sexta-feira, 29 de março de 2013

Relação Inesperada - conto gay - Final!


(ver: Início, parte2, parte3parte4)



*** Final – Alexandre ***


            Fizemos o caminho para o escritório num instante. Eu esperava apanhar trânsito, como acontecia todos os dias, esperava ter problemas, esperava ter tempo para pensar no que diria ao meu cliente quando chegasse, ter tempo para visualizar a reunião. Não aconteceu nada disso, passei por sítios que não sabia que existiam, ruas que nem deviam vir no mapa e cheguei ao escritório num instante.

            - Eu conduzo em Lisboa há muitos anos, doutor, um táxi não o trazia aqui mais depressa que eu!

            Acreditei perfeitamente, acreditei sem a mínima hesitação. Portanto sabia-me conduzir bem, sabia cozinhar, disse-me que fazia tudo em casa… tudo… e ainda por cima era super atraente e super sensual. O meu amigo Hugo brincava dizendo que percebia que estava apaixonado quando achava um homem perfeito… estar apaixonado era achar que a pessoa que desejamos não tem defeitos. Bem, então estou mesmo apaixonado.

            Felizmente sempre tive a capacidade de compartimentar os momentos da minha vida. Não tive sucesso a 100%, mas consegui concentrar-me o suficiente no cliente para ele não suspeitar que o meu pensamento de vez em quando atravessava a porta do gabinete para imaginar o que o homem que estava lá fora à minha espera estaria a fazer.

            Quando fiquei sozinho preparei rapidamente uma minuta de um contrato de trabalho. Eu, primeiro outorgante, a contratar o Jaime, segundo outorgante, como motorista, cozinheiro… e prestador de outros serviços considerados necessários. Os oitocentos euros de ordenado a que ele estava habituado e que sairiam limpos porque ele viveria em minha casa e teria direito a alimentação. Seriam esses os meus argumentos. Claro que depois tinha os impostos, mas mesmo assim… deixaria de pagar quarto, deixaria de pagar alimentação, deixaria de pagar transportes… achei a argumentação imbatível.

            Saí do gabinete e senti um nó na garganta. Estava com as secretárias à sua volta a riem-se, mais uma colega minha… riam-se divertidos. Ele estava a rir-se também… com elas. Senti vontade de lhes atirar a muleta à cabeça, como atirara na noite anterior ao sofá.

            «controla-te, Alexandre, controla-te»

            Cerrei os dentes e fiz um esforço sobre-humano, foi mesmo um esforço sobre-humano porque só tive vontade de… o olhar dele era intenso, acho que não consegui disfarçar bem porque acho que me adivinhou os pensamentos. Aliás, fui um bocado bruto.

            - E o meu contrato, já está pronto? Ou a impressora também está a ouvir a história em vez de estar a trabalhar?

            Senti o azedume nas minhas palavras e no meu tom de voz, mas há coisas que são incontroláveis e eu estava sem forças para mais.

            A Susana respondeu-me à letra, estava no escritório há tempo demais para se deixar intimidar por quem quer que fosse, era franca, leal e não engolia sapos, se a provocavam, ripostava e ripostava imediatamente.

            Acho que não percebeu o verdadeiro sentido das minhas palavras, mas o Jaime percebeu-o… elas tinham-se afastado dele e voltara a sentar-se, mas ele nunca desviara os olhos de mim. Senti bem o seu olhar.

            Como é que eu agora lhe podia pedir para assinar o contrato? Sentia-me furioso… e porque e que eu estava furioso? Só havia uma explicação lógica, eu estava apaixonado outra vez… o Jaime atraíra-me desde a primeira vez que o vira e a aproximação fizera-me apaixonar, não há outra explicação. Aconteceu em 24 horas? Só pode, não há outra possibilidade.

            Passei o resto da manhã a imaginá-lo a conversar com as secretárias, a conversar com as minhas colegas, a imaginá-las a tirar-se a ele e ele a gostar, a imaginá-lo a atirar-se a elas, a…

            «raios partam o homem»

            Como se não bastasse, ao almoço tive de levar as secretárias atreladas… é como dizem os brasileiros, «ninguém merece». Esta expressão só tem o verdadeiro sentido com a pronuncia brasileira... «ninguém merece!»

            «raios partam as mulheres»

            Parece que andam desesperadas, não podem ver um homem atraente que…

            Estou a ser injusto, confesso que não tive razões de queixa, fui eu o centro das atenções dele. Conversou com as mulheres, brincou com elas, provocou-as e tudo, mas eu não tive a menor dúvida que se estava a exibir para mim, apenas isso, estava-me a provocar e nem era uma provocação para me irritar, era uma provocação sensual, a forma como me olhava permitiu-me perceber que era assim, que apesar do que estava a fazer, era eu o centro das suas atenções.

            Regressei ao trabalho mais calmo. Voltei a ler o contrato. Metera-o na gaveta e ainda bem que não o rasgara. Reli-o e decidi que estava bem, decidi que o poderia chamar e pedir que o assinasse… dir-lhe-ia que o amava e que o queria comigo e só esperava que não pensasse que aquilo era uma forma de o obrigar… não, ele não pensaria isso, ele gostava de homens como eu e sentia-se tão atraído por mim como eu estava por ele.

            O telefone tocou.

            - O Sr. Ernesto Dias já chegou, doutor!

            Esquecera-me completamente deste. Consultei a agenda rapidamente. Era uma ação de despejo a inquilinos que não pagavam a renda. O Ernesto tinha quatro prédios nas Avenidas Novas, um deles ao lado do meu. Sorri curioso por ver a expressão do Jaime perante aquele cromo.

            Eu acho que não há homem no mundo mais efeminado que o Ernesto Dias, duvido que haja. Ele é do tipo que, mesmo amarrado e amordaçado, só pelo respirar se vê que é gay. É um bom homem, franco, educado, encontrara-o várias vezes em bares gay e assim que me via dava um grito que ecoava por todo o espaço. Ali felizmente era mais contido.

            Apesar de tudo não disfarçava, gostava de dar nas vistas e fazia-o sem o mínimo pudor, sempre bem-disposto. Dissera-me uma vez que demorara muito tempo a resolver o problema na sua cabeça, mas quando decidira assumir-se, fizera-o para a vida, fizera-o para o bem e para o mal. A sua filosofia era «eu não devo nada a ninguém, se dever mandem-me a conta para casa e eu depois vejo se pago ou não».

            - Ai doutor, o que é que lhe aconteceu?

            Tive de sorrir. Olhei depois para o Jaime e vi-o cruzar os braços de sobrolho franzido. Mas o que é isto?

            - Não foi nada, um pequeno acidente! – respondi atrapalhado, vendo o Jaime contorcer-se como se estivesse sentado em cima de vidros

            - Não acredito, doutor! – o Ernesto levantou-se e veio ter comigo – conte-me tudo!

            Tentei sorrir-lhe, mas o que vi foi o Jaime levantar-se a afastar-se rapidamente para se servir de água.

            Expliquei ao homem que caíra e fizera umas luxações, mas a minha mente estava a tentar perceber a reação do Jaime, o que é que se passara? Antes de entrar no gabinete com o Ernesto percebi finalmente. Ele estava sentir o que eu sentira antes, o seu olhar era de fuzilamento, era mesmo, fuzilou-nos aos dois sem a mínima piedade… acabaram-se as dúvidas, ele estava com tantos ciúmes como eu tivera. Acabaram-se os receios, acabaram-se as hesitações, ele sentia por mim o que eu sentia por ele, não havia a menor hipótese de erro ou de equívoco. Decidi naquele momento que lhe pediria para ficar comigo nessa noite, acabou-se o medo de ser recusado.

            Isso fez-me sentir bem. Senti-me feliz, senti-me a flutuar. O Ernesto gostava de mim, gostava de me provocar, gostava do ‘flirt’ a que eu nem sempre respondia, mas brinquei com ele, respondi-lhe à letra e ele até se espantou.

            - Está muito bem disposto hoje! – comentara

            - Estou mesmo! – não tive problema nenhum em admitir, agora sabia bem o que fazer

            À saída do gabinete, quando o acompanhei como sempre fazia… vi o Jaime com ar de “toda a gente me deve e ninguém me paga”. Braços cruzados, sobrolho franzido de tal forma que mal lhe consegui ver os olhos, sentado direito como se estivesse à espera que a poltrona se partisse.

            Senti o Ernesto afastar-se de mim. Vi o seu olhar penetrante e depois vi-o olhar para o Jaime. Quando me encarou novamente a sua expressão dizia apenas uma coisa…

            «eu sei»

 
            Estava sem cabeça para trabalhar. Disse ao Jaime que me queria ir embora e ele correu para a porta, desaparecendo. Parecia ainda mais desesperado para sair dali que eu. Avisei que estaria contactável, mas que me poupassem, para que pudesse descansar um pouco e desci para a rua. O meu carro apareceu logo depois e o Jaime saiu a correr para me abrir a porta. Eu sentia-me já capaz de apertar o cinto de segurança, mas não fiz nada, deixei-o fazê-lo, quis vê-lo curvado sobre mim, quis sentir o seu perfume… ele estava tenso, mas olhou-me quando recuava para sair do carro, fez o que não fizera na tarde anterior, olhou-me e sorriu-me. Estava amuado, mas sorriu-me à mesma.

            Tive de gozar um bocado os seus ciúmes, não resisti. Podia ter dito logo o que queria, mas gostei de o ver amuado, gostei de sentir aquilo, gostei de ver que estava tenso, foi a minha pequena vingança pelos ciúmes que me fizera sentir na manhã. Ele olhava-me com frequência e eu acabei por o olhar também e sorrir-lhe. Acabou por começar a descontrair, quanto mais avançávamos pela ponte, mais relaxado ele ficava.

            - Foi um dia stressante, doutor!

            Sorri outra vez.

            - Muito!

            Não falámos mais, tocou o telefone e era do escritório, teria de atender. Era a Susana. Começou com assuntos profissionais, mas não resistiu a falar no Jaime, que era muito bem-parecido, que era muito simpático… eu nem queria acreditar que estava a discutir o homem que amava com a secretária do escritório, aquilo era demais. Felizmente a linha caiu quando entramos na garagem, mas ainda estávamos no elevador quando tocou outra vez. Irra! Parecia um mosquito carregadinho de dengue.

            O Jaime acabou por me explicar por sinais que ia começar a fazer o jantar, eu acenei a concordar e fui para a sala, esticando-me no sofá… acabei por despachar a secretária, estava sem paciência e não tinha pachorra para pensar naquilo.

            - Oh Susana mande-me um mail, pode ser? – disse um bocado mais ríspido do que pretendia – eu estou cansado e não posso pensar nisso agora!

            Finalmente em silêncio, fechei os olhos para pensar no que dizer, de como dizer… já não me importava que fosse eu a dar o flanco, não me importava de correr o risco de ser recusado, já tinha a certeza que não o seria. Acabou por ser muito mais simples do que pensei.

            Senti-o a aproximar-se, senti o seu olhar… abri os olhos, encontrando os seus fixos em mim. Estava tenso, estava nervoso… percebi que provavelmente estaria na mesma situação que eu, com os mesmos receios.

            - Quer que venha amanhã, doutor?

            Vi-o sacudir a cabeça, como se não fosse aquilo que queria dizer. tive vontade de rir. Estava tão nervoso como eu.

            - Não! – respondi pensando no que dizer a seguir

            É curioso como as coisas acontecem, mesmo quando não temos intenções de…

            A sua expressão mostrou-me que não o teria atingido com mais violência se lhe tivesse espetado uma faca no estômago. O seu instinto foi recuar, mas reagi rapidamente. Agarrei-lhe o pulso e segurei-lho com toda a minha força.

            - Fica comigo, Jaime! – pedi – por favor!

            Ele interpretara o meu ‘não’ de uma forma que não era a pretendida. A sua surpresa foi flagrante e o seu sorriso foi… foi um alívio, foi confusão, foi surpresa, foi prazer, prazer indiscutível.

            - A dormir aqui? – os seus olhos pareciam faróis em máximos

            - A dormir comigo! – agora ia sair tudo – eu hoje… no escritório…

            Engasguei-me, mas vi que ele percebeu bem o que eu queria dizer.

            - Tiveste ciúmes!

            Era uma afirmação, ele percebera, ele sabia que eu estava apaixonado, sabia.

            - Tive vontade de as espancar! – confessei deliciado com o seu sorriso e por me ter finalmente tratado por 'tu'

            Tentei levantar-me, mas ele não deixou, ajoelhou-se ao meu lado e a sua boca colou-se à minha num beijo que eu queria sentir há muito.

            - Eu também tive! – admitiu finalmente

            - Eu sei! – fiz-lhe uma festa na face – queres ficar?

            - Não há nada que eu queria mais! – foi a sua resposta

            Senti os seus braços debaixo de mim e ergueu-me no ar. Levou-me para o quarto e pousou-me suavemente na cama. Despiu-me rapidamente atirando-me a roupa para o chão. Vi-o olhá-la e achei que pensara em ir dobra-la. Devia estar doido. Agarrei-o pela gravata e puxei-o para mim. Mal o consegui ajudar a despir-se, mas não precisei, ele fê-lo rapidamente e acabou por deixar cair o seu corpo quente sobre o meu.

 

*** Jaime – final ***

 
            Disse-lhe que o amava e disse-lho com todas a letras, olhos nos olhos, sem medo, sem stress, sem nada. Ele estava nu como eu, cansado como eu, a sorrir como eu. Ele passou a mão no meu peito e disse que também me amava. Não sei se estremeci com o toque, se estremeci com o prazer que tive em ouvir dize-lo, só sei que me senti feliz. Devo ser o único português a agradecer ter sido despedido.

            - És o primeiro homem a quem digo isto! – senti-me um pouco estranho, mas não me importei porque era a verdade

            - No que depender de mim, vou ser o único!

 

6 comentários:

  1. Muito bom, muito bom mesmo. Todos os contos são ótimos, gostaria que escrevesse mais!

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  2. Gostei muito! Escrevo do Brasil, Rio de Janeiro. Aqui não encontramos contos com essa sensibilidade e riqueza no linguajar. Algumas poucas expressões foram difíceis de compreender, mas, se me entende, não o foram de imaginar.
    Uma coisa que eu não sabia era essa formalidade no tratamento (tu e ele). Aqui não existe mais e nos contos homoeróticos só temos palavras chulas e com muitos erros de português.
    Assim, foi difícil parar de ler, a vontade era ler tudo de ima só vez! Espero que poste mais contos.
    Grande abço!

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  3. Obrigado aos dois pelos comentários... parei de publicar porque não tinha esse feedback... gosto de escrever, tenho escrito, mas chateei-me por não conseguir perceber se alguém estava a gostar ou não... gostei!! ;)

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  4. Incrível. Você escreve com uma sensibilidade e envolvimento que eu invejo. Realmente não encontramos contos com essa qualidade aqui no Brasil. Me apaixonei pelos personagens, o enredo e a cultura lusitana. As diferenças de tratamento e algumas palavras no Brasil e em Portugal deixam o texto mais gostoso de ler, tudo parece novidade haha. Continue postando! Abraço (:

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