Desliguei
o carro e olhei em volta contrariado. O estacionamento estava cheio, o que só
podia significar que o ginásio estava a abarrotar de gente outra vez. Foi
impossível evitar uma exclamação de aborrecimento. Havia poucas coisas que eu
detestasse mais do que multidões. Cada vez estava pior e os meses de isolamento
a que eu me autocondenara só me tinham feito detestar ainda mais grandes
enchentes… a espera que a máquina do próximo exercício ficasse livre, o calor
dos corpos em esforço… o cheiro da transpiração… sacudi a cabeça para afastar
aquelas ideias… «vamos mudar de pensamentos».
Cerrei
os dentes e saí do carro: «pensamentos positivos! Passaste os trinta e é altura
de te deixares escravizar pelo ginásio» disse para mim próprio.
A
verdade era esta e absolutamente incontornável. Descobrira com 32 anos que os
passeios de bicicleta e a meia hora diária a correr já não eram suficientes
para aquilo que eu queria. Continuo com bom corpo (é a minha opinião pelo
menos), mas ganhei dois quilos nos últimos três meses e isso fez tocar as
campainhas de alarme. Tinha de fazer mais qualquer coisa.
A
ocasião aparecera quando eu menos esperara. Uma noite de cinema e, à saída do
centro comercial, um rapaz giríssimo a entregar folhetos de um ginásio prestes
a abrir e que procurava clientes. O Manuel saíra da faculdade há pouco tempo e
este era um dos seus primeiros trabalhos… giro, simpático, com um sorriso
fantástico, um corpo de fazer crescer água na boca e a dar-me atenção… quando
chegara a casa tinha marcada uma visita para fazer os testes físicos para ver
se não me dava nenhum ataque a meio da sessão. Na semana seguinte o meu
delicioso ‘personal trainer’ fizera-me elogios quanto à minha forma física e eu
fui delicado o suficiente para conseguir não lhe dizer que não me importava
nada de ter um chelique ou dois a meio de uma sessão com ele.
Empurrei
a porta com a fúria de quem quer vencer… uma hora e meia de exercício e estava
livre. A mesma fúria com que começara a correr de madrugada, antes de ir trabalhar…
com um bocado de sorte acabaria viciado no ginásio, como acontecera com a
corrida.
-
Boa tarde, Zé Maria!
O
sorriso do Manel acabou com as minhas incertezas. 24 ou 25 anos, um pouquinho
mais alto que eu, louro com o cabelo muito curto, tronco forte e ombros largos
que a t-shirt não conseguia esconder, braços fortes de bíceps proeminentes que
exibia com confiança… estava atrás do balcão da receção a conversar com a
relações públicas do ginásio, que lhe sorria parecendo derretida, mas o seu olhar
fixara-se em mim quando me vira entrar e o seu sorriso fora imediato.
-
Olá… boas tardes!
Respondi-lhe
com o meu melhor sorriso.
-
Vou já ter consigo! – disse-me ele antes de se voltar a concentrar no que a
mulher lhe estava a dizer
Tive
oportunidade de ver a expressão de desagrado da mulher por eu ter chegado e ter
desviado a atenção do tipo, mas pouco me importei… não achara nada simpática
desde o primeiro dia e decididamente não frequentaria o local por causa dela.
-
Fico à sua espera!
Senti
imediatamente o calor da segunda sala, mas tive sorte, havia pouca gente. Pelos
vistos havia uma aula qualquer de um daqueles desportos que dão cabo de uma
pessoa ao fim de 10 minutos de exercício… toda a gente sabe do que estou a
falar, aquelas aulas que, quando acabam, nos deixam às portas da morte… seja
como for, parecia estar cheia de adeptos e apenas se via uma pessoa na sala das
máquinas de exercício, curiosamente a miúda rechonchuda que fizera o teste de
aptidão no mesmo dia que eu. Acenei-lhe pois tínhamos falado uns minutos nesse
dia e entrei nos balneários para trocar de roupa.
Eu
não gostava nada daqueles balneários. É verdade que sou gay e não sou nada
complexado, mas aquele sistema fazia-me confusão. Não tinha hall por isso,
assim que entrávamos, estávamos logo no local para mudar de roupa. Digo ‘local’
propositadamente, aquilo era um corredor bastante apertado onde, para atarmos
os atacadores, damos uma cabeçada no tipo que está à nossa frente. Não é nada o
meu estilo. Dois dias antes, estava a calçar os sapatos para me ir embora
quando passou um tipo à frente e mal tive tempo para me levantar para evitar
tê-lo a roçar-se na minha cabeça. Ainda se fosse minimamente atraente… tipo o
Manel… poderia pensar em fazer uma piada sobre o assunto, mas era um… enfim,
não era nada atraente. Pronto. A zona dos duches não era muito melhor, pequena,
apertada… decidira logo que não tomaria banho ali na hora de ponta. Também da
última vez estivera 10 minutos à espera que as pessoas de despachassem e até me
ocorrera só tomar banho em casa.
Ouvi
a porta abrir-se. Era o Manel.
-
Ah está aqui… pensei que se tivesse ido embora!
Finalmente,
o seu sorriso só para mim.
-
Estava a pensar que isto é super apertado! – respondi-lhe – estamos a atar os
sapatos e a dar cabeçadas nas pessoas!
Os
seus lábios mudaram de posição e o seu sorriso tornou-se agarotado, ele pareceu
divertido com a ideia.
-
Tem que se ter cuidado! – foi a sua resposta
Vi o seu olhar fixar-se
nas minhas pernas e gostei da sua expressão avaliadora.
-
Eu tenho os meus fetiches, mas andar às cabeçadas aos abonos de família dos
meus colegas de ginásio não é um deles! – respondi meio azedo, meio a gozar
Levantei-me,
encarando-o ainda a tempo de ver a sua expressão de surpresa.
Gostei
e o ver espantado com o meu comentário e da hesitação antes de responder.
-
Imagino que não!
-
Estou pronto! – disse-lhe com o meu melhor sorriso – o que tenho de fazer hoje?
-
Hoje vou puxar por si! – olhou-me provocador
-
Eu gosto que puxem por mim! – disse mordendo o lábio… aquilo não era o tipo de
comentário… ideal…
Era
a quinta vez que vinha ao ginásio, mas foi a primeira vez que gostei realmente
de ali estar. Primeiro, tinha toda a gente a fazer a aula e a zona das máquinas
só para mim; segundo, não havia compasso de espera para ir para o aparelho
seguinte; terceiro, não havia o calor nem os cheiros dos dias anteriores; por
último, mas muito importante, tinha o ‘personal trainer’ por minha conta. Não
podia ser melhor.
15
minutos de bicicleta a conversar de trivialidades não me pareceram
particularmente complicados, pelo contrário, foram um verdadeiro prazer. As
primeiras máquinas também não foram nada de extraordinário, apesar de ter
estado sozinho porque apareceu a relações públicas que esteve imenso tempo a
falar com ele. Confesso que não gostei… como é que se pode explicar que uma «relações
públicas» nos tire aquilo que queremos, em vez de nos fazer sentir bem no
espaço que administra? É evidente que ela não podia fazer ideia…
O
Manel voltou com uma expressão aborrecida.
-
O dia não está a correr bem? – perguntei tentando ser simpático
Encolheu
os ombros.
-
Ninguém disse que a vida era fácil! – foi a resposta
-
É natural que seja complicado arrancar com um projeto destes, há sempre muita
coisa para resolver…
-
De 10 em 10 minutos?
Calou-se
atrapalhado… pareceu ter-se apercebido logo do comentário despropositado. Tive
de sorrir.
-
Se nos voltar a interromper, eu queixo-me que não estou a ter a sua atenção
como devia… desta vez só o pensei… da próxima digo-o! – vi a sua expressão de
surpresa e fui eu que encolhi os ombros – o que quer… tenho mau feito!
-
Vou ter mais cuidado! – sorriu… e eu achei aquilo era provocação
-
Acho bem… o Manel tem de agradar aos chefes, mas tem de agradar ainda mais aos
clientes, não é?
A
sua surpresa foi ainda mais flagrante, apenas ligeiramente maior que a minha
porque não estava nada nos meus planos dizer aquilo. Parecia que o meu sistema
de filtro estava desligado, mas a verdade é que senti o seu olhar de
curiosidade… parecia espantado comigo. Fez-se um momento de silêncio, antes
dele tornar a falar.
-
Também pode experimentar as aulas um dia destes! – acenou com a cabeça na
direção das outras salas
-
Não me parece! Aquilo é demais para mim!
-
Não tinha dito que gostava que puxassem por si? – fixou os olhos nos meus e eu
achei que me estava a provocar deliberadamente
-
E gosto! – ripostei imediatamente – mas não é numa sala abafada e cheia de
gente!
-
Aqui é melhor? – sorriu sem desviar os olhos dos meus…
-
Pelo menos é melhor do que na outra sala… isso de certeza! Seja como for, eu
estou satisfeito consigo, por isso vou-me manter por aqui!
-
Ainda bem! – riu – vou eu puxar por si!
Foi
mesmo o que fez… flexões… ninguém merece… intervaladas com abdominais… 10 de
cada, duas vezes, alternadamente… enfim, um pesadelo.
Cerrei
os dentes e consegui… mais por vergonha que por outra razão qualquer, mas consegui.
-
Porca miséria! – exclamei aliviado por não me ter saído nada pior
-
Não estava à espera que conseguisse! – confessou ele a sorrir – estou
impressionado!
-
Pois! – bufei a ferver a ferver de calor – eu pareço uma florzinha de estufa,
não é?
Sentia-me
um bocado azedo depois daquele esforço… precisava de uns minutos para voltar a
ter bom humor. O sorriso desapareceu-lhe dos lábios como que por encanto.
-
Nunca pensei isso! – apressou-se a dizer atrapalhado
-
Claro que não! – forcei-me a sorrir – seja como for, já percebeu que não sou!
-
Mais 10 minutos de bicicleta e pode ir! – disse de olhos fixos no meu corpo… eu
levantara a t-shirt para passar a toalha no peito… estava todo a transpirar
Entretanto
a aula tinha acabado e deviam ter saído de lá mais de vinte pessoas.
-
Muito bem! – sorri seguindo o eu olhar – mas entretanto tenho de esperar um pouco
para dar tempo para toda a gente sair do balneário!
O
tipo viu que eu o observara e corou. Tenho de confessar que adorei sentir o seu
constrangimento e ver a expressão do seu rosto.
-
Eu vou preparar o seu plano de exercícios! – balbuciou atrapalhado
-
Espero que isso não signifique que vá deixar de me dar atenção! – lancei
aproveitando o balanço
Ele
passou de vermelho a purpura.
-
Claro que não! – disse logo – sempre que precisar…
-
Então está bem!
Virei-lhe
as costas, sentando-me na bicicleta a pedalar deliciado.
Aquele
dia correra mesmo bem. Correra bem no trabalho e correra bem ali… aquela
situação prometia. O tipo era muito, muito bonito, tinha tudo no sítio,
olhava-me de uma forma que me agradava e fiquei convencido que, se não era gay…
pelo menos… enfim, eu perturbava-o tanto ou mais que ele a mim. Pelo menos foi
a sensação que tive, bem vira a sua expressão confundida… de certeza que
acabaria por tirar aquilo a limpo, teria de o convidar para qualquer coisa fora
do seu local de trabalho.
Pedalei
com vontade, satisfeito com o balanço desportivo do dia. Ele sentara-se a fazer
o tal plano, ou qualquer coisa do estilo, mas olhava-me com alguma frequência…
podia ser um ato reflexo enquanto pensava, mas podia ser para me controlar… eu
estava com esperança que fosse a segunda opção.
A
verdade é que, quando terminei e me levantei, ele olhou-me imediatamente…
pisquei-lhe o olho e afastei-me para o balneário achando que não havia forma de
um piscar de olho poder ser visto como mais que um cumprimento simpático… a não
ser que se quisesse ver dessa forma.
Ainda
estava um homem a vestir-se, mas havia espaço suficiente. Aliás, ele estava
pronto para sair. Tomei um duche rápido, sentindo-me mole e sonolento. Teria de
por a música alta para não correr o risco de adormecer ao volante.
-
Zé Maria… ainda aí está? – ouvi a certa altura
-
Estou já a sair! – respondi com um sorriso
Sequei-me
rapidamente e fui ter com ele. Adorei a sua expressão quando apareci à sua frente
e me viu a enrolar a toalha à cintura. Nem sei como consegui portar-me bem… eu
gosto das coisas com calma e tenho experiência suficiente para saber que as
precipitações podem causar problemas.
-
É o famoso plano? – perguntei-lhe a sorrir
-
É! – foi a resposta – sem flexões…
-
Menos mal… entre o plano de cortes do governo e o seu plano de exercícios… não
sei qual me mete mais medo!
Fui
brindado com o seu delicioso sorriso e pensei que era capaz de me apaixonar por
ele.
-
Eu posso-lhe explicar rapidamente…
-
Nem pense nisso! – disse imediatamente com vontade de rir pela sua expressão de
confusão – estou todo partido e a última coisa que me interessa é saber o que
planeou para me partir todo amanhã outra vez… não sou masoquista!
-
Outro dos fetiches que não tem!? – perguntou a rir, meio a sério, meio a
brincar
-
Exatamente! Não está cá amanhã?
-
Estou cá todos os dias!
-
Então amanhã explica-me isso tudo, pode ser?
-
Claro!
Ele
virou-se para se ir embora.
-
Manel! – chamei, fazendo-o parar e virar-se – hoje deixo passar, mas fica
prevenido que, se amanhã me doerem os músculos como hoje, vai ter de me fazer
uma massagem!
-
Pode-se arranjar!
Afastou-se
rapidamente, mas não a tempo de evitar que eu visse que corara novamente.
fico à espera do resto. onde é esse ginásio? ;)
ResponderEliminarlol. Não existe.
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