeira vez que me ofereceram alguma coisa e depois me atiraram isso à cara…

            Os seus olhos faiscaram outra vez… demorou uns segundos para se acalmar, pelo menos foi o que pareceu.

            - Eu já te expliquei isso, Nuno. – disse baixinho… o seu tom era de admoestação

            - Eu sei que sim. – respondi docemente, mas não disse mais nada

            - Mas não o convenceste! – lançou logo o Paulo, provocador

            - Parece que não. – concordou ele – e parece-me que o Paulo é capaz de estar enganado quanto a ti, tu não me pareces nada doce… ou então tens bem mais recheio amargo do que devias…

            Tive de sorrir.

            - O teu amigo é que se convenceu que eu era doce.

            - Pelos visto é como o ‘sim senhor’… é só para alguns. – lançou o Paulo

            - Nem mais! – ri – é só para quem merece… o ‘sim senhor’, o sentar-me na mesa, o não dizer que não… tudo isso!

            - E depois desta manhã eu não mereço, é isso?

            Engoli em seco… fogo, meu… o seu olhar era profundo, incisivo, inquisidor… o sorriso desapareceu-me imediatamente, eu não sabia o que lhe responder e ainda bem, tive a certeza que iria gaguejar… ficamos a olhar-nos uns segundos novamente até eu conseguir finalmente pensar outra vez.

            - Estás à espera que eu te diga que não? Pensei que não gostasses que te dissessem que não…

            O Paulo soltou uma gargalhada.

            - Foste apanhado pelo teu próprio raciocínio, Duarte!

            Ele semicerrou os olhos e vi que estava mesmo espantado. Logo depois, para meu enorme prazer, mordeu o lábio para não se rir e os seus olhos brilharam.

            - Touché, Nuno! – ficou a acenar com a cabeça – apanhaste-me… tenho pena que não te sentes connosco.

            Encolhi os ombros novamente a sorrir, feliz da vida. Como é que aquilo podia estar a acontecer? Como é que aquele tipo me conseguia deixar assim?

            - Não posso… de qualquer maneira daqui a pouco vou dançar… até já!

            - Chama-me! – disse o Chico enquanto me afastava

Voltei ao meu lugar com um sorriso nos lábios e sentindo-me outra vez um vencedor… ele podia dar-me a volta à cabeça, mas eu estava a ganhar outra vez 2-1… bem feito… podia ganhar-me nos olhares porque tinha aqueles olhos e eu não os aguentava, mas na conversa era eu que o deixava de boca aberta.

 

            - A cerveja breve está mole! – disse a Elsa assim que cheguei ao pé delas – quem são aqueles?

            - Conheces o Chico…

            - Sim, e os outros?

            - São amigos dele… o Álvaro é o namorado, os outros são amigos…

            - Aquele de frente para cá estava-te a arrastar a asa, não estava?

            - Não… acho que não…

            - Não? – ela não pareceu muito convencida – a mim pareceu-me que sim e eu bem vi a tua cara… olha que ele tem boa pinta…

            - Eu sei. – admiti a sorrir e arrependi-me imediatamente quando vi a sua cara

            - Ah tu gostas dele…

            - Não… quer dizer… qualquer pessoa gosta dele…

            - Gostas dele, sim! – insistiu a rir-se – bem, pelo menos evoluíste, é bem melhor que o…

            Eu percebi logo que acabara de cometer um erro crasso, a Elsa começou a olhar para o Duarte ostensivamente, observando-o, analisando-o e eu senti vontade de me enfiar num buraco… bebi a cerveja toda quase de seguida e nem deve ser preciso comentar o calor que sentia na cara ou especular sobre a cor que teria, eu esquecera-me que a Elsa não tinha o mínimo sentido de discrição.

            - Ele também não tira os olhos daqui. – disse ela – ele gosta de ti?

            - Não! – exclamei… a ideia era absurda, ele limitara-se a gozar comigo, ou brincar ou lá o que tinha sido – mas também contigo a olhar assim para lá… não faças isso, Elsa, deve pensar que estamos a falar dele …

            - E não estamos? Assim percebe que tu também estás interessado nele… mas eu tenho de te ensinar tudo?

            Eu olhei também e vi logo que ela tinha razão, estava a observar-nos. Mesmo ao longe senti a intensidade da sua expressão, os seus olhos perfuraram-me o cérebro e nem os aguentei dois segundos. Porra, eu também não queria aquilo assim.

            - Preciso de outra cerveja! – disse preparando-me para me levantar, mas a Elsa não deixou

            - Eu vou lá… deixa-te estar aqui quietinho! – disse ela – troca de lugar comigo, não queres? Ficas mesmo de frente para ele.

            - Não! – respondi chocado – eu acho que vou é dançar.

            - Não vais nada, senta-te aí…

            - Vais sim… e eu vou contigo. – interveio a Vanessa, levantando-se

            - Ah é uma rebelião? – a Elsa pôs as mãos nas ancas – estão os dois contra mim… mas é que assim perdemos a mesa…

            - Há mesas lá dentro, Elsa… traz as coisas e depois pede-me uma caipirinha!

            Tive vontade de rir com a cara que a minha amiga fez, mas acabou por pegar nas coisas, como a Vanessa pedira. Aquilo não era nada natural nela, a minha amiga era do tipo de ser ela a mandar, era o galo da capoeira e gostava de ser ela a decidir as coisas, mas também sabia que quando estava apaixonada era um cordeirinho…

            - Pronto está bem. – cedeu contrariada

            Era divertido vê-la quando estava apaixonada porque continuava a ser bruta com toda a gente, como sempre, o papel masculino de quem controla a relação, de quem é o homem da casa, mas que perdia a cabeça com a mulher de quem gostava e era um doce com a sua paixão… ela é que era mesmo um doce.

 

            Eu sentia bem a cerveja a subir-me, não a devia ter bebido toda assim de seguida. Na segunda já fui com mais calma… mesmo assim estava já suficientemente desinibido para dançar só com a Vanessa, mesmo não estando mais ninguém a dançar.

A Elsa de vez em quando levantava-se e dançava um pouco connosco, mas era apenas uma música ou duas, depois voltava logo a sentar-se outra vez. Aproveitou para nos tirar fotos, principalmente quando a Vanessa se agarrava a mim e começávamos a dançar mais sensualmente… estava muita gente a olhar para nós, principalmente homens a pensar o que é que uma gaja como aquela estava a fazer com um puto.

Depois foi a vez da Elsa querer umas fotos comigo… a beber, com o braço por cima de mim… eu ia morrendo de vergonha quando ela me levantou a t-shirt para me destapar a barriga e pôs lá a mão como se tivesse a ter muito gozo… tentei rir, mas foi difícil e quando vi o Duarte ao Balcão a olhar para mim fixamente, tornou-se absolutamente impossível… porra. O meu sorriso, que já devia ser de constrangimento, sumiu-se num segundo. Para ajudar ele começou a conversar com o Paulo animadamente, estavam os dois a olhar para mim e achei que devia ser eu o assunto. Não sei se gostei se não, confesso isso com toda a sinceridade… não sei mesmo.

            Senti-me apertado pela Elsa, que me puxou para encostar a boca no meu ouvido.

            - Vai lá fora, Nuno, vai até lá um bocado, sozinho… experimenta o gajo!

            Olhei-a espantado.

            - Oh Elsa…

            - Mau! – abriu-me os olhos ameaçadora, como fazia quando eu era garoto – eu estou ali há mais de uma hora a topar-vos… tu não tiras os olhos dele, ele não tira os olhos de ti… estão os dois armados em enconados e eu já me estou a passar convosco… estão interessados um no outro que eu vejo muito bem…

            - Ele não está…

            Espetou-me o dedo à frente da cara.

            - Está sim que eu não sou parva! – disse no seu tom brusco de quando era contrariada – os homens são diferentes, mas não são tanto assim…

            - Estás a fazer filmes!

            - Então prova-me… vai lá fora cinco minutos… pega na garrafa e vai apanhar ar… livra-te de saíres de lá sem eu te ir buscar, ouviste bem?

            Com o dedo espetado em frente ao nariz, não era seguro contraria-la.

            - Oh Elsa…

            - Ou isso, ou eu vou ter com ele e pergunto-lhe… o que é que preferes?

            - Oh Elsa! – repeti, agora em choque, senti os olhos a querem saltar-me da cara – não te atrevas…

            - Vês? Então faz o que te digo… vais ver se o gajo não vai atrás de ti…

            - Não vai nada…

            - Se não for é um burro e tu estás a perder tempo com ele… é simples… e eu fico a pensar que tu és um daqueles anormais que só se interessam por gajos parvos que são lixo!

            - Fogo, Elsa…

            Ela agarrou na minha cerveja e pôs-ma na mão.

            - Mexe esse cu!

            E foi o que eu fiz, com a cara a ferver, a sentir os olhos do Duarte em mim, apesar de não conseguir olhar para ele, a sentir-me envergonhadíssimo… a Elsa era um amor, mas era perigosa e eu sabia bem que era mulher para fazer aquilo com que me tinha ameaçado… senti-me um garoto outra vez.

 

            Já não havia lugares livres na esplanada e eu não queria ir sentar-me com os outros… com o Ricardo. Desci as escadas e atravessei a rua para me sentar na soleira da porta da frente. Não havia nada a fazer, a Elsa era assim mesmo, bruta como um raio, mas um amor de mulher, sempre preocupada e super protetora com as pessoas de quem gostava. Sentia-me um bocado amuado com aquilo.

            Foi o Álvaro o primeiro a ver-me e veio ter comigo…

            - Então… já te cansaste?

            - Estou a fazer uma pausa. – sorri-lhe, tentando parecer bem disposto

            - Bem, meu, deste um nó na cabeça do Ricardo…

            - Eu? Porquê?

            - Com a tua conversa de há bocado… teres dito que o Paulo se estava a atirar a ti por ele não dar conta do recado… ele ficou passado contigo e deu discussão com o Paulo, sabias?

            - Pouco me importa… não gosto dele!

            - Nem tu nem ninguém!

            Soltei uma gargalhada, mas não foi pelo que o Álvaro disse, foi pela cena a que acabara de assistir. Vira a Elsa aparecer à porta do bar a olhar-nos, vira-a por as mãos nas ancas zangada quando o viu comigo, como fazia quando se passava dos carretos. Desaparecera logo a seguir. Agora tinha reaparecido a arrastar o pobre Chico por um braço… apontou para nós e parecia furiosa… eu nem queria imaginar o chorrilho de palavrões que o pobre Chico devia estar a ouvir. O que é certo, é que o meu amigo chamou o namorado e o seu tom era de urgência.

            - Que foi? – o Álvaro não percebera nada – o que é que ele quer?

            - Deve-te querer apresentar umas amigas nossas. – disse-lhe eu a tentar conter o riso

            Aquela Elsa era uma bomba nuclear, sempre pronta a explodir se um dos seus bons planos tivesse entraves. E o impacto desta bomba humana era apenas ligeiramente menor do que o de uma bomba a sério.

            Aquela cena fora hilariante, mas sorriso que tinha desapareceu-me quando vi o Duarte a aproximar-se. Trazia uma caipirinha na mão e uma cerveja na outra… foda-se!

            - Eu acho que não mereço tanto, Nuno! – o seu tom parecia triste

            Olhei-o espantando.

            - Tanto quê? – contive-me para não ser bruto, mas a pergunta saiu-me bastante seca… sentia o coração a bater violentamente

            - Tanto castigo. – parou à minha frente e eu tive de me esforçar a sério para aguentar o seu olhar – já é suficientemente mau estar a apreciar o teu sorriso e vê-lo desaparecer sempre que olhas para mim…

            - Oh, achas?

            - Eu não acho, eu tenho a certeza! – respondeu decidido – mas pior que isso é ver-te tremer agora quando me viste aproximar… tens medo de mim?

            - Não! – disse imediatamente, apesar de não ter bem a certeza de ser verdade

            Senti o sangue todo a caminho da cara… porra… pensei dizer que era do frio, mas não fazia sentido nenhum.

            - É que parece… ou simplesmente não gostas de mim?

            Olhei-o achando que ele era doido e a minha expressão deve ter sido bastante clara porque sorriu um pouco.

            - Nós não começámos da melhor maneira… – acabei por conseguir dizer depois de um minuto de silêncio

            - Na verdade até acho que começámos, mas pelo caminho eu meti água e magoei-te, não foi? Ofendi-te pelo menos… posso sentar-me contigo uns minutos?

            - Claro! – respondi engolindo em seco… o que é que iria sair dali?

            Pensei que ele quisesse sentar-se no degrau comigo, mas não se sentou sequer, encostou-se ao muro, ao meu lado. Esteve mais de um minuto a observar-me em silêncio, mas eu mal olhei para ele, sentindo-me nervoso.

            - Eu estive a pensar e quis propor-te começarmos do início outra vez, que dizes? – sorriu ligeiramente perante a minha surpresa e pousou a garrafa de cerveja no chão, estendeu-me a mão a seguir – olá, eu sou o Duarte!

            Tive de me rir, aquilo era a última coisa que eu estava à espera.

            - Nuno. – respondi

            - Assim sim! – agora também ele sorria abertamente – é muito melhor assim… sabes que a minha motivação é um bocado egoísta… eu gosto muito do teu sorriso e não gostei de deixar de o ter. – abri a boca espantado, mas ele acenou a cabeça a confirmar – e sou um bocado invejoso, sabes? Toda a gente ter direito a um sorriso menos eu deixou-me triste.

            - Bem feito! – aquilo saiu-me sem eu conseguir controlar

            Ele arquejou de surpresa, mas depois a sua boca contorceu-se e vi um brilho de divertimento nos seus olhos.

            - Tens razão… foi bem feito para eu aprender que nem toda a gente reage da mesma maneira às minhas brincadeiras e para eu perceber que aquela foi de muito mau gosto… desculpas-me?

            - Já disse que sim!

            Fui seco, mas não aguentei o seu olhar.

            - E já terminaste a tua cerveja? – perguntou insinuante

            Eu olhei imediatamente para a que ele trouxera…

            - Não estás à espera que eu aceite uma cerveja paga por ti, pois não?

            Ele comprimiu os lábios fazendo a sua boca tornar-se uma linha fina, não gostara na minha reação, era visível.

            - Na verdade estou, sim… e peço-te que aceites com a promessa de que nunca mais se vai repetir o que aconteceu esta manhã.

            - E como é que eu posso ter a certeza disso? – olhei-o desafiador… ele não devia estar bom da cabeça

            - Terás de confiar em mim… pareço-te assim tão mau?

            Decididamente não parecia nada, muito pelo contrário, tudo o que eu via parecia-me bom… muito bom.

            - Talvez não…

            - Não estás muito convencido, mas eu compreendo, agora pensa no seguinte, magoaste-me quando me privaste do teu sorriso e agora vais-me magoar uma segunda vez… eu só te magoei uma…

            Considerei aquilo por um segundo, mas não estava assim tão bebido.

            - Só ficas em desvantagem se eu não aceitar a cerveja… se eu a aceitar e voltares a fazer o mesmo, ficas tu numa grande vantagem… e se formos a pontuar, a tua vantagem valeria dois pontos…

            - Porquê? – perguntou cauteloso, o seu tom era de curiosidade

            - Porque à primeira vez toda a gente pode cair, à segunda só cai quem quer… aceitar o café uma vez é legítimo porque não te conhecia, agora deixar-me humilhar uma segunda vez vale mais pontos…

            - Eu não te humilhei, Nuno, eu…

            - Humilhaste sim! – acusei – eu não te pedi café nenhum, ofereceste-mo porque quiseste!

            Ele franziu o sobrolho, mas não insistiu.

            - Talvez sim… é verdade… mas não foi minha intenção…

            - Talvez não, mas foi o que aconteceu!

            - Duvidas? Eu não gosto de humilhar as pessoas! De entre tudo o que me faz diferente, essa não é uma característica da minha personalidade! E já te disse que não voltaria a acontecer…

            Encolhi os ombros sem comentar.

            - Pareço-te o tipo de pessoa que não cumpre a sua palavra? – fez a pergunta com a maior das calmas, mas os seus olhos foram mais expressivos, recebi o olhar ‘matador’… e era um olhar potente, ou então fui eu que me deixei atingir mais do que…

            - Não. – respondi baixando os olhos… dasss… os dele queimavam

            - Então aceitas a minha oferta de paz?

            Pegara na garrafa e estendera-ma. Olhei-o por um momento, mas não aguentei outra vez… acabei por pegar na garrafa e dei um golo…

            - Obrigado.

            - Obrigado eu, Nuno! – ouvi e senti o seu tom doce novamente – e caramba, tu és mesmo um miúdo difícil!

            - Não sou nada! – olhei-o e desta vez fiquei vidrado, o seu sorriso era envolvente, quase hipnótico

            - Ah não?

            - Nem te obriguei a deixar que te pagasse o café amanhã!

            - Não me obrigaste? – calou-se por um momento, pasmado, e segundos depois soltou uma gargalhada… que gargalhada fantástica que ele tinha – e tu pensaste mesmo nisso?

            - Pensei! – disse a rir também, o seu riso era contagiante

            - Mas olha, Nuno… num gesto de boa vontade, e uma vez sem exemplo, amanhã pagas-me o café se quiseres…

            - A sério?

            - Claro, se te dá prazer e ficas mais satisfeito por o fazer…

            - Então está combinado! – sorri-lhe satisfeito antes de ver a Elsa a espreitar à porta e fazer-me sinal para irmos embora – entretanto tenho de ir, a minha boleia…

            - Eu posso levar-te a casa…

            - Achas? – exclamei, fingindo-me horrorizado – já corri o risco de aceitar a cerveja… se não cumprires a tua palavra ainda tinhas mais essa para…

            Calei-me, não queria falar demais, mas ele riu-se.

            - É justo. – sorria abertamente – amanhã vais correr outra vez?

            - Vou! – respondi imediatamente perante a ideia do que se podia seguir

            - Importas-te que eu vá contigo?

            - Claro que não! – o meu sorriso aumentou e o dele também, provavelmente contagiado pela minha reação

            - É sempre melhor ter companhia… à mesma hora, sete e meia?

            - Sim, pode ser…

            - Há um cafezinho no início do caminho que eu fiz hoje…

            - Sim, é mesmo ao pé da minha casa.

            - Ótimo, então encontramo-nos lá?

            - Pode ser… até amanhã… Duarte…

            Estendi-lhe a mão e ele apertou-a sempre a sorrir.

            - Tu confundes-me, Nuno? – lançou de repente, deixando-me de boca aberta

            - Porquê?

            - Não consigo decidir se és um doce ou não? Deixaste-me curioso em relação a ti.

            - Porquê?

            Encolheu os ombros.

            - Estas coisas não se explicam. – respondeu calmamente

            - Tenho de ir… aquela é outra que não gosta que lhe digam que não…

            - Até amanhã.

            O sorriso dele quando disse aquilo era estranho, era um sorriso enigmático, de quem estava a pensar qualquer coisa… não sei explicar… tive a sensação que estava a pensar algo que nunca me diria… o tipo era misterioso e… porra, era um ‘pão’.

 

            Tive vontade de abraçar a Elsa quando cheguei ao pé dela, só me apetecia dar pulinhos.

            - Então? – ela sorria com a minha expressão – conta-me tudo!

            - Foi ótimo!

            Sentia-me mesmo entusiasmado e dei-lhe mesmo um abraço.

            - Então começa pelo princípio… tinhas razão, Elsa…

            Ri-me.

            - Tinhas razão, Elsa! – repeti as suas palavras – ele veio ter comigo…

            Contei-lhes a história da manhã e o que tinha acontecido e depois descrevi a cena e a conversa de agora.

            - Que brincadeira mais parva! – bufou ela – deve ser parvo… mas agora compensou?

            - Então não? Ele é tão bonito, Elsa… não achas Vanessa?

            - Acho.

            - Cala-te e tem juízo, tu percebes tanto de homens como eu!

            - Oh Elsa, não sejas assim… admite lá, vá…

            - Tem pinta tem, pronto… mas podes dizer-lhe que vou ficar com ele debaixo de olho, ouviste? – espetou-me o dedo à frente do nariz outra vez – e se ele te faz outra dessas… dou-lhe um cabeçadão e parto-lhe a boca toda, podes mesmo dizer-lhe… assim fica já a saber o que pode contar…

            - Que exagero! – ri

            - O que interessa é que ele foi ter contigo… e mais, agora vieste-te embora e deixaste o gajo na mão, vais ver como amanhã está mansinho.

            - Oh Elsa! – ri-me

            - Não acreditas?

            - Acredito, Elsinha… és uma querida. – pus-lhe o braço nos ombros e dei-lhe um beijo na cara!

            - Elsa… – a Vanessa estava chocada – eu nunca vi um homem assim contigo…

            - Achas? – ela bufou logo – é só este… nem os meus sobrinhos se atrevem a fazer-me isto…

            Fomos o caminho todo a conversar sobre o Duarte. Ele devia ter as orelhas a ferver, mas pouco me importava… e entrei em casa a pensar nele. Era lindo, estava deslumbrante hoje. Ele fazia-me sentir coisas… mesmo quando era duro comigo. Podia ter ficado com as orelhas a ferver, mas também tinha feito por isso… se tinha… mas agora compensara e não fora só na maneira como falara comigo, muito menos no facto de me ter oferecido a cerveja, fora a maneira como me olhara e a maneira como me tinha feito sentir… era divertido e conseguira fazer-me sorrir mesmo estando eu chateado com ele. Aquele homem era absolutamente fantástico.

            Passara a noite sem pensar uma única vez no Pedro e quando finalmente me ocorreu que ele chegaria na manhã seguinte, tratei de o esquecer novamente e concentrei-me no sorriso lindo do Duarte.

            O que é que lhe estaria a passar pela cabeça agora? Estaria a pensar em mim também? O que é que o teria levado a ir ter comigo para fazermos as pazes? A Elsa teria razão? Ele estaria mesmo interessado em mim? Eu queria tanto que isso fosse verdade, estava tão excitado com aquilo tudo… mas claro que havia muitas outras possibilidades, podia ser só uma questão de ser delicado e querer mesmo fazer as pazes comigo, ou podia ser outra coisa qualquer… nem sei… despeito por eu o ter começado a tratar de outra maneira e não ter gostado disso. O que é certo é que ele fora mesmo ter comigo, interessado ou não, fora ter comigo e pedira desculpas e levara-me uma cerveja para eu beber.

            Adormeci sem dar por isso. Feliz.

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